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A Rigidez Católica

A primeira vez que li o termo rigidez no contexto católico foi no livro “Adeus Homens de Deus: Como Corromperam a Igreja Católica nos EUA”, onde basicamente era um termo vago para expulsar os bons seminaristas do seminário e, ao mesmo tempo, privilegiar os ruins. Como assim? E o que seriam os bons seminaristas e os maus? O que livro relata basicamente era que os bons seminaristas além de uma vida de oração, lutavam pela castidade e toda moral católica… Enquanto os maus… Neste contexto, os “rígidos” eram os seminaristas católicos que queriam ser pastores santos; os maus, os seminaristas mundanos, com uma moral relativista, sentimental e mundana.

Como pode ocorrer uma inversão tão perniciosa como esta, onde o compromisso moral por valores e busca de virtude é tomado por “rigidez” e tido por algo mal, enquanto os relativistas morais, os mundanos, os iníquos são privilegiados, e são defendidos em nome de uma falsa misericórdia?

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Mas antes de explicar esta questão, é necessário esclarecer se a rigidez é algo bom ou ruim. Com efeito, tal termo pode ser bom ou mau dependendo do contexto. É, portanto, vago, e seu uso pode trazer ambiguidades. Se, por exemplo, a rigidez diz respeito aos princípios da doutrina católica, então devemos ser rígidos. Por outro lado, se diz respeito a uma racionalização para não querer mudar de vida diante de um erro percebido, se for uma espécie de teimosia para não reconhecer erros e equívocos, então certamente esta rigidez é má.

Seja como for, o adjetivo rigidez é, no mínimo, problemático. Por causa disso, para uma Igreja que dá valor ao diálogo, para uma Igreja que quer investir em uma pastoral de saída (no sentido católico da expressão, ou seja, para salvar almas, não para salvar partidos políticos e ideologias partidárias), tal termo deveria ser evitado, porque é vago. Há termos mais apropriados: a rigidez boa, a que trata dos princípios e da não-negociação da verdade conhecida, pode ser chamada de caráter, pois é isso que uma pessoa de caráter faz, de humilde, pois se ajoelha diante da verdade conhecida, de fortaleza, pois abraça o bem e resiste ao mal… Por outro lado, aquela rigidez ruim de quem teima no erro pode ser chamada de várias coisas: soberba, dureza do coração, impenitência, teimosia iníqua, obsessão no erro, etc.

De minha parte, se me disserem: “Augusto, você é muito rígido”, terei que perguntar: em relação ao bem ou ao mal? Em relação à verdade ou à mentira? À justiça ou injustiça? Chama-me de rígido, só porque minha opinião embasada (argumento) não lhe agrada? Mas em que ponto do raciocínio eu errei? Ok, até concedo que eu sou “rígido”, que eu sou “teimoso”, mas é porque busco não trocar o verdadeiro pelo falso, o certo pelo errado, o justo pelo injusto… Em suma, o mínimo que a pessoa precisará fazer é esclarecer por que eu seria rígido. Do contrário, flatus vocis.

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Mas isso é a minha maneira de reagir a tal “acusação”. Como mencionado, em Adeus Homens de Deus, rigidez era tomada automaticamente como má, sem qualquer ponderação parecida com a que fiz, por quê?

Pois bem, antes de explicar isso, preciso provar que existe a rigidez do bem. Comecemos pelo Espírito Santo. No Salmo 1, ele diz:

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Feliz o homem que não procede conforme o conselho dos ímpios, não trilha o caminho dos pecadores, nem se assenta entre os escarnecedores. Feliz aquele que se compraz no serviço do Senhor e medita sua lei dia e noite. Ele é como a árvore plantada na margem das águas correntes: dá fruto na época própria, sua folhagem não murchará jamais. Tudo o que empreende, prospera. Os ímpios não são assim! Mas são como a palha que o vento leva.

Meditemos: O Feliz, Bem-Aventurado, Justo é comparado à árvore plantada na margem das águas correntes. Por quê? Porque ele medita dia e noite a lei de Deus. Ou seja, ele é rígido em relação aos mandamentos de Deus, não os troca, obedece-os, sendo como uma árvore bem plantada nas margens das águas correntes, ou seja, uma rigidez bem posicionada: em Deus. E não é só isso. Essa rigidez permitirá com que produza frutos nas épocas próprias, e jamais murchará! De fato: ele é rígido na Verdade, em Deus, portanto, é feliz.

O mesmo não podemos dizer do ímpio; do que não é rígido, do tolerante nos princípios (relativista), do que é amigo do mundo, do que trilha o caminho dos pecadores, assentando-se entre os escarnecedores. Por não serem rígidos, são comparados à palha, que o vento carrega na direção para onde sopra. Anote isso, caro leitor, esse detalhe será importante para entender a mentalidade do que condena a rigidez pela rigidez.

Mas podemos avançar e citar a parábola de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a casa edificada sobre a Rocha:

Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus (…). Aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um homem prudente, que edificou sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa; ela, porém, não caiu, porque estava edificada na rocha. Mas aquele que ouve as minhas palavras e não as põe em prática é semelhante a um homem insensato, que construiu sua casa na areia. Caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa; ela caiu e grande foi a sua ruína (Mt 21;24-27).

Meditemos: O homem prudente (prudente é aquele que age com sabedoria prática) constrói sua casa sobre a rocha, que é firme, rígida, e esta rigidez está associada à fortaleza, sendo capaz de resistir às intempéries do clima agitado. A prudência (o que ouve e pratica a doutrina católica) gera a fortaleza (casa resistente), cuja rigidez o capacita para resistir contra os ímpios, contra as armadilhas do mundo e, claro, contra os demônios.

Outra é a sorte do insensato. Sua casa termina em ruína.

Se estou usando muito da teologia, posso fazer uma abordagem mais filosófica, neste caso, pedirei ajuda do Cardeal Pie e de seu Sermão A Intolerância Católica (calma liberal, não rasgue ainda as suas vestes, recomendo a leitura na íntegra, depois pode rasgar), que, para o contexto deste artigo, a intolerância poderia ser tomada como sinônimo de rigidez, como “A Rigidez Católica”:

Faz parte da essência de toda a verdade não tolerar o princípio que a contradiz. A afirmação de uma coisa exclui a negação dessa mesma coisa, assim como a luz exclui as trevas. Onde nada é certo, onde nada é definido, podem-se partilhar os sentimentos, podem variar as opiniões. Compreendo e peço a liberdade de opinião nas coisas duvidosas: in dubiis, libertas. Mas, logo que a verdade se apresenta com as características certas que a distinguem, por isso mesmo que é verdade, ela é positiva, ela é necessária, e por conseguinte ela é una e intolerante: in necessariis, unitas. Condenar a verdade à tolerância é condená-la ao suicídio. A afirmação se aniquila se duvida de si mesma, e ela duvida de si mesma se admite com indiferença que se ponha a seu lado a sua própria negação. Para a verdade, a intolerância é o instinto de conservação, é o exercício legítimo do direito de propriedade. Quando se possui alguma coisa, é preciso defendê-la, sob pena de logo se ver despojado dela. Assim, meus irmãos, pela própria necessidade das coisas, a intolerância está em toda a parte, porque em toda parte existe o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, a ordem e a desordem. Que há de mais intolerante do que esta proposição: 2 mais 2 fazem 4? Se vierdes dizer-me que 2 mais 2 fazem 3 ou fazem 5, eu vos respondo que 2 mais 2 fazem 4…

Meditemos: Em questão duvidosas, tolerância, flexibilidade, diálogo (no sentido de trocar opiniões justamente com vistas a alcançar ou chegar mais próximo da verdade). Porém, uma vez que a verdade foi descoberta, que a dúvida foi esclarecida, que o correto e justo está bem diferenciado do que é errado e injusto, então deve estar presente a rigidez e a intolerância. Não se negocia a verdade, transmite-se. Afinal, se algo é verdade, então todo o resto que contradiz e depõe contra esta verdade deve ser rejeitado. E, portanto, neste sentido, a rigidez é aliada da honestidade, pois o honesto é aquele que não negocia seu valor, que é rígido e coerente diante dos valores que professa. E neste caso, o que não é rígido, o flexível, o ultra-tolerante, opõe-se à honestidade, não sendo raro vê-lo cair em hipocrisia e contradição existencial.

E assim não é preciso ser nenhum teólogo ou filósofo para perceber, por exemplo que um marido rígido em favor de sua família será fiel e protetor, levando a cabo a indissolubilidade do matrimônio e a educação dos filhos… Enquanto que o cabeça aberta, o tolerante, o flexível, o “pragmático” será aquele aceita tudo (exceto ter seus pecados e vícios apontados), mas que ou trai a esposa (só ela sendo muito rigorosa para achar a fidelidade é uma virtude, não é?) ou que a trocará, em determinado momento, por uma mais nova…

Em suma, o rígido, por não negociar a verdade, também é confiável. Enquanto que o seu oposto, o insensato, o ímpio, por mais simpático que seja, por mais “gente boa” e sociável que aparente ser, não é confiável: é pusilânime.

Voltemos então ao questionamento: Se a rigidez pode ser uma coisa boa, podendo estar atrelada à prudência, à fortaleza, à honestidade, à confiança… Por que há aqueles que a tomam como má em si mesma?

É porque a sua visão de mundo é a modernista. É a alma que está com a heresia modernista em seu coração. O modernismo, por mais vertentes que possa ter (a Teologia da Libertação, por exemplo, é uma delas) tem duas características: imanentismo e relativismo.

Por serem imanentistas, negam a transcendência e um Deus que habita os céus. Eles até admitem uma espiritualidade, mas esta também será imanentista, o que significa que o mais importante será a vivência e os sentimentos. Não é à toa que os modernistas são papagaios do termo (também problemático, mas sobre ele escrevo em outra ocasião) empatia. Uma empatia que é meramente sentimental.

E por conta disso descambam para outra característica: o relativismo. A verdade não está na realidade, não é a relação de nossa inteligência com as coisas, mas um viver conforme o sentimento dos novos tempos. Os modernistas interpretam o mundo como estando em constante evolução, inclusive moral, onde o mais novo sempre irá superar o mais velho. E aqui está a chave para entender por que condenam a rigidez por si mesma. O rígido acredita em valores universais, que funcionará para todos os tempos (reza o Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio, agora e sempre. Amém), enquanto que o modernista crê que os valores e a moral mudam com a “evolução” do tempo histórico. Sendo assim, o homem deve viver em constante adaptação com o mundo: A busca constante pelo aggiornamento [atualização].

Quem não vê que isso é justamente a folha que o Salmo 1 compara com ímpio? Conforme as modas ideológicas vão surgindo, eles crêem que devemos nos adaptar a elas, pois as anteriores foram superadas (conselho: quando alguém disse que algo foi “superado” em um contexto moral, sai correndo). Não há rocha para ser o fundamento da casa, na ótica modernista devemos construir na areia.

Aqui se explica, por exemplo, o ódio pela Missa Tridentina. Não interessa, como explicou o Cardeal Müller, que ela em substância é inalterável, e, portanto, é legítima e válida. A alma modernista não quer saber disso: é uma missa do passado, foi superada, deve-se ficar com o novo, porque é novo. Quem defende a Missa Tridentina, por mais fundamento teológica que tenha, será considerado, portanto, um rígido e, por isso, um malvadão.

Normalmente não há debate, quer dizer, diálogo, no modernista contra a Missa Tridentina, o que impera é o carteiraço. Bastar indicar que o próximo é um ultrapassado, e pronto. O critério temporal e mundano é o que vale para este tipo de mentalidade torpe.

Ademais, disse anteriormente que o rígido condiz com a honestidade assim como o tolerante com a hipocrisia. E aqui está a hipocrisia do modernista: ele é rígido na condenação daqueles que são rígidos.

O mesmo raciocínio que usam para condenar a Missa Tridentina vale em relação aos católicos que, justamente por serem católicos, fundamentam-se na Tradição. Dos adjetivos que os modernistas (ou simpatizantes) usam para a demonização do católico que segue a Tradição, o meu predileto é o catolibã (afinal, um católico sério não pode ficar alheio ao combate contra o mal, sobretudo ao combate espiritual). Por isso costumo dizer que o Instituto Santo Atanásio é o reduto curitibano dos catolibãs. É o local onde rezamos, onde estudamos para sermos rígidos, e rígidos em relação a Doutrina que Cristo nos deixou, a qual é sustentada pelas Sagradas Escrituras, Tradição e Magistério. Por isso o Instituto Santo Atanásio, com sua rigidez, não admite, por exemplo, que a doutrina católica seja subvertida, deturpada e sequestrada pelo Partido dos Trabalhadores. Não é no PT que está a tutela da Sã Doutrina e da defesa da verdade, mas na Tradição e no Magistério da Igreja Católica.

Assim sendo, o modernista, por ser imanentista e relativista, troca a imutabilidade da Palavra de Deus (a Verdade) pela mutabilidade e inconstância do mundo. Odeia aqueles que são rígidos, e ama o que é passageiro. Acredita mais no poder transformador da política do que no poder transformador da graça. Enfim, quem estudou um pouco de psicologia sabe que trocar o eterno, certo e imutável pelo que é passageiro, efêmero e duvidoso é a receita para a infelicidade. E quem estudou um pouco de teologia católica sabe que é a receita para o inferno.

O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão (Mt 24,35).

“Nem todo aquele que diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que é fiel seguidor da rígida, porque verdadeira, Doutrina Católica (…). Aquele, pois, que ouve a Doutrina Católica e as põe em prática é semelhante a um homem prudente, que edificou sua alma sobre a fé. Caiu as tentações, vieram as ameaças do mundo, sopraram os raciocínios tortos e investiram as ideologias; esta alma, porém, não caiu, porque estava edificada na rígida fortaleza da fé. Mas aquele que subverte a Doutrina Católica e a relativiza é semelhante a uma alma insensata, que julga as coisas segundo o transitório do mundo. Caiu as tentações, vieram as ameaças do mundo, sopraram os raciocínios tortos e investiram as ideologias; esta alma aggiornou em tudo, e grande foi a sua ruína”.

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Augusto Pola Júnior

Vice-presidente do Instituto Santo Atanásio, seu maior interesse de estudo é psicologia (em especial a tomista) e espiritualidade. Possui especialização em Logoterapia e Análise Existencial e em Aconselhamento e Orientação Espiritual.
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