A Igreja é, antes de tudo, uma realidade de liberdade: a ela ingressa-se mediante a liberdade, porque no credit niso volens, sendo o resultado desse ingresso a consolidação da liberdade, uma vez que é conferido ao crente a liberdade dos filhos de Deus. Filhos de Deus por participação: a filiação divina por participação não é como a filiação natural, mas sim mediada por uma decisão responsável e estritamente pessoal. Portanto, nenhum adulto pode ser incluído na Igreja se não quiser estar nela incluído e por isso os bebês necessitam inicialmente do compromisso vicário e transitório de um adulto, um padrinho, mas que depois deverão confirmar com a própria decisão pessoal tão logo comecem a ter o uso da razão.
Os pagãos são chamados à Igreja, pois são chamados à conversão, ou seja, a abandonar a adoração dos ídolos e a aceitar Jesus, o Messias, único salvador de todos os homens, filho unigênito do eterno Pai, da mesma e única natureza que o Pai, que com o Pai e o Espírito Santo é um só e único Deus, o único Deus verdadeiro. Pela aceitação efetiva do Messias, segue-se necessária e inseparavelmente uma série de condutas concretas, das quais é importante assinalar, sobretudo por ser inequívoco sinal de pertencimento à Igreja, corpo místico de Cristo, a aceitação de toda sua dimensão sacramental e litúrgica, bem como toda sua dimensão disciplinar e pastoral.
É por isso que nenhum pagão pode de fato ingressar na Igreja enquanto não abandonar suas antigas práticas e não aceitar Jesus Cristos inteiramente – ou seja, enquanto não se converter. Porque não há nada em comum entre um crente e um não-crente, como não há entre Cristo e Belial (2 Cor, 6,14-16). Também porque não podem ingressar se não quiserem. Colocá-los, trágico remedo e vil paródia de conversão, dentro de um recinto (majestosa catedral, capela, sala, tenda, galpão terceiromundista descolorido, o que seja) não significa que eles foram incluídos na Igreja: antes o contrário, pode significar a trágica renúncia da Igreja a sua missão evangelizadora e magisterial, a sua nobre e heróica missão de anúncio, convite, chamado e proposta. Estar dentro de um recinto, real ou imaginário, não é a mesma coisa que pertencer ao corpo místico de Cristo.
Do mesmo modo, invocar a impossibilidade de conversão amparando-se em alegadas barreiras culturais constitui um refinado modo de hipocrisia farisaica, do mais baixo calão. Curiosa situação: as barreiras culturais parece ser muito fortes e impossíveis de superar na hora de aceitar os sacramentos e a moral católica, mas não é assim para aceitar a coca-cola e o futebol, a internet e os smartphones, os computadores e os notebooks, os jeans e o rock, a música pop e os vôos de avião. É preciso serem muito, mas muito muito muito hipócritas, para aceitar isto e rejeitar aquilo.
De caráter semelhante é a hipocrisia que invoca o profundo e exemplar labor evangelizador da cultura que caracterizou a vigorosa e pujante Igreja dos primeiros tempos para depois depor a favor do vergonhoso sincretismo proposto por pastores carentes de qualquer virtude missionária, que são mais amigos dos aplausos do mundo do que do testemunho do matírio. Jamais a Igreja fez de um ídolo pagão o fim ad quem do ato cultural, mesmo quando assimilou o que podia assimilar, fez isso sem gerar equívoco algum.
A inserção dos pagãos na Igreja não pode consistir, jamais e sob pretexto nenhum, na conversão da Igreja aos ídolos pagãos, terminando por colocá-los no mesmo lugar que Cristo – generalizando, assim, a confusão na consciência dos fiéis e o endurecimento na consciência dos pagãos, ao esclerotizá-los e fixá-los em seus graves erros e desvios. Uma igreja desse tipo é uma igreja apóstata, que colocaria em ato o divórcio mais grave e profundo de toda a história da humanidade.
Pierre Laroche, 20.10.19
Fonte: Que no te la cuenten