“Cada um, diz são Thiago, é tentado pela própria concupiscência, que o alicia e arrasta”. Tão fortes são as inclinações ao mal que a natureza sente, que, sozinhas, podem conduzir ao pecado; mas o inimigo de nossas almas aqui está ainda excitando de mil maneiras as paixões, “como um leão rugindo ronda em torno de nós, procurando uma presa que possa devorar”. E, muitas vezes, os próprios homens juntam seus esforços aos de Satanás, quando, por atos ou por palavras, induzem o próximo a desrespeitar seus deveres. Assim, a tentação é uma excitação da natureza, do mundo ou do demônio a fazer-nos omitir um bem mandado ou a ceder a um mal proibido.
A natureza experimenta uma inclinação para tudo o que a lisonjeia e uma relutância para tudo o que a contraria, e estes movimentos de atração e de repulsão precedem toda reflexão e não distinguem o lícito do ilícito: assim, em presença de uma iguaria, sente um prazer irrefletido, seja ela permitida ou proibida pelas leis da Igreja. Desta arte, as tentações são numerosas e de todos os dias; duram toda a vida, porque a natureza permanece sempre a mesma, sempre amiga do seu descanso, das suas comodidades e inimiga de todo o dever penoso.
Os demônios, seres inteiramente abjetos, não respirando senão ódio e raiva, invejosos do homem, querem a todo o transe perdê-lo, excitando-o a ofender a Deus que eles detestam. Nosso Senhor nos mostra um demônio que, expulso de uma alma pecadora, anda a procura de sete outros, piores do que ele, para ajudá-lo a reconquistá-la. Os espíritos infernais, com efeito, reúnem-se ás vezes para dar aos homens formidáveis assaltos. Estes inimigos de nossas almas são hábeis, e de inteligência de muito superior à nossa; além disso, são ardorosos e obstinados.
O mundo, “inteiramente mergulhado no mal”, junta suas seduções às dos anjos decaídos. É ele constituído, na verdade, pelo conjunto dos homens que proclamam legítima a satisfação do orgulho e dos sentidos: os mundanos não se contentam de apregoar, estabelecem como principio que convém pecar. O mundo exerce uma influência deletéria com suas máximas, seus exemplos, suas zombarias, suas perseguições. As máximas do mundo são diametralmente opostas às do Evangelho. Eis alguns exemplos: antes de mais nada, o homem deve procurar enriquecer-se, elevar-se, brilhar, dominar; não gozar, quando se pode, é estupidez; a pobreza, vergonha; a privação voluntária, loucura, como é loucura, também, deixar-se humilhar, aceitar um insulto, uma injustiça; a oração é boa para os que não têm nada que fazer; a vocação religiosa é uma cabeçada, o efeito de uma piedade exaltada; Deus não exige que nos incomodemos, nos privemos; com Ele sempre havemos de nos arranjar; etc. Os que têm este espírito mundano, procuram difundir suas ideias; por seus exemplos e palavras arrastam os fracos na estrada larga dos prazeres, a única que lhes parece razoável, e, muitas vezes até, perseguem os que não os imitam e querem viver segundo as máximas do Evangelho. Suas armas são principalmente o motejo, o sarcasmo, a pilhéria, tão temidos pelos pusilânimes.
Mas os mundanos não são os únicos tentadores da alma piedosa. Pessoas pouco virtuosas, embora não sejam mundanas, são, às vezes, quer pelos seus exemplos, quer pelos seus conselhos, ocasião de pecado e, mais frequentemente, de imperfeição. Não se compenetram estas pessoas de que, se, com intenção má, ou simplesmente por inexperiência ou adulação, excitam ou animam os outros a cederem à vaidade, à sensualidade, à murmuração, às faltas de caridade, fazem o papel de demônio e assumem perante Deus uma grande responsabilidade.