Recentemente, o colunista Paul Fahey do site católico progressista “Where Peter Is” publicou o artigo “What the Church no longer teaches about Ephesians 5” (O que a Igreja não ensina mais sobre Efésios 5). No corpo do artigo, Paul busca argumentar que a Igreja abandonou ensino da liderança do marido sobre a esposa. Para tanto, baseia-se em alguns fundamentos:
1. O silêncio recente da Igreja a respeito da liderança do marido;
2. A ênfase na ideia de submissão mútua;
3. A recente ponderação do Papa Francisco da necessidade de interpretação de certas passagens do Novo Testamento a respeito das mulheres.
Tratemos desses pontos um por um.
Quanto ao suposto silêncio da Igreja acerca da liderança do marido
Fahey argumenta que o “Magistério vivo” da Igreja, desde o Concílio Vaticano II, não têm usado a linguagem da “liderança” nos seus documentos magisteriais:
“Com isso em mente, é importante declarar que nem o Catecismo, nem qualquer outro documento de ensino pós-Vaticano II sobre o casamento usa a linguagem de “liderança”. Em sua Carta Apostólica sobre a dignidade das mulheres , São João Paulo II interpreta a linha de liderança de Efésios 5 como significando submissão mútua. Ele escreveu: “o marido é chamado de ‘cabeça’ da esposa como Cristo é a cabeça da Igreja”, mas “no relacionamento entre Cristo e a Igreja a sujeição é somente por parte da Igreja, no relacionamento entre marido e mulher a ‘submissão’ não é unilateral, mas mútua” (MD 24).”
Contudo, como demonstramos no artigo “O que significa a submissão mútua de São João Paulo II?” é falso que a Igreja após o Concílio jamais tenha usado a linguagem da liderança para se referir ao marido. Na Encíclica “Laborem Exercens“, São João Paulo II chama literalmente o homem de “chefe de família”:
“Uma justa remuneração do trabalho das pessoas adultas, que tenham responsabilidades de família, é aquela que for suficiente para fundar e manter dignamente uma família e para assegurar o seu futuro. Tal remuneração poderá efetuar-se ou por meio do chamado salário familiar, isto é, um salário único atribuído ao chefe de família pelo seu trabalho, e que seja suficiente para as necessidades da sua família, sem que a sua esposa seja obrigada a assumir um trabalho retribuído fora do lar.” (n. 19)
Portanto, se São João Paulo II, autor da expressão “submissão mútua”, é o mesmo Papa que ensina que o homem é “chefe de família”, então não é lícito pensar que a Igreja, pelo fato de ter diminuído a ênfase no ensinamento da liderança do marido, tenha descartado essa doutrina.
Na verdade, a Igreja, de tempos em tempos, enfatiza certas doutrinas por razões pastorais e isso é absolutamente normal. Podemos concordar ou discordar se a estratégia está sendo eficaz ou não, mas a simples mudança ênfase não pode nos autorizar a simplesmente descrer na doutrina “negligenciada”, se a Igreja expressamente não “descreu”.
Ademais, Fahey ignora que o Magistério já estabeleceu que a estrutura hieráquica da família não é mutável.
“Os deveres de ambos os cônjuges foram plenamente definidos e os seus direitos perfeitamente estabelecidos.”
Pio XI em “Casti Conubii“:
“O grau e o modo desta sujeição da mulher ao marido pode variar segundo a variedade das pessoas, dos lugares a dos tempos; e até, se o homem menosprezar o seu dever, compete à mulher supri-lo na direção da família. Mas em nenhum tempo e lugar é lícito subverter ou prejudicar a estrutura essencial da própria família e a sua lei firmemente estabelecida por Deus.”
No livro “Casamento e Família“, publicado pela Castela Editoral, encontramos as seguintes alocuções de Pio XII:
“Toda família é uma sociedade; toda sociedade bem ordenada exige um chefe, e todo poder de comandar vem de Deus. Por isso, a família que fundastes também tem um chefe a quem Deus conferiu autoridade sobre aquela que se doou a ele como companheira, e sobre as crianças que, com a benção de Deus, virão aumentar e alegrar a família.”
“Ó esposas e mães cristãs, não cedais nunca à tentação de usurpar o centro familiar! O vosso cetro amoroso deve ser o cetro que o Apóstolo das nações põe nas vossas mãos: a salvação pela maternidade.”
“O conceito cristão do matrimônio, que São Paulo ensinava a seus discípulos de Éfeso e Corinto, é claríssimo: “As mulheres sejam submissas a seus maridos, como ao Senhor, pois o marido é o chefe da mulher, como Cristo é o chefe da Igreja.”. […] Não provém essa doutrina e esse ensinamento de Cristo?”
Disto vemos que (i) a Igreja pré-conciliar ensina que a estrutura hierárquica da família não é apenas um condicionamento cultural, como Fahey quer nos fazer crer, mas uma realidade imutável; e que (ii) a Igreja pós-conciliar continua ensinando que o homem é verdadeiro chefe da família. Simplesmente não há espaço para jogar a carta do “Magistério vivo” para legitimar heresias feministas.
Quanto à ênfase na ideia de submissão mútua
Fahey adverte o “fato novo” da Igreja, a partir da encíclica “Mulieres Dignitatem“, estar enfatizando mais a doutrina da “submissão mútua” dos esposos.
Bom, nos perguntemos então: Isto quer dizer alguma coisa? Se sim, isto quer dizer alguma coisa nova?
Fahey simplesmente não fala no que consistiria de “novo” aqui. Apenas deixa no ar e na insinuação como todo progressista com prurido de novidades gosta de fazer. Insinua que a “Igreja está mudando”, que a “doutrina está sendo aos poucos alterada”, mas não diz porque nem como.
No entanto, conforme explicamos no artigo “O que é submissão mútua de São João Paulo II?”, a submissão mútua dos esposos nada mais é, em termos tradicionais, do que a reciprocidade de deveres do casal.
A razão dessa ênfase é assim explicada pelo escritor católico Germain Grisez:
“Até recentemente, o ensino papal enfatizava o dever de obediência da esposa; mas João Paulo II centra-se na submissão mútua dos cônjuges. As expressões retóricas dos ensinamentos papais anteriores e atuais refletem, é claro, contextos sociais muito diferentes; mas as proposições ensinadas devem ser consideradas, não como inconsistentes, mas como diferentes elementos de verdade, a serem integrados numa visão única e coerente.
Não se deve supor que João Paulo II rejeite a tradição. Dado que os papas, assistidos pelo Espírito Santo, tentam articular a mesma fé, na ausência de provas convincentes, não se deve pensar que os novos ensinamentos contradizem os antigos. Assim, se possível, os diferentes ensinamentos papais devem ser entendidos como compatíveis, e uma leitura cuidadosa mostra que podem ser.” (The Way of the Lord Jesus, vol. 2)
Ele continua:
“Não se pode ler nos ensinamentos de João Paulo II a negação do dever da esposa de obedecer ao marido sem supor que ele esteja dizendo que as esposas não precisam estar sujeitas aos seus maridos. Contudo, o Papa não diz isto, mesmo quando compara a dominação masculina à escravatura. Em vez disso, enfatizando que um marido deve amar a sua esposa de uma forma abnegada, ele afirma que a sujeição deve ser mútua. A implicação não declarada é que, embora a esposa não precise submeter-se à dominação egoísta do marido, ela permanece sujeita à autoridade corretamente exercida por ele.”
E depois conclui:
“Grande parte da nova ênfase no ensinamento de João Paulo II pode ser explicada por sua preocupação em reivindicar a dignidade das mulheres contra a dominação masculina. Quando um homem domina sua esposa, o abuso do seu papel perturba a harmonia entre dois aspectos essenciais do casamento: (i) comunhão de duas pessoas iguais em dignidade e direitos, e (ii) colaboração de duas pessoas com capacidades e funções corporais complementares. Quando o casal se sujeita um ao outro por reverência a Cristo, esses dois aspectos são inteiramente harmoniosos.”
Como observamos, Grisez explica que a nova ênfase do ensinamento de São Paulo II se dá em razão da atual pastoral da Igreja de ressaltar a dignidade das mulheres contra o abuso de poder masculino. Em outras palavras, a ênfase dada à submissão mútua é simplesmente em razão do novo contexto social, e não por motivo de mudança doutrinária da Igreja.
Já indicamos neste blog que a Igreja nunca considerou a autoridade do marido sobre a esposa, em si mesma, um abuso de poder.
A ausência de mudança doutrinária fica ainda mais evidente com as declarações do Diretório Homilético Discatério para o Culto Divino, que esclarece que a “submissão mútua” nada mais é do que as mútuas responsabilidades dos esposos. A esposa continua devendo obedecer ao marido. “Em troca” o marido deve dar a vida pela sua esposa:
A instrução do Apóstolo de que as esposas devem ser subordinadas aos seus maridos pode ser perturbadora para as pessoas de nossos dias; se o homilista não planeja falar sobre essa diretriz, pode ser mais prudente usar a versão mais curta da leitura. No entanto, as passagens difíceis das Escrituras geralmente têm mais a nos ensinar, e essa leitura fornece uma oportunidade para o homilista abordar um tema que pode ser desagradável aos ouvidos modernos, mas que de fato faz um ponto valioso e necessário quando devidamente compreendido. Podemos obter uma visão do significado deste texto consultando um semelhante, Efésios 5:21-6:4. Lá também Paulo está falando sobre as responsabilidades mútuas da vida familiar. A frase-chave é esta: “Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo” (Ef 5:21). A originalidade do ensinamento do Apóstolo não é que as esposas devem ser submissas aos seus maridos; que era simplesmente presumido na cultura de sua época. O que é novo, e distintamente cristão, é, primeiro, que tal submissão deve ser mútua: se a esposa deve obedecer ao marido, o marido, por sua vez, deve, como Cristo, dar a própria vida por sua esposa. “
Fahey ao falar de “submissão mútua” grita e espera por novidades revolucionárias, mas, para sua infelicidade, o que nos aparece é apenas o frescor da doutrina de sempre.
Quanto à recente ponderação do Papa Francisco sobre certas passagens do Novo Testamento a respeito das mulheres
Fahey, por fim, refere-se à resposta às dúbia feita Papa Francisco, em 2023, para insinuar que as passagens das Escrituras sobre a liderança do marido estão sob “revisão” do “Magistério Vivo” da Igreja, que hoje silencia sobre o tema. Vejamos a resposta dada pelo Papa:
“Embora seja verdade que a Revelação Divina é imutável e sempre vinculativa, a Igreja deve ser humilde e reconhecer que ela nunca esgota sua riqueza insondável e precisa crescer em sua compreensão. Consequentemente, ela também amadurece em sua compreensão do que ela mesma afirmou em seu Magistério. Mudanças culturais e novos desafios na história não modificam a Revelação, mas podem nos estimular a expressar melhor certos aspectos de sua riqueza transbordante, que sempre oferece mais. É inevitável que isso possa levar a uma melhor expressão de algumas declarações passadas do Magistério e, de fato, esse tem sido o caso ao longo da história.
Por um lado, é verdade que o Magistério não é superior à Palavra de Deus, mas também é verdade que tanto os textos da Escritura quanto os testemunhos da Tradição requerem interpretação para distinguir sua substância perene do condicionamento cultural. Isso é evidente, por exemplo, em textos bíblicos (como Êxodo 21:20-21) e em algumas intervenções magisteriais que toleraram a escravidão (Cf. Papa Nicolau V, Bula Dum diversas , 1452). Esta não é uma questão menor, dada sua conexão íntima com a verdade perene da dignidade inalienável da pessoa humana. Esses textos precisam de interpretação. O mesmo se aplica a certas considerações no Novo Testamento sobre as mulheres (1 Coríntios 11:3-10; 1 Timóteo 2:11-14) e outros textos da Escritura e testemunhos da Tradição que não podem ser materialmente repetidos hoje” (resposta de 2023 a Dubia).
O que de cara reparamos é que o trecho não menciona Efésios 5 e que o Papa Francisco não diz que esta passagem não pode ser repetida materialmente hoje. Se o fizesse, entraria em contradição com o Diretório Homilético, que ele mesmo aprovou, no qual se afirma que Efésios 5 pode ser repetido nas pregações.
O Papa também não diz que as passagens de 1 Coríntios 11:3-10 e 1 Timóteo 2:11-14 não podem ser mais ensinadas atualmente, mas apenas pondera que não podem ser repetidas materialmente, isto é, sem a devida contextualização e interpretação:
Por um lado, é verdade que o Magistério não é superior à Palavra de Deus, mas também é verdade que tanto os textos da Escritura quanto os testemunhos da Tradição requerem interpretação para distinguir sua substância perene do condicionamento cultural. […]Esta não é uma questão menor, dada sua conexão íntima com a verdade perene da dignidade inalienável da pessoa humana. Esses textos precisam de interpretação.
Com efeito, ou tais trechos precisam ser contextualizados para distinguir o dogma da Igreja daquilo que é temporal, cultural ou disciplinar ou precisam ser interpretados para demonstrar a compatibilidade da posição da Igreja em alguns momentos históricos com a dignidade do ser humano.
1 Coríntios 11,3-10 fala basicamente do uso do véu, ou seja, uma questão cultural dos povos e disciplinar da Igreja. Cabe, portanto, a distinção do que é dogma e do que não é.
Já 1 Timóteo 2,11-14 ensina que não cabe à mulher ensinar. Para os ouvidos modernos, o texto é verdadeiramente aterrador, dado que, hoje, temos tantas mulheres em posição de ensino. Contudo, a essência do texto revela duas coisas:
(i) que não cabe às mulheres, no contexto do casamento, a posição de ensinar como se fossem guias dos seus maridos;
(ii) que as mulheres devem ser modestas no falar, pois a loquacidade feminina tende a lhe induzir a muitos erros. As mulheres possuem uma inteligência mais emocional que a dos homens, por isso, ensina o Apóstolo, devem se preocupar mais em aprender do que falar. São Paulo ensina que quando a loquacidade feminina foi protagonista, ou seja, quando a mulher quis domar o homem pelo ensino, a humanidade caiu no pecado original. O mesmo é dito por Pio XII quando explicou em 1949 a razão do homem ser o chefe do gênero humano. Ensina o Papa que o homem não se deixou enganar pela serpente e nem pela mulher, mas pecou em razão da sedução de Eva:
“Sim, a autoridade do chefe de família vem de Deus, assim como veio de Deus para Adão a dignidade e a autoridade de primeiro chefe do gênero humano, dotado de dons que transmitiria à sua posteridade. Por isso, Adão foi criado primeiro, e Eva depois. E, como diz São Paulo, Adão não foi enganado, mas foi a mulher que se deixou seduzir e transgrediu.” (Alocução aos recém-casados, de 10 de setembro de 1949:)
O homem é mais difícil de enganar por ter uma razão mais objetiva que as mulheres. Por isso a liderança naturalmente lhes convém mais.
Essas lições são muito preciosas e explicam muito a razão de muitas moças católicas, na medida que usam, por exemplo, o Instagram, para serem “autoridades”, ficarem mais progressistas e, quase sempre, caírem no malfadado feminismo. Mulheres tendem a se perder quando concorrem com os homens por liderança.
Por isso ressalta São Paulo que a salvação da mulher vem pela maternidade. É na esfera da educação dos filhos (não do marido) que sua contribuição de ensino é valiosa. Em regra geral, se a mulher tentar dominar seu marido, o resultado será a ruína da família.
Quem nunca reparou que nos primeiros anos escolares a maioria dos professores são mulheres, mas, quando começa o Ensino Médio, a maioria já é de homens? Não é esta uma forma de ilustrar que a esfera adequada do ensino da mulher é junto aos filhos? Não ilustra a inadequação de uma mulher ficar guiando homens adultos?
A passagem de Timóteo, portanto, precisa ser explicada. Ela não quer dizer que a mulher nunca pode ensinar, e sim que devem ensinar na sua esfera adequada.
Vemos assim que Fahey erra em todas as ponderações que faz. Mas por que esse sujeito erra tanto? Primeiro, por não ter fidelidade real ao Magistério. É um continuísta cooptado por progressistas, o que facilmente se degenera em modernismo. Assim, se o Magistério enfatiza certas doutrinas e não outras em certo período histórico, a cabeça dele já pensa em termos de “mudança doutrinal”, “evolução do dogma”, e não em uma eventual pastoralidade adotada pela Igreja para uma determinada circunstância. Em segundo lugar, por culpa dos pastores. A expressão “submissão mútua”, de fato, não é muito bem explicada pelos pastores. Este blog precisou fazer uma acurada investigação para esclarecer o significado da expressão. Inserir expressões não tradicionais na Teologia é perigoso. Deixar ao vento expressões que, aparentemente, contradizem o Magistério anterior sem dar muita explicação, é abrir terreno para o Inimigo das almas e para os mestres do erro.