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Paradoxos do Catolicismo: Autoridade e Liberdade

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A verdade vos libertará (Jo 8, 32).

Tornamos cativo todo pensamento para leva-lo a obedecer a Cristo (2Cor 10, 5).

Acabamos de considerar em linhas gerais, as relações entre fé e a razão, vimos como cada uma, em seu próprio ambiente, possuem máxima importância e se sustentam e se confirmam reciprocamente.

Passemos então, a desenvolver uma questão que emana diretamente delas, isto é, as relações entre a autoridade e liberdade, começando como sempre pelas acusações movidas contra  a Igreja.

Dizem que nos Evangelhos, aparece evidente que a liberdade, tanto na disciplina como na doutrina, é marca característica da Cristandade. Jesus veio ao mundo com a finalidade de substituir a Lei Antiga pela Nova Aliança, assim livrando os homens da complicada teologia e das minuciosas práticas religiosas.

Podemos discutir, se as práticas religiosas em sua época, eram ou não perfeitamente adaptadas às necessidades do povo de Deus; mas sem dúvida, Cristo as encontrou transformadas em uma oprimente escravidão, que sobrecarregava a vida religiosa do povo. A vida espiritual tinha se transformado em um sistema de irritantes formalidades.

Em lugar de tudo isso, Jesus apresentou uma catequese essencialmente simples, substituindo pelo espírito de liberdade, as complicadas cerimônias dos Fariseus. Ensinou que Deus é Pai e todos somo irmãos. Reduziu os cumprimentos religiosos ao mínimo necessário: Batismo e Ceia fraterna.

Nosso observador, faz ressaltar que atualmente, esse suposto espírito de liberdade é encontrado somente nas igrejas protestantes. Em tais ambientes encontram-se homens possibilitados de exercer a liberdade que Cristo desejou. Dentro dos vastos limites assinalados por Jesus, o indivíduo pode escolher e examinar as doutrinas que mais lhe convém; em matéria de moral, tem a possibilidade de escolher a linha de conduta que achar mais conveniente para seu desenvolvimento. Assim, por exemplo, tem a liberdade de adorar Deus na igreja que preferir; de assistir o culto somente quando deseja; de comer tudo que gosta, na hora e na quantidade que quiser, de distribuir seu tempo a bel prazer.

A Igreja Católica, ao contrário, torna essencialmente escravos os seus seguidores. Oprime-os com um enorme jugo de formalidades e obrigações, análogo ao sistema dos fariseus. Desse modo os católicos só podem adorar Deus em suas próprias igrejas; devem se conformar com as normas estabelecidas, no que se refere aos dias, tempos e lugares; devem se abster de alimentos em dias previstos; devem frequentar os sacramentos; cumprir certos atos de piedade e aceitar os dogmas sem nenhuma oposição. Quando o tema é a presença de Jesus na Eucaristia, um católico não é livre para escolher, deve aceitar precisamente a doutrina estabelecida.

Tanto no âmbito da doutrina, como na moral, o Catolicismo voltou ao antigo regime tirânico, que Cristo veio abolir. O católico, assim, se encontra nas tristes condições em que se lamentava antigamente o povo de Israel. É um escravo, não um filho. Pronunciando seus atos de fé, como diz um antigo adágio, liga seus membros em uma cadeia cujo primeiro ele se prende às mãos dos sacerdotes. Entretanto, são evidentemente falsas essas acusações.

A teologia do Novo Testamento não é simples como os protestantes pensam, basta ver a multiplicidade de seitas e credos que tem aparecido em seu meio, cada uma pretendendo ter encontrado a verdade e a sua interpretação.

Eliminando todo elemento, sobre o qual não é possível encontrar harmonia entre os protestantes, realmente ficou simples o que restou dessa retaliação da mensagem do Evangelho. Mas isso não é mais a teologia do Novo Testamento! Os dogmas, como o da Santíssima Trindade, da graça, do pecado, da natureza, não são simples de entendimento e é absolutamente falso dizer que Cristo não fez declarações sobre tais pontos e o modo como devem ser cumpridos. Como é falso que a teologia dos protestantes seja simples; as controvérsias sobre a “Justificação”, nas quais Calvino, Lutero e seus discípulos se empenharam, são tão complicadas como as disputas sobre a Graça entre Jesuítas e Dominicanos.

Os limites da controvérsia são claros: em resumo, o católico é obrigado a crer em um conjunto de dogmas e o protestante é livre para aceitar o que mais lhe agrada. Daí se deduz que o protestante é “livre”, enquanto o católico está limitado. Esta conclusão leva-nos a considerar as relações entre Autoridade e a Liberdade.

O que é a liberdade? É necessário esclarecer o significado da palavra. Um indivíduo usufrui sua liberdade social quando é obrigado a obedecer e a recorrer às leis e aos poderes verdadeiramente constituídos e a comunidade goza disso quando todos os seus membros se encontram em condições de poder fazer o mesmo. Quanto mais complexa é essa possibilidade, tanto mais se aproxima da liberdade perfeita.

Eis que inesperadamente nos achamos diante de um paradoxo relevante: a liberdade só pode ser garantida pela lei. Onde não existe ordem, a escravidão rapidamente se estabelecerá, porque os indivíduos mais fortes sentem-se autorizados a tiranizar os mais fracos. Naturalmente haverá algumas leis estúpidas e demasiadamente minuciosas e também lei opressoras, mas isso não impede o princípio de serem leis necessárias para conservar a liberdade.

Os comerciantes, as mulheres, as crianças, em geral, todos os cidadãos gozam de liberdade enquanto são protegidos pela lei. A criatura verdadeiramente tranquila é aquela que se vê completamente protegida pela lei.

Diga-se o mesmo da liberdade científica. Esta não consiste na ignorância dos conhecimentos, mas na admiração de sua existência. É verdade científica que dois mais dois são quatro; que os corpos abandonados no vácuo tendem a cair para o centro da terra. E somente um pensador totalmente superficial pode achar que a ignorância torna o homem livre na sujeição dos dogmas.

Realmente um indivíduo que não tem essas noções, é, de certo modo livre, para achar que dois mais dois são cinco e de pular do teto de sua casa; mas de modo algum, isso é liberdade no conceito dos homens razoáveis.

O homem conhecendo as leis da natureza, é mais livre do que aquele que, as ignorando, age contrariamente a elas. Haja vista, como exemplo, Marconi, que conhecendo as leis do raio, soube aproveitá-las, enquanto Ajax, desconhecendo-as foi vítima.

A verdade vos libertará (Jo 8, 32). O estado que controla as ações do homem, que educa, que lhe impõe a noção de verdade e o obriga a agir em conformidade com ela, torna efetivamente livres seus habitantes. Estes gozam de liberdade mais elevada e real; ampliando campo de ação, tornando mais livre os exercícios de seus poderes, aumentando as suas possibilidades para aproveitar as força do mundo que vivem. Somente contrariando a verdade, pode se admitir que um selvagem ignorante, seja mais livre que um homem civilizado. Até mesmo a alma possui uma interposição que a circunda. Todos os que admitem a existência da alma podem discordar entre si, no que diz respeito à natureza e às condições que lhe atribuem, porém concordam no conhecimento de que está cercada de uma atmosfera sujeita ao domínio da lei. Assim, por exemplo, todos reconhecem a lei que faz da oração um meio de elevação da alma.

As leis que regem e envolvem as almas, existem e tinham eficácia antes do advento de Cristo. Com certeza Davi conheceu alo da penitência e da malícia do pecado; Natã teve uma idéia do perdão dos pecados e sua pena temporal. Descido à Terra, Jesus teve este objetivo: revelar a lei da Graça, esclarecer a mente dos homens e cumprir na plenitude toda lei. Portanto, Cristo trazendo a Verdade, veio aumentar a liberdade dos homens.

Os hebreus do Antigo Testamento sabiam que matar é pecado diante de Deus, mas Jesus revelou que essa lei tinha um âmbito maior do que os homens a atribuíam. Declara Cristo: “Todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, terá de responder no tribunal” (Mt 5, 22). Faço-vos cientes de que essa lei estende-se até o reino do pensamento, assim, não somente o ato criminoso, mas até o espírito cheio de rancor incorre em culpa e punição.

Voltem-nos agora para a Igreja Católica. Sua função é perseverar e aplicar o ensinamento de Cristo, ordenando para que todas s gerações a recebam. Para atingir esse objetivo elaborou um Credo – ordenada documentação da revelação cristã – e estabeleceu um conjunto de regras a tornar este Credo realizável.

Os fatos verdadeiros em si mesmos, sejam ou não reconhecidos, não diminuem a liberdade. Como o sábado e o governante respectivamente tomam as grandes leis da natureza e da sociedade  as distribuem em regras e códigos, assim também a Igreja adota a Revelação de Cristo e por meio de seus dogmas e de sua doutrina a torna acessível, compreensível e eficiente.

Então, por que esse tumulto em torno da pretensa escravidão do dogma? A verdade nada faz, senão tornar mais livres os homens. Ninguém jamais ousou dizer que o sábio revelando a realidade torna escravos os intelectos. Pois bem, igualmente deve-se dizer a respeito da Igreja com seus dogmas.

O sistema católico tem a “aparência” de tornar o homem cativo, porque o único modo de conquistar e usufruir a verdade que os libertará é aquele que põe freio a imaginação, em obediência a Cristo.

Fonte: Capítulo do livro Paradoxos do Catolicismo de Robert Hugh Benson

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