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A Saga do Vereador Maurício Jacques, vulgo Jakinho

Comício

Aventurando-se em uma história de ficção, acompanhemos a trajetória de Jacques Maritain, ops… quer dizer, de Maurício Jacques, para descobrir como um católico com energia, mas tíbio, pode ser engolido pelo establishment.


Maurício Jacques, vulgo Jakinho, católico e conservador, mais conservador do que católico, vendo a destruição causada pela esquerda no país, decide, aproveitando a efervescência política que causou o surgimento de uma má-definida, mas existente, “nova direita”, aventurar-se à política.

Figura carismática e simpática, atuando como coroinha na infância, passou por uma adolescência pagã, seguindo o modelo de novela jovem da Globo. Mais tarde, pouco tempo depois de haver se formado em Administração pela UFPR, voltou para o catolicismo. Percebeu uma agenda progressista anti-cristã que ameaçava os valores da civilização ocidental e, após a amizade com Renê de Carlos – conheceram-se dentro de um grupo de estudos -, decide fazer a diferença através da política!

Renê já era católico de mais tempo e, ao contrário de Jakinho, sempre esteve presente na pastoral. Ele sabia do talento político de Jakinho, pois era evidente sua eloquência e capacidade de adaptação. Não havia dúvida. A amizade dos dois era providencial. De Carlos, com mais conhecimento em Alta Cultura, seria o mentor; Jakinho, o líder que envolveria as pessoas. Daria trabalho, poderia levar tempo, mas o caminho deveria ser trilhado. Afinal, alguém precisa fazer frente contra a agenda esquerdista/progressista e defender a democracia.

Era o momento da campanha, hora de definir a estratégia. Renê de Carlos já tinha a coisa pronta, afinal, não foram nem uma ou duas, mas várias reuniões estratégicas com a Associação Conservadora da cidade: “somos católicos, não há dúvida. Mas não pega bem misturar política e religião, pois, do contrário, seriam taxados de fundamentalistas. Além disso, apresentar-se dessa maneira faria com afastassem o apoio de conservadores-ateus e de cristãos-evangélicos. Na política, na guerra contra a esquerda, a discrição religiosa pode ser uma aliada, evita-se polêmica, e centraliza-se nos valores mais consensuais. Se houver atrito, nada como um bom diálogo para resolver”. Deste jeito, estava montado a campanha: “somos conservadores-católicos-mas-respeitamos-todas-as-religiões, somos contra o aborto, a favor da família, contra o casamento gay e por política econômicas que facilite a vida do pobre pela via do livre mercado”.

Poderíamos aqui dizer que a dupla decidiu ser liberal-conservadora, mas ambos não gostam de rótulos, pois atrapalha o debate. Nisso eles têm razão, embora sem perceber que isso não significa desprezar as semelhanças gerais do rótulo. Não importa. A intenção inicial permanecia: melhorar a vida das pessoas e, discretamente, sempre discretamente, fazer projetos católicos sem que parecessem católicos. Em relação à Associação Conservadora, ela faria o papel de ser anti-esquerdista nas eleições, mas neutra em relação aos diversos candidatos conservadores, isto é, àqueles que são contra o aborto, a favor da família, contra o casamento gay, etc, mas sempre com o cuidado de não ser tidos como moralistas.

Durante a campanha, sugerem a Renê que procurasse conversar com um centro cultural de leigos católicos chamado ISA – Instituto do Santo Anacronismo. O contato é feito e a reunião é marcada.

Lá estavam Jakinho e Renê fazendo campanha diante de meia-dúzia dos membros do ISA. A intenção era apresentar a sedutora bandeira conservadora, a luta contra o marxismo cultural, e as loas à Alta Cultura. Tudo muito abstrato, certamente, mas o suficiente para o discurso ter seu efeito de adesão em pró da “nova direita”. Qual não foi a surpresa, porém, quando o presidente do ISA, antes de deixar o candidato falar, dizer que o objetivo do centro era militar pelo Reinado Social de Cristo e que de nada serve a bandeira conservadora – a não ser para conservar a etapa anterior da revolução – se não tiver Cristo e a Igreja no centro da vivência política?

Mas Jakinho, como já dissemos, tinha um inegável talento político. Rapidamente adaptou-se a situação! Sim, ele era católico! Sim, ele quer políticas católicas! Admitiu então que necessitava de apoio nessa seara e que a ajuda do ISA seria importantíssima para o seu mandato. Nada como uma pose de humildade durante a campanha, não? Combinado ficou: o ISA estaria à disposição caso ele precisasse de ajuda intelectual em seu mandato.

A verdade é que o discurso militante do ISA tocou Jakinho. Em toda sua caminhada de campanha, só naqueles dias finais tinha conversado com pessoas com conhecimento doutrinal acima da média e que não somente entendiam de política, mas que se alicerçavam tanto por argumentos filosóficos quanto por teológicos para fundamentar e comprovar a verdade de seus pontos de vistas e a validade de suas análises de conjunturas. Renê, por outro lado, entortou o nariz. Tão logo as afabilidades de despedida acabaram, mal virando a esquina, a sós, disse: “melhor tomar cuidado pessoal do ISA! Eles são muito radicais! Querem um catolicismo aberto e fanático, são contrários ao estado laico, desprezando a doutrina da sã laicidade. É melhor manter o plano original. Queremos políticas católicas, sim, queremos. Mas é melhor ser discreto, fazer as coisas na surdina. Assim teremos mais apoio. Mas reconheço que foram honestos e que, ao contrário de outros grupos de que visitamos, não pediram nem dinheiro e nem cargo. Não é bom ir na deles, mas é bom tê-los para boas relações, afinal, dialogar é sempre algo positivo”.

Aceitando o conselho obtido com a reunião do ISA e indo conversar com um padre para pedir apoio, Maurício Jacques foi eleito! Renê agora seria seu principal assessor, o chefe de gabinete! Aos colegas da Associação Conservadora, algumas cadeiras no gabinete. Deus lhes tinha dado a vitória! Venceram sem usar dinheiro do fundo eleitoral! Virtude recompensada! No outro dia, de manhã, o presidente do ISA tinha sido o primeiro a lhe dar parabéns pela vitória, por Whatsapp, Jakinho pôde ler: “Parabéns pela vitória! Que Deus abençoe seu mandato! Viva Cristo Rei!”. Respondeu: “Obrigado! Em breve teremos muito o que conversar, pois há muito projeto a fazer e contra muito esquerdista batalhar. Conte comigo!”.

Era chegado o grande dia. Após a posse, Renê mandou para os principais contatos – organizados em newsletters – que Jakinho iria fazer seu primeiro discurso. Os principais membros do ISA fizeram questão de acompanhar, e, infelizmente, seus receios se confirmaram. Jakinho falou muito de “democracia”, de “constituição”, de “valores judaico-cristãos” e uma vez, no final, citou Deus; Igreja ou qualquer traço de doutrina tipicamente católica estavam fora do discurso.

Já no início de seu mandato, Maurício Jacques foi chamado pelo prefeito reeleito, Grilo Grica, para uma reunião privada. Jakinho foi cumprimentado efusivamente pelo simpático prefeito que lhe disse: “Querido Jakinho, somos companheiros de fé, também sou católico, e acredito que poderemos fazer uma bela amizade em nome de nossa querida cidade. Conto com o seu apoio. A fundação cultural e a secretaria de comunicação estão com cargos de segundo escalão à disposição. Se tiver a felicidade de tê-lo em meu time, aceitarei sua indicação”.

Renê ficou mais alegre do que ficaria se saísse de uma boa confissão quando soube da proposta do prefeito, devoto de Nossa Senhora da Cidade. Melhor início de mandato não poderia haver! Cultura e Comunicação?! Era disso que eles precisavam!

Não demorou muito e a coalizão pró-prefeito estava feita. Acompanhado disso, logo veio uma boa proposta de desvio de verba com contratação superfaturada de empresa de marketing. O vereador Maurício viu-se em uma saia justa! Se aceitasse o esquema, cairia em corrupção. Se não aceitasse, teria suas indicações sendo perseguidas. O que fazer? Renê de Carlos acamou-o: “não podemos ser puritanos. Temos que aceitar por enquanto, já que estamos aqui, teremos oportunidade de implodir o sistema por dentro. Podemos usar o dinheiro para boas obras”. Jakinho ainda não estava convencido, sua consciência pesava, mas uma idéia surgiu em sua mente: “não deve aceitar não, Maurício. Não aceite! Isso vai te manchar! O que você pode fazer é vista grossa. Finja que não é com você!”. Enquanto ouvia tal conselho mental, sentia-se em paz, mas tão logo a idéia terminou, tomou conta a angústia. Consentiu Maurício na sugestão, e não quis entrar no esquema, mas aceitou não saber sobre ele, embora sabendo.

Poucos dias depois, veio da prefeitura um projeto de Política Afirmativa Pró-LGBT: banheiros únicos, educação de gênero nas escolas, uso do nome social, etc. Maurício imediatamente marcou uma audiência com o Prefeito Grilo! Como de praxe, foi bem recebido, mas a indignação do vereador não podia ser esvaziada! O vereador exigia uma explicação: que raio de projeto é aquele? O prefeito, com paciência e jeito, explicou-lhe a história: ele havia assinado, durante a campanha, um termo de compromisso pela Cidadania e Direitos LGBTI+ e já estava sendo cobrado. A mídia iria massacrá-lo se nada fizesse. De todo modo, eram bons projetos, pois essas políticas eram apenas para garantir direitos constitucionais daqueles que já são muito discriminados.

Jakinho, que não era idiota, percebeu que era um discurso esquerdista e repreendeu Grilo Grica, mas o prefeito, com simpatia, disse: “olha, eu sei que não é o ideal, mas esse povo joga pesado. Mas veja bem o que você vai fazer, pois talvez acusem sem prova que há corrupção na Secretaria de Cultura ou na de Comunicação, e eu terei que exonerar muitas cabeças de lá… E como você indicou algumas pessoas, vai sobrar para você no Ministério Público, o que seria uma pena, pois estou precisando de novas indicações na Comissão que eu criei para a Secretaria de Obras”.

O Vereador Maurício gelou! Se resistisse, seria perseguido; se não resistisse, lucraria. Novamente uma voz doce e suave, acompanhado de um sentimento de bem-estar, surgiu em sua mente: “está tranquilo, Maurício. Deixa quieto. Haverá oportunidade para mudar o jogo, no momento é melhor deixar quieto”. Depois da voz, nova angústia, mas dessa vez já com menos intensidade.

Há dois anos, Jakinho namorava com Raimunda da Nóbrega, uma influencer católica, especialista em modéstia, e muito zelosa por alcance, interação e likes. Rosto angelical, era linda! Se mundana, dar-se-ia bem na carreira de modelo. Além disso, tinha grande talento para a escrita, seus textos apologéticos e de piedade eram realmente surpreendentes.

Na festa de comemoração das posses da Comissão da Secretaria de Obras, Raimunda não tinha ido, pois precisava acordar cedo no outro dia para ir à Missa. Indo sozinho, o vereador Jakinho foi seduzido pela secretária Mariele, siliconada e rotina fitness, lotada no gabinete de um vereador do PSOLIS. A paixão o pegou, tentou lutar – é verdade -, mas não resistiu. A rotina corrida da câmara havia exterminado sua vida de oração e até dos sacramentos já estava afastado. Assim como Mariele, haviam muitas que andavam com destaque nos corredores do poder, cuja contratação não era tanto por competência técnica ou afinidade ideológica quanto por um tipo especial de rachadinha. Como já revela seu apelido, Jakinho era simpático e, com talento político, bom de lábia. Fez muitas amizades com as Marieles comissionadas.

Não demorou muito para o ISA descobrir do projeto do lobby LGBT e, diante de tal absurdo, tentou entrar em contato com o vereador. Qual não foi a surpresa do centro cultural católico ao ver que a foto no Whatsapp do vereador não aparecia mais. Poderia ter mudado de celular e não passou o novo número? Ligaram para o gabinete: rapidamente conseguiram falar com Renê, mas esse fez o papel de cão de guarda: não deixou que o ISA falasse diretamente com Jacques. Muita enrolação, pouca concretude. De fato, seguia bem a carreira política.

O que dizer de Maurício? Aquele que prometeu contato direto com o povo pra discutir propostas e idéias, agora já estava blindado. Não somente isso, seus discursos continuavam chover no molhado. Se falasse de religião, sempre tinha uma ressalva de discurso iluminista contra as trevas obscurantistas: ele era católico, acreditava em Deus, mas sabia não misturar política com religião. O ISA percebeu: aquele traço de humildade e boa intenção inicial que havia em Jakinho já não existia mais. A profecia do vice-presidente do centro católico, dita após a despedida na primeira vez que conversaram com o agora vereador, estava se realizando: “ele tem talento e as condições de ser um grande político católico, mas se se deixar levar pelo medo de fazer apologética política, escondendo a Cristo e sua Igreja, da postura de humildão que teve conosco aqui na conversa, passará para a de sabichão. Sabemos como são os sabichões. Eles sabem tudo, então não precisam de apoio intelectual”.

O Instituto do Santo Anacronismo começou então a criticar abertamente ao tímido vereador. Afinal, o que estava em jogo era uma guerra cultural das mais importantes. Inútil, o sabichão estava hermético. Poderia até se pensar que o centro cultural estava de birra com o político, mas a verdade é que a crítica ia para todos aqueles políticos que queriam ser tidos como católicos, mas que em pouco ou nada defendiam a doutrina da Igreja.

Inicialmente, Maurício Jacques não se importou muito: “deixa latir”. O ISA era um bando de católico metido a intelectual que só sabia repetir a ladainha, superada pela Democracia Moderna e Liberal, de Reinado Social de Cristo. Estudavam muito, é verdade, mas eram pessoas da teoria, enquanto ele era o homem da ação e, ao mesmo tempo, respeitador de todos e amante do diálogo (exceto com seus críticos). Quem daria bola para eles?

Todavia, a influência do Santo Anacronismo começou a aumentar e as queixas contra o seu mandato começaram a surgir. O que fazer? A essa altura do campeonato, com metade do mandato cumprido, sua influência na Secretaria de Comunicação já era maior do que no início. Eis o plano: elaborar uma narrativa contra o ISA perturbador de sua “paz”.

O pacote chegou rápido e foi quase consensual, a narrativa seria a seguinte: “O ISA vem atacando o vereador Maurício e outros católicos, porque são como os fariseus. Eles estão ressentidos, porque negamos favorecimento em editais da Secretaria da Cultura, pois prezamos pelo cumprimento íntegro das regras do jogo. De nossa parte, reiteremos o compromisso pelo bem de nossa Cidade e pelos valores cristãos, tão caros à civilização ocidental”.

Não somente isso, a parte de marketing cedeu um pouco à reclamação do ISA e orientou que Jakinho se adaptasse melhor à sua bandeira. Se ele era católico, poderia ser um pouco mais católico. Seja católico, mas não fariseu! Assim sendo, fale mais de Cristo e da Igreja, mas sem fundamentalismo.

O vereador cumpriu à risca a estratégia do pacote midiático. Rapidamente se espalhou a narrativa da tentativa de favorecimento em licitação cultural e mais rapidamente ainda o discurso de Jacques mudou: agora falava de Cristo e da Igreja, dizia ter orgulho de ser católico, com mais ênfase do que um Black Lives Matters diria que tem de ser negro, mas falava de um Cristo de amoooor e misericóóóórdia “esquecendo” que em Cristo também havia as virtudes da fortaleza e da justiça. E o que dizer da Igreja, senão que era exímia exemplo de filantropia e que, por isso, devia ser respeitada?

Essa mudança de discurso chamou muito a atenção famoso teólogo Tiago de São João, famoso na diocese da Cidade por ser o responsável pela criatividade teológica dos conteúdos relacionados à Campanha da Fraternidade. Em afinidades, não somente as visões de Igreja, Cristo e Mundo, mas também o desprezo por aquele fanático Instituto do Santo Anacronismo, o dragão do tradicionalismo mais barulhento da cidade.

Tiago de São João, por ser referência na Teologia da Libertação, tinha muita capilaridade na câmera. Não foi com dificuldade que conseguiu uma audiência com o vereador Maurício Jacques. O conteúdo da reunião, ninguém sabe ao certo, mas o discurso de Jacques ficou mais refinado na tribuna. Além de democracia, constituição, liberdade, “Cristo”, “Igreja”, havia agora a preocupação com a “Justiça Social”.

No ISA, a narrativa difamante não demorou para ser conhecida. Isso deixou alguns membros indignados, mas o presidente acalmou a todos: “Gente! Vamos fazer como ensina São Francisco de Sales. Nós sabemos que é mentira, então se alguém questionar algum de vocês sobre essa história, respondam com a verdade, porque é dever de caridade corrigir a mentira com a verdade. Se ele não acreditar em sua resposta, deixe assim e não insistam. Não devemos nos perturbar se vão acreditar ou não em nós, porque, no fim, o juiz é Deus”.

Falamos anteriormente da primeira traição de Maurício Jacques à Raimunda e que desta seguiu-se outras. No início, Jakinho de fato ficou com peso na consciência, mas à medida que se convencia que o seu Jesus era mais misericordioso que a Misericórdia, que a carne é fraca (esquecendo do “por isso orai sem cessar”), que não se pode atirar a primeira pedra (esquecendo do “vai e não peques mais”), etc. Foi ficando mais habituado, e da vergonha passou para a audácia. Tornou-se uma espécie de Dom Juan da câmara de vereadores: quanto mais traia sua bela e famosa namorada, mais atraia as Marieles.

Raimunda, por sua vez, foi notando que seu namorado tinha aumentado em muitos suas reuniões e somente ocasionalmente a chamava para acompanhá-lo nos eventos. Decidiu então investigar. Estamos falando de quatro meses após a primeira traição.

Eis que ela tira o dia para passar na câmara de vereadores junto a seu namorado. Como boa mulher investigativa, quis fazer “surpresa” para agradar ao namorado. Até um bolo de nega maluca levou. Pois bem, eis que uma das Marieles entra no gabinete meio descuidada, com um cumprimento verbal e passos que demonstravam certa intimidade, e, percebendo a presença inusitada da namorada, rapidamente disfarça. O descuido da ficante, é verdade, durou menos de um segundo, mas foi o suficiente para a intuição feminina de Raimunda perceber tudo o que se passava.

Se a primeira Mariele disfarçou bem a milimétrica gafe, muito mais dissimulou Raimunda para fingir que nada notou. Nesse dia, outras duas amantes, certamente mais discretas que a outra, também passaram pelo gabinete. Na entrada, nada de mais, mas a infinitesimal surpresa ao ver a namorada e o cheiro do perfume de falsidade ao dizer que estava feliz em conhecer “a famosa namorada do vereador” acabou por denunciar ainda mais que o estabanamento da primeira.

Depois dessas interações, Raimunda da Nóbrega estava corroída por dentro, sem chão, dor sem voz. Por fora, como se nada tivesse acontecido, despediu-se normalmente e, ao sair Câmara de Vereadores, correu para a igreja mais próxima e desabou diante do sacrário. O dia estava perdido e ela não conseguia parar de sofrer com a dor de ser traída. Por quê? O que ela tinha feito de errado? O que as outras tinham que ela não? É verdade que os homens preferem as mulheres imodestas?

Foi com dificuldade que Raimunda dormiu naquela noite. De manhã, acordou triste, mas tão logo terminou o terço, percebeu que ganhou força. Novamente foi para a igreja fazer adoração. Ficou lá uma hora e meia conversando com Cristo no sacrário. A serenidade tomou conta de sua alma. Tão logo saiu da Igreja, ligou para seu namorado: precisava conversar com ele e não poderia ser depois do almoço. Maurício notou certa diferença no modo como ela falava e, estando num misto de curiosidade e preocupação, combinou de almoçar no shopping.

Ao se encontrarem no Shopping, Raimunda abriu o jogo. Disse que sabia que ele a estava traindo e que o namoro estava terminado. A calma e a serenidade com que disse aquilo deixou o vereador sem ar por uns 20 segundos. Após recuperar-se do susto e rapidamente ajustar-se à situação em que se encontrava, começou a fazer o seu show de negação.

Claro que ele jamais faria uma coisa dessas, afinal, amava-a! De fato muitas mulheres no seu ambiente de trabalho davam em cima dele, mas ele não podia simplesmente ser grosso com elas, afinal era um vereador e tinha que tratá-las bem. Em sua profissão, o decoro é tudo!

Coitado! Não sabia que a intuição feminina consegue distinguir a provocação de um desejo ainda não concretizado – a saudade daquilo que ainda não se teve – da cumplicidade de uma sedução carnal já concretizada? Todavia, tal compreensão intuitiva – se fosse uma mulher medíocre – seria esmagada pela eloquência teatral do vereador: digno de óscar. Se fosse uma mulher medíocre, tal show explicativo a faria duvidar de si mesma e aceitar seu equívoco. O jogo seria invertido: ela que sairia pedindo desculpas por seu engano.

O que deu errado? O coração da Nóbrega ainda estava no sacrário. O prêmio do óscar foi por ela recebida como uma fraude de contagem de votos. A mentira aparecia com nitidez, então seu desprezo para com o agora ex-namorado só cresceu. Neste momento, não teve como reverter. Raimunda foi embora. Maurício teria preferido que ela fizesse barraco, mas em nenhum momento perdeu a compostura.

Nosso vereador teria perdido sua musa inspiradora? Não, pois, afinal, de que serve a astúcia de um político senão para reverter as coisas em seu favor? Deixou passar alguns dias e ligou para Raimunda. Em um primeiro momento, ela pensa em não atender, mas a curiosidade falou mais alto: o que ele iria querer? Aos prantos, Maurício implorou por uma chance de conversar com ela. Só conversar, a fim de que as coisas não ficassem mal resolvidas, pois ele estava sofrendo muito.

Raimunda ficou comovida. Era certamente algo que não esperava de seu ex-namorado. Estaria arrependido? Sabia, porém, que não podia baixar a guarda. Seja como for, aceitou. Marcaram de jantar em um restaurante caro da cidade.

No restaurante, Maurício confessou sua traição, mas disse que estava arrependido. Os dias que havia passado sem ela foram dolorosos, e foi assim que ele percebeu o quanto a amava e quão más foram suas atitudes.

Raimunda já esperava por um discurso assim, e não se abalou muito. Manteve a guarda em alerta.

Então Jacques disse: “mas eu aprendi uma lição, grande lição! Finalmente entendi um pouco como Deus consegue tirar o bem do mal”.

Agora Raimunda já estava chacoalhada. Então Maurício deu sua cartada final: “Como prova do meu arrependimento, aceite este presente. Por favor, volte comigo”. O presente não era outra coisa senão a chave de uma Pajero Zero Km.

Com o namoro voltando, Maurício começou a tratá-la muito bem. Passou a levá-la aos melhores restaurantes, aos melhores lazeres… O que Raimunda pedia, o vereador dava um jeito de conseguir. Até mesmo um apartamento em um bairro rico da cidade ela ganhou como presente de noivado.

Isso significa que, em relação à sua namorada, Jakinho havia se emendado? Não! Isso significa que Raimunda deixou de perceber que estava sendo traída? Não! Junto a todo esse processo, tacitamente se estava tendo um contrato de tolerância. Nada mais coerente, afinal, para um católico liberal, a tolerância é tida como sinônimo de paz. Ora, para que sofrer? O importante é a opção fundamental do amor!

E o que se passava na mente da Nóbrega? Ela que inicialmente não aceitou ser tolerante com a mentira, como agora ignorava as traições? Sim, seu noivo podia trai-la de vez em quando (de fato, ele passou a rejeitar mais os convites para as festas de bacanal de alguns colegas vereadores), mas era fruto da fraqueza masculina. Ele podia falhar, mas rapidamente se recuperava comprando um presente especial como forma de compensar o erro. Ele era do tipo que demonstrava amor comprando presente, não restando, portanto, qualquer dúvida que, na verdade, era a ela que amava. Além disso, estavam noivos. Após o casamento, certamente ele iria se emendar.

Os fãs da influencier não puderam deixar de notar uma gradual mudança nas mídias de Raimunda. Seu estilo estava tanto mais refinado quanto mais explorava a área cinzenta entre a sensualidade e a modéstia. O conteúdo de seus textos passou a falar muito mais frequentemente de castidade e fidelidade, às vezes pareceria que a modéstia teria ido para segundo plano. Declarações de amor ao seu noivo e fotos de momentos felizes também ficaram comuns, às vezes pareceria, se considerasse apenas um recorte, que se tratava de uma conta de casal.

Nada poderia atrapalhar a “felicidade” deste casal. Vale a pena citar um episódio.

Ao tomar conhecimento do noivado do vereador Jakinho, duas semanas após o pedido, uma funcionária de carreira da câmara ficou com pena da moça, pois era alvo predileto de chacota de muitas Marieles. Ela conseguiu o contato da Nóbrega e, em vários áudios, e também em fotos que recebia ocasionalmente de Marieles (mais do que gostar de enviar nudes, era comum elas gostarem ainda mais de mandar prints sobre os nudes que estavam mandando. Afinal, se o cachorro marca território mijando no poste, bastando que outro mije em cima para resolver o problema, não é muito diferente com as cachorras jactando suas seduções, criando uma competição para ver quem jacta mais aventuras sexuais). Não somente isso, revelou alguns esquemas de corrupção em que seu noivo estava envolvido, perguntando se ela não achava estranho o padrão de vida dele ter subido tão elevadamente a ponto de comprar, em menos de um mandato, um carros e apartamentos caríssimos.

Resultado: não somente a funcionária foi xingada pela noiva. Mas também foi chamada de mentirosa e invejosa da felicidade alheia. Mas como, se tinha print?! Simples, elas mandavam, mas seu noivo apagava. E o dinheiro desproporcional ao salário? Simples também! Seu noivo era um grande investidor e conseguiu ingressar em bons negócios com sócios igualmente geniais.

Resultado 2: a funcionária “pediu demissão”. 

Eis o quarto ano do mandato. Ano de eleição. Momento apropriado para Maurício Jacques e Raimunda da Nóbrega se casarem. Afinal, nada como publicidade social para ajudar na campanha, ainda que o período eleitoral só ocorresse no semestre seguinte. CASARAM!

Cerimônia hollywoodiana, com direito a limusine. A cerimônia do matrimônio, em si, fugiu do conceito “liturgista”. O amigo Tiago de São João arrumou um bom batuque para animar a celebração. O sermão do padre era mais amoroso que o próprio amor. O padre dizia: “Jesus te ama”. A multidão quase automaticamente era induzida a responder: “sim, Jesus ama a todos”!

A festa foi tão cara quanto sofisticada, a ponto de nenhuma verba anual de gabinete poder botar defeito. A high society da cidade estava toda lá, mesmo porque, todos sabemos que não existe inimizade, nem mesmo ideológica, neste tipo de contexto. A ideologia é tida como mero acidente, o essencial é a democracia, a liberdade, o respeito, a tolerância e a paz. Não há dúvida! Nosso vereador era um vitorioso. Sobrou bebida na festa, mas o que não sobrou foi comoção diante do discurso de seu amigo-de-longa-data Renê de Carlos. “Amizade eterna, em Cristo: Você sabe que pode sempre contar comigo”.

Grilo Grica não ficou muito atrás: “Maurício Jacques, você é como um filho para mim. Nossa parceria, é uma parceria abençoada que muito bem faz para nossa bela e linda cidade. Eu te amo piá. Que Nossa Senhora da Cidade e as Árvores de Pinhão, que tão encanto dão a nossa terrinha, te iluminem!”.

Desde a amizade com Tiago de São João, outro fenômeno passou a ocorrer em torno de Jakinho. A mídia, opostamente ao ISA, passou a tratá-lo com condescendência. Jakinho era liberal, tinha traços de um conservadorismo tacanho, mas, acima desses defeitos, tinha a virtude do diálogo e da consciência social. Não se podia dizer que ele tinha “a opção preferencial pelos pobres”, porque não havia abdicado do capitalismo-liberal em seus discursos, mas, mesmo assim, conseguia entrar em consenso com a Teologia da Libertação e com a esquerda.

Assim sendo, de fato seu casamento foi de grande destaque: influencer católica + vereador querido da mídia + festa de casamento rica = sucesso midiático.

Poder, dinheiro, esposa linda, respeito dos amigos. O que poderia dar errado? Jacques perdeu a eleição! A energia gasta nos conchavos e alianças não foram suficientes para lhe garantir uma cadeira. Será que essa energia dos conchavos não o fizeram enxergar que o sentimento da população, que há tempos ele não prestava a devida atenção, tinham sede do Cristo inteiro, sem recortes? Não podia admitir essa hipótese, pois seria dar razão para o que os intolerantes do ISA, naquela primeira reunião que tiveram, já tinham lhe explicado. Contudo – e o que mais o incomodava – como explicar então que três dragões do tradicionalismo, amigos do Instituto do Santo Anacronismo, católicos do tipo fundamentalista e bitolado, frequentadores de aulinhas teóricas e missa tridentina, ritualistas de araque, foram eleitos e muito bem eleitos? O que tinham na cabeça aqueles que votaram nesse tipo de católico, que ao contrário da democracia, querem o totalitarismo dos dogmas? Donde vem essa intolerância e esse discurso de ódio? É certo que o marxismo cultural tem que ser combatido, mas com respeito e pelo diálogo, não pela truculência do discurso dogmático, não pela polêmica intelectual que tanto desrespeito causa aos outros! Não resta dúvida! Eles conseguiram explorar a ignorância dos ignorantes… Não é possível outra resposta!

Após o pleito, tendo que lidar com seus últimos dias como vereador, Jacques notou que a afabilidade em relação à sua pessoa havia mudado. Os vereadores que foram reeleitos, sobretudo aqueles que estavam na chapa de aliança na eleição recente, nitidamente o evitavam. Nem o convite para a festa que o vereador Prof. Xiquinhu do PSOLIS costumava organizar Jakinho recebeu. Citamos essa festa, porque era, conforme alegava o anfitrião, livre de ideologia – no ideology, just dialogue! Era ali que os conchavos da deep cidade eram feitos, onde as brigas na tribuna eram combinadas. Havia um coeficiente de atrito e discordância permitido no acordo de cavalheires (a conhecida festa de Tratados de Xicão era livre de ideologia, mas o termo era esse mesmo – cavalheires. Gênero neutro, porque também havia a presença de vereadoras, deputadas, empresárias, enfim, mulheres empoderadas em geral. Certa vez ocorreu de um jovem político questionar esse tipo de hipocrisia, pois se não podia ter ideologia nas várias rodas de discussão que se formavam na festa, por que usavam de ideologia de gênero? Tão logo o jovem percebeu que seria expulso da festa pelos seguranças, rapidamente correu para se retratar: “Calma! Foi só uma brincadeira”. Todos riram, o DJ voltou a trabalhar, a festa continuou). Era o momento ideal para conchavos e para resolver desafetos e mal-entendidos. Às vezes o perdão e a eliminação de um rancor era facilitado pela mediação de uma stripper cis ou trans, facilitando o acordo-dialógico. Em casos mais difíceis, ou simplesmente em caso nenhum, um pó branco, um cartão de crédito, um canudo e um espelho entravam em cena. O importante era agradar a divindade democrática do consenso. Não havia armário, nos Tratados de Xicão toda forma de amor era possível.

Na vereança não conseguia qualquer conversa, quando conseguia meio que por constrangimento, percebia nitidamente que estava sendo apenas enrolado, pois nada denuncia melhor a má vontade de um político do que as evasivas simpáticas, sem mencionar a mistura metafísica de potências de boas intenções e de atos de agenda lotada: “eu tenho o seu contato, assim que der a gente conversa com mais calma sobre isso”. 

Com o paizão Grilo Grica, a coisa foi um pouco diferente. Havia feito seu sucessor, o Engenheiro de Obras da prefeitura! Todavia, não iria intervir nas indicações de seu sucessor, mas prometeu passar o recado de Jakinho ao seu afilhado político.

Em casa, a senhora Jacques que anteriormente o incomodava com o desejo de ter um filho, mas que fora adiado pelo marido ao alegar a necessidade de foco na eleição, estava estranha. Ele não podia reclamar de estar sendo maltratado, todavia, o jeitinho de sua esposa estava menos adocicado e alegre à medida que crescia sua frieza educada. Onde estava o amor? Era como se a virtude mecânica dos afazeres domésticos tivesse tomado conta da esposa. A eficiência pragmática continuava, ninguém melhor que um político para avaliar isso, mas faltava algo. Os beijos e toques afetivos do quotidiano eram os mesmos, mas de alguma maneira estavam mais secos.

O futuro ex-vereador não aguentou muito tempo este estado afetivo da esposa e fez a sequência de perguntas que ativa a bomba nuclear de qualquer mulher. Dançar, balançar e mexer nisso aqui é BOMBA, como veremos:

– Amor, o que você tem?
– Nada…
– Mas você está diferente, conte para mim o que está havendo.
– Não! Eu já disse que não é nada! Está tudo bem.

Depois disso, a senhora Jacques deixou e ficar estranha, estava agora diferente! Não parecia mais um animal rationale, mas um iceberg em busca de um Titanic! No outro dia, após meio-período de trabalho na câmara para assinar alguns documentos, o processo de ativação da bomba continuou:

– Amor, por que você está tão fria? Não adianta dizer que não é nada. É visível que você está com um problema!
– Você quer mesmo que eu fale?
– Por favor…

A bomba estava plantada, mas Jakinho não tinha defuse. O clutch estava perdido. A musa do pudor transmutou-se em gato preto endiabrado! Pegou o celular e mostrou os nudes que o marido recebia, sim, aqueles a ex-funcionária da câmara havia passado. E sim, por algum motivo ela tinha guardado essas fotos… Também disse que havia descoberto que ele era um corrupto! Acrescentou então que ele agora era uma pessoa muito diferente de que quando eles começaram a namorar! Aquele Maurício Jacques antes-da-primeira-eleição-e-sem-fundo-eleitoral já havia morrido faz tempo e que ela havia sido tonta em não querer enxergar isso. Suas expressões de Greta-vocês-destruíram-nossos-sonhos fazia a alma de Jakinho ebulir em paixão de medo. Ela não deixou qualquer brecha para retrucar, simplesmente foi ao quarto, com passos pesados, pegou a mala (sim, a mala já estava previamente preparada, fora arrumada enquanto o marido trabalhava no turno da manhã), e foi embora (ninguém sabe para onde).

Inútil foram as tentativas de contato e reconciliação. Todavia, ainda guardava o wishful thinking de que Raimunda não aguentaria ficar muito tempo longe dele e que seria questão de tempo para contatá-lo. É verdade que, nesse meio tempo, acompanhava-a em suas redes sociais e que, a julgar por suas fotos e vídeos, estava tudo normal, exceto que ele não aparecia mais. Quando os fãs perguntavam sobre o desaparecimento do amado marido, o vácuo era gritante. Isso fazia o pescoço atrás da nuca de Maurício coçar, mas a isso retrucava interiormente, com uma convicção proporcional à incerteza que tinha, de que ela estaria sofrendo. No mais, enquanto o contato não se realizava, o remorso corroía seus nervos.

Foram dois meses de distância quando finalmente àquilo que Jakinho esperava aconteceu! O contato da esposa finalmente aconteceu! Detalhe: em um envelope estilizado! Que romântico, a reconciliação seria feita por cartas?! Qual não foi a surpresa ao abrir o envelope perfumado e ver que se tratava de um pedido de divórcio e de uma ordem de despejo do apartamento, pois era dela, afinal, havia ganho de presente de noivado. Além disso, uma carta escrita em comic sans onde a influencer solicitava discrição sobre o processo, que houvesse acordo consensual e que, portanto, cooperasse para que o divórcio não ocorresse em litígio.

Era como se sete demônios, mais poderosos que aquele que o acompanhou em sua adolescência, tivessem tomado pleno controle de sua vida.

Quando leu a palavra divórcio na carta, era como se ela estive em negrito, vermelho, piscando e em letras garrafais. Certamente uma peça do seu coração, pois a palavra era tal como as outras. Depois desse susto, imediatamente lembrou do primeiro encontro que teve com os membros do Instituto do Santo Anacronismo. Lá o presidente-ISA falava da necessidade e da urgência de políticos católicos falarem abertamente, sem medos nem peais, contra o divórcio, pois tal artimanha social era a causa da dissolução e desordem das relações familiares modernas. Lembrou também que Renê de Carlos ficou escandalizado com tal postura e, ao fim do encontro, já afastado da sede, rasgou suas vestes em crítica a essa postura. Discordava daquele radicalismo, em especial quando o presidente-ISA criticou a hipocrisia dos ‘conservadores-tupiniquins’ em defender a família no discurso, e tolerar o divórcio na prática. Para Renê, não havia contradição. Na época, ele concordou com o amigo, mas no momento presente passou por sua apreensão intelectiva a idéia de que ele poderia estar errado, ou seja, de que o ISA poderia estar realmente com a razão nesse caso.

Sem muito pensar, como que por impulso, acessou o site do centro de leigos católicos. Estava em destaque no site a promoção do livro sobre a Biografia de São Pedro Julião Eymard. Ligou para um conhecido, o qual tinha ciência de que frequentava o ISA de vez em quando, e pediu que fosse presencialmente à sede do instituto para comprar o livro e entregá-lo. Também deixou que comprasse um livro de sua própria preferência como agradecimento pelo favor. Instintivamente pensou em dar o cartão corporativo do gabinete ao invés do dinheiro, mas foi um mero lapso, pois já não tinha mais mandato. Reservou um guarazão 200 para o reembolso, o rapaz do favor ficaria com o troco.

De posse do livro (perguntou por curiosidade e descobriu que seu conhecido havia optado por comprar o A Igreja Católica e as Catacumbas de Hoje), passou o resto do dia e do outro encantado pela história do Apóstolo da Eucaristia. Seu coração ardia quando notava a Providência atuando. Pelos cálculos humanos, tudo indicava que São Pedro Julião não lograria êxito, mas aos 45 minutos do segundo tempo havia uma reviravolta e as coisas prosperavam. Ainda estava turvo em seu coração, mas já pôde perceber seu grande erro: muito confiou no Tratado do Xicão; pouco, no Tratado da Conformidade com a Vontade de Deus. Contudo, uma coisa ficou claro ao término da leitura: Deus não pode ser instrumentalizado para ser servo de seus caprichos.

Também sem muito pensar, em vez de ir para um outro de seus apartamentos, dirigiu-se a um Mosteiro da Regra de São Bento. Lá pediu por direção espiritual e foi encaminhado ao sábio Dom Atanásio. Contou sua trajetória, dessa vez sem enfeites politiqueiros. Foi uma semana de recolhimento e trabalho de direção com o sábio monge para finalmente o filho pródigo retornar à casa do Pai. Dom Atanásio era um daqueles monges iluminados que, na direção espiritual, conseguia muito bem ler os corações. Explicou que era evidente que Jacques tinha talento para a política, o que era uma grande bênção de Deus, pois, como disse o Papa Francisco, a política é uma forma sublime de caridade, pois mira o bem comum social. Todavia, ele foi para o campo de batalha, hoje infelizmente dominado pelas trevas diabólicas, sem o preparo adequado. Ao entrar no terreno sem conhecer o inimigo infernal, foi pelo inferno subjugado. Mas Deus, justo e misericordioso, sabia que a política era sua vocação e estaria disposto a ajudá-lo no reerguimento. Aconselhou, assim, que antes de qualquer nova aventura nos meandros dos corredores do poder, que estudasse a doutrina da mesma maneira como um soldado se prepara para a guerra.

Não é possível descrever quão em paz, a verdadeira paz, estava a alma de Maurício. A estada no mosteiro foi Providencial, pois ao retornar para a cidade, uma notícia bombástica o assaltaria. Sua quase-ex-esposa-no-civil estava namorando com seu amigo René de Carlos. Um mês depois da posse do obreiro de Grilo Grica, o novo prefeito empossou Renê como secretário. Depois, Renê descobriu que Raimunda estava afastada de Jakinho e entrou em contato para perguntar se estava tudo bem e oferecer um ombro amigo, pois ele também estava sofrendo, já que recentemente havia terminado um namoro que se realizava à distância. Que não se pergunte por que ao invés de oferecer consolo para Jakinho, ofereceu para a senhora Jacques. O fato é que conversa vai, conversa vem, apaixonaram-se. Não era oficial, mas oficioso, então não foi difícil para o homem abandonado descobrir a talaricagem de seu “irmão em Cristo”.

Porém, Maurício não perdia sua paz de espírito. Sofreu, é verdade, mas sem que sua alegria nublasse. Usava seu sofrimento para aprofundar seus diálogos, agora no sentido verdadeiro do termo, com Deus exposto no Santíssimo Sacramento. À imitação de São Pedro Julião Eymard, buscou fazer uma hora de adoração matinal e uma hora de adoração noturna.

Na audiência de negociação do processo de divórcio, Raimunda assustou-se quando viu seu esposo em Cristo. O que era aquele brilho em seus olhos? E o que era aquela postura humilde e serena? O aperto de mão continuava forte, hábito imprescindível de político, mas agora havia frescor e vida em seu toque. À esposa, cumprimentou com um beijo no rosto com uma afabilidade sobrenatural, é como se comunicasse que muito sofria, mas muito mais, com a graça de Deus, estava disposto a perdoar. É verdade que Raimunda havia pedido um processo amigável, a carta perfumada era uma prova material inegável, mas no fundo estava frustrada: não imaginou que serão TÃO AMIGÁVEL, ela desejava algum atrito. Maurício Jacques cedeu em tudo, sequer fez contraproposta. A perda patrimonial não seria pouca, mas não ofereceu qualquer resistência. Em seu coração ecoava o hino: que seja feita a Vontade de Deus. A bendita penitência que Dom Atanásio havia lhe dado, a leitura do livro de Jó, já produzia frutos naquele coração contrito e desejoso da graça.

Surpresa e, como dissemos, meio frustrada, Raimunda, em um gesto de pseudo-condescendência, perguntou se o ex-marido-no-civil pelo menos gostaria de ficar com o Tobby, o yorkshire terrier que ele havia lhe dado de presente. Na verdade, Renê não gostava do cachorro, mas ela estava disposta a brigar com o amante pelo bicho caso Maurício recusasse a adoção. Acreditou que recusaria, porque o ex-vereador nunca havia dado atenção ao cachorro. Tola preocupação, o Tobby da Nóbrega Jacques foi acolhido por Jakinho. Raimunda teve um leve lamento, mas pelo menos poderia anunciar uma “boa notícia” para de Carlos.

Ao final da audiência, no saguão do fórum, movimentando para a saída, Maurício pede para sua ex-esposa-no-civil uma conversar em privado. Impulsivamente, ela aceita. Em um canto mais reservado do saguão, Maurício Jacques diz estar arrependido e pede perdão por não ter sido um bom marido. Solicita para ela uma nova chance. Eles poderiam voltar do começo, como um namoro, com a finalidade de, com a graça de Deus através do tempo, poderem fazer jus ao sacramento do matrimônio. Os olhos de Raimunda arregalaram-se. O que era aquele discurso? Estava habituada àquela eloquência digna de óscar, mas, dessa vez, falava sim com eloquência, mas com uma sinceridade indescritível, algo que jamais algum autor profissional poderia reproduzir em milhões de takes.

A alma de Raimunda foi imediatamente consumida por um temor, mas que logo foi acompanhada de uma paz serena, que a fez lembrar daqueles consolos que às vezes Nosso Senhor lhe dava quando tinha o hábito de adoração eucarística. Em sua mente veio, como um sussurro, uma idéia: “deixe sua ambição, a de ser primeira-dama e consinta ao convite de seu verdadeiro marido”. Foram dois minutos de silêncio, Raimunda meditava, mas não consentiu. No fim, com as pernas cambaleantes, simplesmente disse não e saiu meio cambaleante.

Chegando em casa, tremia inteiramente. Rapidamente foi tomar banho em sua banheira de hidromassagem! Deitou na água morna e borbulhante, e chorou. Talvez pela primeira vez confessava o inconfessável. O fracasso do marido frustrou seu desejo de um dia ser primeira dama e, dado as reviravoltas políticas atuais, René de Carlos, mais inteligente que o ex-marido, tinha muito mais chances de realizar este desejo. Havia isso e também o fato daquela “gratidão” por ter sido consolada quando sofria com o término do casamento civil. Ela gostava do fato de estar apaixonada pelo ex-melhor amigo do marido, e acreditava que isso era amor e que deveria se dar o direito de ser feliz. Trágico, ninguém está imune desse tipo de ilusão, mas um Noivos & Esposos de Monsenhor Álvaro Negromonte poderia ser capaz de diminuir os riscos de pensar de modo tão errado.

Por sua vez, Maurício Jacques retornou para sua casa com um estado de alma curioso. Externamente, estava sereno e em plena posse de suas faculdades superiores, não cessava de bendizer a Deus. Interiormente, chorava com uma tristeza de agulhas perfurantes. O choro era interior, ninguém podia o ver, mas se seu cachorro pudesse vê-lo chorar, choraria consigo.

No outro dia pela manhã, a paixão da tristeza ainda o consumia em suas faculdades inferiores, mas também estava presente, nas faculdades superiores, a alegria de estar indo adorar a Cristo no Santíssimo Sacramento. Enquanto aplicava, como já estava virando hábito, o método que São Pedro Julião Eymard descreve em seu livro A Presença Real, uma moção interior não somente dissipou a tristeza sensível, como também fez um convite à sua inteligência: “Lembra do conselho de Dom Atanásio? Por que além de assinar ao site do Padre Paulo Ricardo, o que sem dúvidas fizeste bem, não começas também a frequentar o Instituto do Santo Anacrônico?”. Durante todo o dia, e também durante sua adoração noturna, ficou meditando essa idéia. Deveria consentir e mover sua vontade para se dirigir àquele centro de leigos católicos que tanto desprezava? Ainda indeciso, olhou o site e viu que no dia seguinte, à noite, iria ter palestra. Prestou atenção somente nisso: o instituto estaria aberto; o conteúdo da palestra, ficou de lado.

No ISA, antes das atividades didáticas, reza-se o terço. Maurício não chegou a tempo, pois optou por adorar a Cristo antes de ir ao instituto. Não fazia 2 minutos que haviam terminado de rezar quando o ex-vereador chegou. Ele adentrou no hall de entrada na sede e foi consumido por uma paixão de ódio muito intensa, a ponto de paralisar o seu corpo. Em sua alma, notava que a ferida do orgulho estava sendo brutalmente estimulada. Seu corpo estava tomado, mas seu espírito conseguiu prestar atenção às falas que o professor, na sala de aula ao lado do hall, começava a pronunciar:

“Bom, vamos começar a aula. Fico feliz em poder dar essa aula de hoje, sobretudo porque hoje faz três anos que o grupo de estudos em guerra cultural persevera. É bonito ver que nossos amigos vereadores, mesmo após eleitos, continuam, sempre que podem, vindo aqui. São de três partidos diferentes, com discordâncias políticas pontuais, mas todos com o objetivo de militar pelo Reinado de Cristo na sociedade! Vocês são exemplos vivos de que a matéria divide, mas o espírito unifica e que, portanto, não há maior união possível do que a comunhão ser dirigida sob a luz da Comunhão com Cristo através da Santa Igreja Católica.

Pois bem, o conteúdo da aula de hoje é Combate Espiritual, mais especificadamente, sobre a Vigilância que lideranças e autoridades precisam ter para não se deixarem corromper pelo poder. Dito isso, de modo geral, a questão que coloco é a seguinte: na minha opinião, usando aqui a linguagem do monaquismo, há dois demônios que as lideranças, principalmente as políticas – ouviram vereadores? – devem vigiar de modo muito mais atento: a vaidade e a avareza. Eu realmente acredito que se houver descuido nisso, facilmente a pessoa será engolida pelo sistema corruptor. Os valores transformam-se em hipocrisia; a firmeza na defesa dos ideais, em covardia; a fé, em tibieza; a generosidade, em maquiavelismo, etc… É um giro realmente absurdo, mas mais absurdo é que a pessoa se cega diante disso.

E como evitar tal tropeço, sobretudo na política, onde esse tipo de tentação é mais intensa? Dado o altíssimo grau de mundanização e liberalismo de hoje, somente se revestindo com a armadura da fé! É imprescindível estar em estado de graça e rezar a Deus pedindo a graça! É preciso a vida sobrenatural para resistir a esse tipo de ataque. A nossa natureza decaída, sobretudo nos dias de hoje, não dá conta… Por isso sempre olhamos aqui no ISA com temeridade àqueles políticos que se dizem católicos, e escondem Cristo. Começaram o combate contra o mundo jogando fora sua principal arma. Aos olhos da fé, é de uma burrice tremenda, porque a sabedoria do homem é nada em comparação com a sabedoria divina…”

Eis que, como uma última peça de quebra-cabeça que se encaixa, como uma ficha de fliperama que acrescenta um crédito, como um relâmpago, como um clique… Maurício Jacques subitamente compreendeu sua trajetória de vida, seus erros. Agora tudo fazia sentido. Jakinho, desde o mosteiro, fazia uma análise biográfica, mas não com espírito de lamento ou queixa, mas sim com intenção reta de compreender seus erros para não só evitar cometê-los, mas sobretudo para poder instruir aos outros. Há tempos meditava, mas só naquele instante alcançou a sublime alegria da contemplação. O ódio que o paralisava foi também instanteneamente dissipado. Agora tudo fazia sentido em sua vida. Fez então uma prece, e adentrou na sala. Como a porta estava aberta, pediu licença para entrar.

Personalidade muito conhecida, todos ficaram surpreso com o fato do ex-vereador estar ali, ainda mais se tratando daquele tema. O vice-presidente, que era o professor do momento, ficou com preguiça de se surpreender. Grande apreciador das ironias da vida, jamais deu ouvido àqueles que afirmam a ironia ser pecado. Como poderia ser? A ironia é a forma mais sublime, porque mais inteligente, de humor! E o humor é próprio do homem, não está presente em outros animais. Bendito seja Deus pelo humor! Sendo assim, logo reconheceu que estava diante dessas grandes ironias da vida e riu por dentro. Como responsável pela palestra, o vice-presidente limitou-se a dizer: “sinta-se à vontade para participar da aula”. O modo com que disse isso foi seco e direto, não por motivo de ressentimento, mas simplesmente por indiferença devido à falta de intimidade.

Um ano depois, Maurício Jacques deixaria de ser membro postulante para se tornar membro oficial do Instituto do Santo Anacronismo. Ele foi instigado a concorrer como Deputado Estadual e, embora muito desejasse esse pleito, optou, em espírito de penitência, por abrir mão do desejo para assessorar as almas católicas que estavam dispostas a bandar por Cristo Rei nos corredores da política! Felizmente, o número de almas piedosas, corajosas e dispostas a entrar na política estava aumentando pelo país. Depois, em nova eleição municipal, concorreria para a vereança a fim de reparar seu erro anterior. Se antes, como vereador, traiu Cristo por causa do poder mundano, dessa vez teria a chance de desprezar o mundo em favor de Cristo.

Seria muito exaustivo descrever aqui as complexidades e reviravoltas políticas que ocorreram. Mas o intento de Jakinho parece que não era da vontade de Deus, pois, chegado o momento de novamente fazer campanha, não seria para a câmara de vereadores, mas para a prefeitura!

As chances eram mínimas, mas estava disposto a arriscar. Certamente o favoritismo era de Renê de Carlos: tanto a máquina da prefeitura quanto o senador Grilo Grica o estavam apoiando. Nas pesquisas, sobrava no primeiro turno. Não tinha como perder a eleição!

Contudo, segundo a análise de conjectura do Instituto do Santo Anacronismo (que costumavam ser sempre precisas), houve dois momentos que fizeram a situação mudar.

O primeiro foi em uma sabatina no principal canal televisivo. Maurício Jacques estava sendo duramente criticado por um dos entrevistadores por conta de seu discurso truculento e na insistência em querer meter a religião no meio da política, que o que ele estava fazendo era anti-democrático, pois atentava contra o Estado Laico. Enquanto o jornalista fazia essa repreensão sob pretexto de preparar terreno para a pergunta, Jacques retirou o seu terço do bolso e, em punho cerrado, aponta-o na direção do jornalista! Somente essa atitude já seria suficiente para viralizar em memes, mas o melhor foi a resposta: “se você, jornalista blasfemador, rezasse isso, evitaria falar bobagem desse tipo! Se eu não tenho vergonha de misturar religião com política? Aqui está sua resposta: Viva Nossa Senhora da Cidade e Viva Cristo Rei!”

(Outro meme dessa entrevista – do tipo ‘corte rápido’ – foi durante a interação com um outro jornalista: “quando vereador, o candidato falava muito de Cristo e da Igreja. Hoje continua falando, mas com outro tom e conteúdo. O que mudou?” A resposta: “eu me converti”. O jornalista ficou consternado e insistiu: “só isso?” Nova resposta: “sim, eu me converti de verdade, e hoje sou Católico de verdade”. Não satisfeito, o jornalista insiste na incredulidade: “Então o senhor está dizendo que se arrepende dos seus discursos do passado?” E a resposta conclusiva, em tom de chad: “Sim!”)

Após esse episódio, já não havia mais chance de Renê vencer no primeiro turno, mas ainda continuava o favorito. Todavia, houve um segundo episódio de reviravolta na eleição para prefeito. Este foi no segundo turno, em nova sabatina.

Jornalista: “Candidato Maurício Jakinho, o senhor tem usado de discurso abertamente católico nessas eleições. Mas para nós chama a atenção que sua ex-esposa é a atual noiva do seu adversário! E o senhor casou na Igreja, não foi?! Eu pelo menos estava lá e vi. Como que é isso?”

Jakinho: “Confesso que quando casei, eu estava espiritualmente podre, não fiz jus à dignidade do sacramento do matrimônio. Veja, jornalista, o matrimônio é tão agradável a Deus, que Jesus Cristo Nosso Senhor fez seu primeiro milagre nas Bodas de Caná. Diga-se: por intercessão de sua Santa Mãe. Novamente, o estado de minha alma era deplorável quando contraí o matrimônio, mas o sacramento foi válido. Mas foi logo após a separação com minha ex-esposa que me converti de verdade. Por isso, posso dizer sem receio que, de minha parte, permaneci e permaneço fiel a ela. Não tive nenhuma relação amorosa com qualquer outra mulher depois dela. Quanto a ela, será julgada por Deus após esta vida e, de minha parte, mantenho meu dever de rezar pela salvação de sua alma, pedindo a Deus que não leve em consideração os pecados dela contra mim”.

Menos pelo discurso contido nesta resposta do que pela sinceridade de coração dessas palavras, todos ficaram em choque. A psicologia das massas observa coisas que são no mínimo curiosas. Ao mesmo tempo que as pessoas são moralmente permissivas para si mesmas, não agem com o mesmo relaxo moral em relação às figuras de autoridade. O que o povo exige de suas autoridades é o exemplo moral! O Brasil é o país do carnaval, mas se escandaliza quando vê que fulano traiu beltrana e vice-versa! O povo ama a luxúria para si, mas condena moralmente o próximo quando julga ser um cafajeste ou uma vagabunda. A psicologia tem dessas coisas! De todo modo, o que ocorreu após essa resposta foi uma mudança de tendência de votos a favor de Jakinho de uma maneira avassaladora, principalmente em relação ao eleitorado feminino. As mulheres passaram a simpatizar com Jakinho por considerá-lo romântico. Sabemos que, longe de ser romântico, Jakinho foi extremamente realista, mas não importa. Além disso, Raimunda era linda, rica e famosa, e agora a inveja feminina tinha um bom pretexto para poder odiá-la sem receio.

Sim, Raimunda era famosa! Já não era mais uma simples influencer católica nas redes sociais, mas uma apresentadora e comentarista de um canal da TV aberta na programação local. Como comentarista, geralmente opinava em matéria de religião e costumes. Opinião heterodoxa, mas opinava. Por um lado, ela defendia o direito de divorciados recasados poderem comungar. Por outro, era contra a ordenação de mulheres. Todavia, após ler um livro de Leandro Bouffon, começava a cogitar em mudar de opinião quanto a este tópico.

À medida que a simpatia aumentou para com Jakinho, na mesma medida decresceu em relação a Renê de Carlos. Com efeito, foi impossível se desfazer da narrativa do malvado Renê ter roubado a esposa do bondoso Jakinho. O fato de Raimunda ser ainda mais famosa do que era quando estava com Jacques teve o efeito de tentar se apagar fogo com gasolina, apenas contribuiu para acentuar ainda mais o fenômeno de mudança de votos.

Quem talvez melhor tenha sintetizado essa eleição foi o vice-presidente do ISA: “Não estou vendo nada de errado, pois é próprio da esposa ajudar o marido em seus projetos. Então está aí: Raimunda está cumprindo bem seu papel de esposa”.

Com ironia sendo pecado ou não, foi assim que Maurício Jacques se tornou o prefeito da cidade.

Cremos também não ser necessário dizer que o noivado de Renê com Raimunda foi desfeito. Além da culpabilização por ter perdido a eleição, convinha a Renê desfazer-se do noivado, pois em breve iria para Brasília trabalhar com o senador Grilo Grica. Mas certamente isso pesou muito menos do que o fato de Raimunda ter contraído uma doença grave, o que é um problema quando só se quer amar na saúde, e não na doença.

Quanto a Raimunda: perdeu o emprego na TV, pois havia sido posta lá por indicação de Renê de Carlos. Perdeu o noivo, como já dissemos. Perdeu também um pouco da beleza, porque descobriu que estava com câncer e a quimioterapia a fez perder os cabelos.

Inicialmente se acreditava que o câncer era benigno, mas era maligno. Raimunda estava desacreditada. Ela conhecia muita gente, mas poucas iam visitá-la em suas internações. Curiosamente, as que iam eram católicas, amigas de longa data que, embora discordassem das opiniões cada vez mais heterodoxas que contraria, ainda tinham por ela grande apreço.

Com efeito, uma visita era-lhe especial: Maurício Jacques. Tão logo soube do grave estado de Raimunda, licenciou-se para cuidar dela. Não sabemos direito o que se passou lá, pois Jacques basicamente ia da Igreja para o hospital e do hospital para a Igreja. O certo é que, passados alguns meses e após muita conversa, Raimunda finalmente aceitou receber um sacerdote piedoso. Jacques implorou ao mosteiro a autorização para que Dom Atanásio fosse visitá-la. Autorizaram.

Lá estava Raimunda diante do monge-sacerdote fazendo sua confissão geral. Recebeu a extrema-unção e comungou. Era o seu viático. Após comungar, o monge chamou Maurício para o quarto e disse em seu bom humor característico: “pode beijá-la, nunca deixou de ser, mas é novamente sua esposa”. Ela que estava cansada, fez um esforço adicional para sorrir em consentimento. Jacques beijo-a na testa.

No outro dia, o estado de saúde dela piorou. Três dias depois ela apareceria diante do Tribunal do Senhor. A primeira-dama havia deixado esta vida.

No velório, todos os membros do ISA, em revezamento, fizeram vigília em terços em favor da alma de Raimunda. O corpo separado da alma não ficou um segundo sem uma Ave Maria. Após o enterro, Maurício Jacques encomendou a missa gregoriana para a alma de sua esposa.

O presidente do ISA disse que como Maurício era uma só carne com sua esposa, então Raimunda, que havia se reconciliado com Deus, também poderia ser considerada como membro do Instituto do Santo Anacronismo. Assim sendo, orientava a todos que não deixassem de pô-la em suas orações.

Maurice Jacques permaneceu viúvo sem nunca mais se relacionar com ninguém. Não quer dizer que não foi tentado, mas, com a graça de Deus, se mantinha fiel à sua resolução.

Certa vez, sua primeira Mariele encontrou-o por acaso enquanto ele passeava meditativo no parque. “Olá Jakinho! Quanto tempo! Lembra de mim? Sou eu, aquela mesma Mariele!”

E Maurício respondeu: “Você pode ser a mesma Mariele, mas eu já não sou mais o mesmo Jakinho”. Retirou do bolso um terço, deu de presente para a modelo fitness, e seguiu meditando sobre a bondade de Deus.

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Augusto Pola Júnior

Vice-presidente do Instituto Santo Atanásio, seu maior interesse de estudo é psicologia (em especial a tomista) e espiritualidade. Possui especialização em Logoterapia e Análise Existencial e em Aconselhamento e Orientação Espiritual.
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