Na época em que era chefe do Prefeito da Congregação do Culto Divino, o Cardeal Robert Sarah pensou muito e profundamente sobre o papel que a liturgia desempenhava na formação dos católicos. Ele passou um tempo não apenas refletindo sobre os frutos de uma formação litúrgica adequada, mas como a liturgia, quando abordada de forma errada, poderia formar católicos de maneira não intencional. Em uma conferência litúrgica de 2017 em Colônia, o prefeito alertou sobre uma liturgia que era uma ocasião para divisões odiosas, para confrontos ideológicos e para humilhações públicas dos fracos por aqueles que afirmam ter autoridade, em vez de ser um lugar da nossa unidade e da nossa comunhão no Senhor.
Nisto, o Cardeal Sarah estava discutindo a temida “guerra litúrgica” que vem acontecendo, com intensidade diferente, no Rito Romano desde a promulgação do Novus Ordo Missae por Paulo VI em 1969. Entre alguns dos católicos mais fervorosos, a liturgia se tornou não uma ferramenta de adoração a Deus, mas uma linha de confronto em uma batalha maior sobre como a Igreja aborda o sagrado. Como muitas guerras de trincheiras, muito pouco é realizado para além de baixas. Ninguém gosta da guerra litúrgica. No entanto, apesar desse ódio sem fim, a guerra litúrgica é tão desagradável em 2024 quanto era nas décadas de 1990 e 2000. Por quê?
Ao expor tal teoria, vou adotar uma posição que pode irritar alguns tradicionalistas. Vou assumir a posição de que a maioria dos indivíduos envolvidos no Novus Ordo (com algumas exceções) eram indivíduos bem-intencionados, mas equivocados. Vou sustentar (com algumas exceções) que as ações dos Papas desde o Concílio foram sinceras, mas, uma vez que se basearam em uma aposta falha, sinceramente erradas. Talvez você não concorde com isso, mas que seja.
Minha teoria da guerra litúrgica não se baseia em “qual é superior”, mas em algo decididamente não litúrgico. Paulo VI e outros ao seu redor acreditavam que os frutos da nova liturgia seriam auto-autenticados. A reforma seria um bem óbvio que todos amariam, mesmo que demorasse alguns anos. Como parte do incentivo a esse amor, Paulo VI ordenou que os padres queimassem seus navios quando pisassem no novo mundo. Ele proibiu funcionalmente todos os padres do Rito Romano (com algumas exceções) de celebrar o antigo missal. Não haveria como voltar atrás, nenhuma introspecção, nenhuma revisão sobre se as reformas funcionaram ou não. Até mesmo sugerir que tais reformas deveriam ser medidas era questionar a capacidade do Papa de guiar a Igreja na adoração. O Papa não suprimiu formalmente a Missa Tradicional. Por que, é uma incógnita. Sou da posição de que é uma proposição canônica arriscada suprimir, para todos, algo lícito e celebrado pela Igreja por séculos. Entrar nessa discussão coloca o propósito da lei da igreja, e da sua disciplina, de cabeça para baixo. Então ele tentou outros meios para obter aceitação. E, para ser claro, aceitação é o que ele obteve.
A esmagadora maioria dos católicos aceitou a nova missa. Eles entenderam que agora era a missa que eles assistiriam todo domingo. O que eles nunca fizeram foi abraçar a Nova Missa. As reformas litúrgicas não fizeram com que um fiel católico participasse mais profundamente da missa. Não fizeram com que tivesse uma compreensão mais profunda. Não fizeram com que tivesse um fervor maior. Em suma, as coisas que ela alegava que seriam melhoradas em relação à missa latina não aconteceram em substância. O que restou foi a preferência pessoal. As reformas tornaram-se grandes não por causa do que elas entregaram, mas por causa do que elas permitiram: maior expressão pessoal, uma elaboração de uma missa em direção aos desejos dos fiéis. Por “desejos dos fiéis”, quero dizer os desejos de uma burocracia litúrgica que acreditava ser a geração mais santa de católicos de todos os tempos, com todo mundo devendo experimentar seu brilhantismo. Quer eles quisessem ou não.
A Nova Missa sobreviveu somente com base no decreto papal. Para o revolucionário que queria mais mudanças, tais decretos pouco significavam. Para muitos católicos que só queriam encontrar um momento de paz e solidão para encontrar Deus aos domingos, esse decreto papal também não significava muito. A Nova Missa existia. Ela não iria embora. No entanto, ela nunca foi amada. Como nunca foi amada, também significava que a Missa Tridentina também nunca iria embora.
Diante dessa realidade (e foi uma realidade que eles encontraram dentro de uma década a partir de 1969), a Igreja lutou para lidar com o fato de que uma previsão do ofício papal, com todo o poder da autoridade canônica, não aconteceu. Nesse ponto, a Igreja ganhou tempo. Eles concederam indultos a alguns na Inglaterra e no País de Gales. Acordos individuais foram feitos. Padres em situações canônicas ambíguas eram desaprovados, mas muitas vezes deixados em paz. Em 1984, Roma emitiu regras para indultos, baseadas na firme crença de que dentro de uma geração, aqueles que queriam a Missa Tridentina estariam mortos. Em 1988, com a excomunhão de Marcel Lefebvre, essa situação se tornou impossível. Nesse ponto, o status da missa latina não estava mais sob o controle da Igreja e de seus bispos. No entanto, a Igreja também não podia admitir que sua aposta estava errada. Se estivesse errada, então a própria reforma litúrgica poderia ser questionada a partir de seus fundamentos.
Eles então tentaram abordar as críticas estéticas defendendo uma “reforma da reforma”, que tentava adicionar de volta muitas das coisas que por décadas o papa, bispos e conselheiros litúrgicos demonizaram como pertencentes a um museu ou cemitério. Tudo o que a reforma da reforma fez foi levantar a questão fundamental: se podemos ter latim, ad orientem e comunhão enquanto nos ajoelhamos na grade, por que não podemos simplesmente ter a missa tradicional em latim?
Quando Bento XVI ascendeu ao trono, ele entendeu que a Igreja não poderia responder a esses questionamentos. A Missa Tridentina não iria embora, e a quantidade de fiéis que se voltavam para ela estava crescendo. Enquanto isso, com igual intensidade, o desejo de proibir a Missa Tradicional estava evaporando. Como fazer isso sem admitir um erro? Aqui, o brilhante teólogo tropeçou em uma grande brecha. Já que Paulo VI simplesmente deixou de lado a Missa Tradicional, ele a deixaria de lado. Ela existiria ao lado da Forma Ordinária, e os fiéis e padres poderiam decidir por si mesmos. Ele queria resolver a discussão se afastando dela completamente. Ele declarou vitória, não para uma forma ou outra, mas para a diversidade litúrgica, e então foi para casa.
Se isso soa insincero, não é minha intenção. É preciso ser um homem notável para admitir que as tentativas anteriores do papado de resolver essa questão só pioraram a situação, por isso não vou por aí. Joseph Ratzinger foi facilmente o teólogo mais talentoso do século XX, e esse conhecimento o tornou ciente das limitações da Igreja e de sua pessoa. Embora não tenha sido uma decisão perfeita, foi um cessar-fogo na guerra litúrgica, com uma paz temporária negociada. Deixe o mundo recuperar o fôlego, e então negociaremos uma nova paz.
O problema com essa abordagem é que havia uma escola de indivíduos na Igreja que queriam continuar a ofensiva. Toda essa conversa sobre paz era equivocada. Se você fizer as pazes com o passado, o passado retornará. Se você permitir o passado como uma opção aceitável, ele sempre estará lá, esperando para ser adaptado aos tempos modernos, como uma alternativa ao que quer que o presente esteja fazendo. Embora não saibamos se ele sempre foi dessa escola, em 2019, estava claro que Jorge Bergoglio, agora Papa Francisco, foi convertido a essa visão de mundo. Sua geração estava morrendo. Ele próprio estava morrendo. Sua estrela estava em declínio. O que acontece quando eles morrem, sendo que esse passado que Paulo VI tentou forçar as pessoas a saírem ainda existe? Quando Francisco perguntou aos bispos do mundo se eles entendiam a ameaça que a missa tradicional representava para a unidade da Igreja, a maioria deu de ombros. Então ele emitiu Traditionis Custodes, para tentar forçá-los a ver a ameaça. Porquanto eles ainda não viam, ele tentou medidas cada vez mais coercitivas para fazer os bispos e os fiéis verem. No entanto, o problema fundamental permanecia: ninguém ama a alternativa. Eles a aceitam. Eles constroem suas vidas em torno dela. A Nova Missa é parte da experiência católica das 9h às 17h. No entanto, eles não a amam.
Esta é a verdadeira raiz das guerras litúrgicas. Uma geração de líderes (do papa para baixo) operou em uma aposta. Eles não pararam de aumentar as fichas, até irem de all-in. Eles perderam, e agora devem voltar para casa e explicar à família por que eles não têm mais um carro ou uma casa, e como eles terão que se adaptar ao fato de a família ter perdido a roupa. Não se preocupe, você aprenderá a gostar disso. (Ou como um autor católico popular disse uma vez, nós pecadores merecemos uma liturgia feia.)
Você está inspirado?
Fonte: Kevin’s Substack