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A Verdade: estudo filosófico. Os homens vivem de verdades

Santo Tomás de Aquino, defensor da Verdade

Referência: A Verdade: estudo filosófico. DOMINIQUE, Jean. Campo Grande: Ed. Santo Tomás, 2003.

Santo Tomás extrai a definição de verdade, no seu primeiro artigo, de um fato supostamente admitido por todos: “Chama-se verdadeiro aquilo para o qual tende a inteligência”. A verdade é aquilo que toda a inteligência busca.

Santo Tomás, dirigindo-se a pessoas de bom senso, não precisa explicar por que, “assim como a vontade quer o bem, assim a inteligência busca o verdadeiro”. Segue adiante sem parar.

Infelizmente, constatamos que essa evidência é simplesmente negada por muitos contemporâneos. Existem, certamente, inimigos ardorosos da verdade, isto é, pessoas que a combatem por causa daquilo que creem ser verdadeiro. Estamos, também, porém, cada vez mais em face de um estado de espírito mais perigoso ainda. É o indiferentismo. Toda curiosidade é extinta, os espíritos estão embotados, já não há sede de verdade. Vamo-nos encarregar, neste preâmbulo, de pôr sob todas as luzes à ordenação essencial da inteligência à verdade.

E não somente porque essa ordenação é o ponto de partida do estudo de Santo Tomás, mas porque aqui se verifica, mais uma vez, o adágio: “Não se faz beber um asno que não tem sede”!

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Para isto, compreendamos bem o método por seguir. Queremos esclarecer o seguinte fato: a inteligência de todo homem é feita para a verdade. Assim como a retina é feita para receber a luz, e o pulmão o oxigênio, a inteligência também necessita conhecer a verdade. É a sua própria vida. Contudo, esta afirmação, se não se pode demonstrar, também não é discutível. É uma evidência. Diante de uma evidência, só temos duas coisas a fazer: constatar que ninguém poderia mudar de assunto (neste ponto, é preciso observar o comportamento humano), e, a seguir, examinar com atenção cada um dos termos da evidência, de modo que sua conformidade salte aos olhos.

I — Os homens vivem de verdades

Àqueles que negavam a existência de princípios (isto é, verdades ao mesmo tempo indemonstráveis e indiscutíveis), Aristóteles respondia simplesmente: “Não é preciso pensar em tudo o que se diz”. Noutras palavras, você pode sempre negar essas verdades com sua língua, mas seu espírito não pode recusá-las sem se destruir a si próprio, e você as utiliza sem cessar.

Um simples olhar na vida dos homens permite-nos constatá-lo. Observemos o homem supostamente mais indiferente à verdade existente: ele nos mostrará que, se pode negar com a boca a necessidade da verdade, sua vida inteira, porém, é tensionada por esse desejo.

  • Esse homem nasceu como todos. Então, o que foi que disse? Não parou de perguntar: “por quê”?, “o que é isto?” Através dessas perguntas é a verdade das coisas que reclamava.
  • Tendo crescido, vai à escola, talvez venha a cursar longos anos na universidade. Por que tantos esforços? Sobre o que versaram seus exames? Sobre a verdade. É o verdadeiro que se entregou a ele, pouco a pouco. É o verdadeiro conhecimento das coisas que se esperava dele.
  • Terminados os estudos, deseja casar-se. E então, mais do que nunca, o que exige da sua futura esposa? A verdade. A verdade do seu “sim”, a verdade do seu amor. Por nada no mundo quereria construir sua vida conjugal sobre uma mentira.
  • O homem estabeleceu-se, tem um bom trabalho, mas deseja subir de nível. Para tanto, busca informar-se. Pode-se imaginar o número de vezes que, durante sua vida, terá aberto um jornal ou um livro, ligado a televisão, ou o rádio, para saber das notícias. Seria impressionante. Ora, com cada um desses gestos o que procura ele? A verdade. Entende que lhe são fornecidas informações verdadeiras.
  • Nosso homem festeja seu aniversário. Para regar a refeição, traz de sua adega uma das suas melhores garrafas. Que espera do rótulo? Como sempre, a verdade. Mas que falta de sorte, logo na frente dos seus convidados, se em lugar do vinho generoso anunciado, lhes servisse um vinagre!
  • E o que, dizer então, de quando fica doente? Prepara-se para ser atendido por um médico da mais alta competência, e não por um charlatão. Aquele lhe fará um diagnóstico verdadeiro.


II — Análise da inteligência e da verdade

Se observarmos agora, de mais perto, a vida da inteligência, em si e nas suas relações com as demais faculdades, apreenderemos, imediatamente, a necessidade que ela tem da verdade como de seu objeto próprio.

1) A Vida da inteligência

Uma breve análise da linguagem bastará para que nos demos conta disso. A linguagem é, de fato, a expressão imediata da vida do espírito. É como sua tradução fiel.

Ora, se observarmos com atenção, perceberemos que, a despeito da sua infinita complexidade, a linguagem humana pode reduzir-se a proposições muito simples. A afirmação diz: A é B. A negação: A não é B. A pergunta é: A é B? Parece que o centro da linguagem, o eixo em torno do qual se articula, é o verbo ser.

Pois isto não passa da manifestação exterior da nossa inteligência, que se encontra, pois, toda centrada no ser. É na medida em que alcança o ser das coisas que ela encontra seu repouso. É o que se verifica com os dois sentidos do verbo ser:

  • Seja quando significa a existência real, como quando se diz: “Pedro é”, “Deus é”;
  • Seja quando significa a natureza da coisa, ou uma das suas qualidades, por exemplo: “Pedro é marceneiro”, “Pedro é doente”.

Ora, alcançar o ser das coisas é conhecê-las tais como são na realidade. É o contrário da ilusão, é estar em verdade. Tal é, pois, a atividade vital da inteligência, a conquista da verdade.

2) A Inteligência em Suas Relações com a Vontade e a Imaginação

Observemos, agora, o papel da inteligência em face das demais a potências, isto é, a vontade e a imaginação.

Veremos, pois, claramente, que uma inteligência privada da verdade é fraca, já não tendo nenhuma influência sobre as faculdades que deveria dirigir.

Primeiro a vontade.

É um apetite espiritual que se dirige para o bem. Mas, por si mesma, a vontade é cega. Ela deseja o bem tal qual a inteligência lhe apresenta. Somente a inteligência pode conhecer o que é bom para nós e, depois, o que fará nossa felicidade.

O que a vontade espera, pois, da inteligência é que ela lhe dite o verdadeiro bem, a verdade. Uma inteligência privada da verdade seria como um cego que conduzisse outro cego. O Evangelho nos diz a consequência disso: os dois infelizes caem juntos no buraco (Mt 15,14).

O mesmo ocorre com a imaginação, se a entregamos a si mesma. Todos sabemos que prodigiosa fecundidade tem a imaginação. Sonhar, enfeitar ou enegrecer os fatos, reduzi-los ou amplificá-los, inventar ou adivinhar, tudo isso corre por sua conta. Mas ninguém ignora seus limites. Por ela mesma, não há nenhuma aquisição do real. Um homem pode imaginar que ganhou na loteria, planejar suas férias e reorganizar sua vida, mas isto não o tornará mais rico. Em tal imaginar encontrará, ao contrário, a fonte de cruéis decepções.

Podem-se adivinhar os desgastes de uma imaginação entregue à sua fantasia. Assim como a sensibilidade, ela é “uma boa serva, mas uma má patroa”. O que ela pede, pois, à inteligência é que a dirija, isto é, que lhe diga no que ela está de acordo com o real ou não. Ainda é a verdade.

Vê-se, definitivamente, que a inteligência só pode exercer sua autoridade sobre a vontade e a imaginação na medida em que está iluminada pela verdade.

3) A Alegria da Verdade

É-nos dado um sinal nesta sede da inteligência pela alegria que ela prova quando alcança uma verdade. Observemos:

  • A alegria da criança que se maravilha diante de tudo o que vê;
  • A alegria do pesquisador que descobre uma nova lei após dias de trabalho;
  • A alegria dos amigos que se estimam;
  • A alegria do filósofo que penetra, pouco a pouco, a natureza das coisas, a harmonia do universo e, além, a causa primeira. “O cume da felicidade”, disse Aristóteles, “é a inteligência das coisas belas e divinas”.

Essas alegrias que, a títulos diversos, são o fruto de um conhecimento verdadeiro nos ensinam uma lei geral: a alegria da verdade. – Gaudium de Veritate. – Muito fraca para as verdades de ordem inferior, ela se torna universal e triunfante quando se põe sobre as realidades mais altas.

Concluamos este preâmbulo olhando o caminho percorrido: os homens vivem, necessariamente, com a ideia da verdade. A posse da verdade é a própria vida da inteligência, é a condição para cumprir seu papel sobre as demais potências, é a fonte dessa alegria.

Fica claro, pois, que o indiferentismo, em face da verdade, é um erro contra a natureza. Negar a necessidade da verdade é negar a própria inteligência, é rebaixar o homem ao plano do animal. Deixaremos, de bom grado, aos defensores dessa tese o cuidado de destruir o homem e povoar os zoológicos.

Quanto a nós, concentraremos nossos esforços em trazer a lume essa atividade fundamental da vida humana, quer dizer, o conhecimento da verdade por meio da inteligência.

Fonte: O Fiel Católico

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