Que bela e nobre faculdade, a de amar! Se o homem se ufana, com razão, de sua inteligência que, percebendo o que é belo e bom, estabelece um abismo entre ele e os irracionais, mais glorioso ainda é para ele, ter um coração que o oriente, o leve para a beleza e para o bem. A inteligência sem amor deixaria a alma gélida, preguiçosa, inerte; o amor excita-a, compele-a a agir, e comunica-lhe coragem, energia, constância. Mas a inteligência precede o amor: é preciso conhecer primeiro as prendas do ser amável. Visto com suas qualidades, o ser amável agrada e encanta; este primeiro movimento chama-se complacência. Quer-se muito ao ser que agrada e procura-se fazer-lhe bem: é a benevolência. Se o amor é recíproco, se há complacência mútua e troca de bons serviços; é a amizade.
O movimento da alma atraída pelo que lhe agrada é de duas espécies: o amor de concupiscência, pelo qual se procura possuir o que se julga útil ao próprio bem estar. Neste amor interessado atrai-se para si o ser útil e agradável. O amor de pura benevolência ou desinteressado é aquele pelo qual, esquecido de si próprio, considera-se tão somente o objeto amado, derramando sobre ele todos os bens, dando tudo, dando-se a si próprio para agradar-lhe. O amor, dizem os filósofos, é uma força unitiva: no amor interessado queremos nos unir ao objeto amado para nele encontrar alguma satisfação; no amor desinteressado aproximamo-nos dele para dar-lhe alguma alegria; no amor de amizade, os dois seres procuram-se mutuamente pelo próprio instinto do amor e para a felicidade de ambos.
O amor obriga a sair de si mesmo porque impele o ser amante para o ser amado; mas, no amor de concupiscência, o que ama não sai de si senão para logo voltar, pois procura unicamente sua própria satisfação; no amor desinteressado, porém, cedendo aos encantos do objeto amado, não vê senão este, esquece-se, dá-se, sacrifica-se por ele.
O amor reside na vontade; muitas vezes, é verdade, a parte sensível do nosso ser, intimamente ligada à espiritual, participa dele. Enternece-se o coração; mas suas emoções são apenas o acompanhamento do amor que pode muito bem subsistir sem elas. O amor pode ser forte e as emoções pequenas, como, pelo contrário, estas podem ser vivas e aquele fraco. Um moço pode sentir-se transportado ao ver um objeto que lhe agrada, por exemplo uma arma de caça mais aperfeiçoada do que a que ele possui; uma moça pode entusiasmar-se e experimentar um desejo veemente de possuí-lo, ao deparar com um artigo de toilette, um chapéu elegante, um vestido de gosto apurado. Entretanto, embora ambos tenham o dinheiro preciso para comprar estes objetos, negam-se a fazer esta despesa que julgam pouco razoável: apreciam mais seu dinheiro que, todavia, não lhes enternece o coração. Um jovem religioso chorará ao deixar seus pais em demanda de sua missão, e uma donzela deixará rolar sentidas lágrimas ao ingressar num convento; não vertem lágrimas pensando em seu Deus, por cujo amor consomem este sacrifício; entretanto, é Deus que tem todas suas preferências.
O amor produz sentimentos diversos que se podem condensar em quatro principais: o desejo, a alegria, o temor, a dor. Do mesmo modo que o amor, estes sentimentos residem principalmente na vontade, e, como ele, também, podem refletir-se sobre a parte sensível e nela ocasionar impressões suaves ou penosas. Estes sentimentos que nascem do amor, o mantém e o aumentam nas pessoas que a eles se entregam.
O amor e os sentimentos que dele se derivam, não passam de enganos, de ilusões quando não encaminham para as ações. Aquele que protesta seu amor e não quer, de maneira alguma incomodar-se para dar prazer à pessoa que diz amar, engana-se ou ilude-se. Julga-se da intensidade do amor pela extensão do bem que se quer e dos sacrifícios que se está disposto a fazer; mede-se, também, pela energia, pela firmeza da resolução que se toma de se consagrar ao objeto amado. E esta resolução se traduz em atos: o amor se prova pelas obras.
É fácil aplicar os princípios que acabamos de enunciar, ao amor de Deus. Este amor se fundamenta na complacência, nas perfeições, nos encantos infinitos de Deus. Sua grandeza, sua beleza, sua bondade merecem toda a nossa estima, toda a nossa admiração. Arrebentada pelos encantos divinos, a criatura quer agradar a este Deus que a enleva, procura conservar a amizade que Ele lhe oferece, pois é realmente uma amizade que Deus quer contrair com sua criatura. Incapaz de aumentar a felicidade infinita do Deus amado, ela quer, ao menos, fazer o que é do seu agrado e também dar-lhe um acréscimo de glória exterior desde que está no seu alcance glorificá-Lo por suas virtudes e fazer com que, por seu zelo, seja glorificado pelos outros. Ela está decidida a nada empreender que desagrade a seu Deus, a ponto de provocar uma inimizade entre Ele e ela. Prefere a amizade de Deus e os bens eternos que esta lhe assegura, a qualquer outra satisfação, que pudesse alegrar sua natureza, mas que dela faria uma revoltada, uma alma rebelde às ordens divinas.
Assim constituído, o amor divino torna-se justificante, até no seu grau ínfimo. Logo, um só ato de amor firmado nas amabilidades de Deus, contanto que leve a alma à detestação dos pecados mortais, mesmo quando é muito fraco para destruir o apego às culpas veniais, apaga todos os crimes, restitui os méritos perdidos com a graça santificante, reincorpora-a no Cristo, fá-la participante da natureza divina, assegura sua eterna felicidade. Eis o que lucra aquele que, na sinceridade de seu coração, diz a Deus: «Meu Deus, já que sois tão bom, detesto todos os pecados mortais com que vos tenho ofendido; não quero mais absolutamente cometê-los.»
Mas se o pecador toma esta determinação pelo motivo, aliás legítimo, do seu próprio interesse, o pensamento da bondade divina, embora lhe comova o coração, não agindo com bastante força sobre sua vontade para fazê-lo renunciar a seu pecado, não tem senão a caridade imperfeita que, por si só, não lhe pode restituir a amizade de Deus. Será preciso, além disso, para conseguir o perdão, a eficácia dos sacramentos de batismo ou de penitência.