Ao longo da história, o homem sempre observou as estrelas, os mares, as grandes montanhas e se maravilhou com a obra do Criador. A capacidade contemplativa do homem é um dos traços mais eloquentes da alma humana que anseia pelo bem e pelo belo, pois o homem foi criado para que pudesse tomar posse daquilo que estava em seu alcance. A vida humana é, portanto, uma vida na qual o sonho exerce uma função importante, pois permite que o homem imagine situações, conversas, realidades e outras coisas que alimentam a imaginação. No entanto, é necessário que o sonho seja inserido na realidade, dentro de uma condição clara e que possa fazer o homem estar em uma situação melhor do que pior, caso contrário, o sonho será em vão.
Em primeiro lugar, é necessário que voltemos ao início de tudo. Nas Sagradas Escrituras, vê-se que Deus realiza toda a criação e, por fim, o homem com a função de dominar tudo o que fora criado. “Deus disse: façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança e que eles dominam sobre os peixes do mar, como aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra. Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou. Deus os abençoou e lhes disse: sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a; dominai os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra ”(Gn 1, 26-28)
O que é mais interessante dessa passagem das Sagradas Escrituras é que Deus deu ao homem a capacidade de dominar a terra e, para isso, era necessário que houvesse uma capacidade contemplativa, principalmente para colocar os nomes e iniciar a grande vocação. É importante notar que, para poder realizar toda a tarefa, o homem precisava ter inteligência e vontade, as duas potências da alma que o movimentam. Esse composto fundamental basicamente garantia que houvesse ao homem uma ordem na busca pelo cumprimento da missão a que estava incumbido e, consequentemente, louvasse a Deus por tudo aquilo que foi feito. Nesse sentido, vê-se a grande capacidade da vida humana em realizar coisas.
Em um primeiro momento, é necessário entender que o homem estava completamente ordenado, ou seja, não havia na alma humana nenhuma deturpação daquilo pelo qual fora criado. No entanto, por conta do Pecado Original, o homem ficou com as potências da alma desordenadas e, assim sendo, viu-se em uma situação de rebaixamento da sua natureza, fazendo com que o homem se tornasse semelhante aos animais que deveria governar. Esse desajuste da alma humana resultou em um processo de expulsão do Paraíso e, consequentemente, da realidade na qual o homem estava sem precisar sonhar, já que possuía tudo o que desejava. Esta expulsão resultou em um vazio enorme, pois o Bem deixou de ser contemplado em sua integralidade.
A partir desse momento, o homem deveria ser conduzido, em um longo processo, para conseguir reordenar a alma, para ter a plenitude da vida humana e, assim, acalmar a sua alma. É interessante notar aqui aquilo que Santo Agostinho diz no livro Confissões “Fizeste-nos para Ti e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti”. Aqui, o filósofo está dizendo, claramente, qual foi o objetivo primordial da criação: a contemplação da Verdade. Ora, Aristóteles, ao descrever as potências da alma, diz que a inteligência tem como o objeto próprio a verdade e que a vontade tem como objeto o bem. Uma vez que isso é alcançado, tem-se que as potências chegaram à sua finalidade e, consequentemente, deixam de desejar algo mais. É assim que devemos entender o verdadeiro sentido dos sonhos.
Infelizmente, por conta do afastamento do homem à verdade e ao bem, as pessoas começaram a desejar coisas que, embora não sejam ruins em si mesmas, não têm mais o fundamento ontológico, ou seja, encararam as coisas como fim quando, na verdade, a maior parte delas são um meio: ter dinheiro, ser famoso, ter uma casa, construir uma família, ser intelectual e, o principal dos tempos de hoje, ser feliz. Tudo isso são coisas boas? Certamente que são, afinal de contas, qual ser humano que não deseja ser feliz? No entanto, essas coisas, que muita gente acha ser um sonho, devem ser ordenadas da maneira correta e, consequentemente, o sonho não se perder em si mesmo.
A sociedade moderna vive em um momento bastante curioso: as pessoas possuem muitos sonhos, mas estão constantemente frustradas. Isso pode ser analisado pela quantidade de divórcios, suicídios, vícios em drogas, alcoolismo e outros problemas que denotam a inquietude do homem moderno. É um homem que, ao mesmo tempo que possui muitos sonhos, não consegue acalmar suas vontades e, consequentemente, vive buscando “novidades”. É um drama da modernidade. Mesmo com a velocidade de lançamentos tecnológicos, o homem não consegue ficar satisfeito. Para que esse tipo de angústia acabe, é necessário que o sonho tenha um projeto mais elevado, algo capaz de fazê-lo lutar, um sinal claro de que o bem vale a pena.
Para que isso aconteça, no entanto, o sonho deve, em primeiro lugar ser possível. O que isso quer dizer? Em nenhum momento, o sonho deve ser maior do que as condições reais daquela pessoa. Para isso, é fundamental observar a frase de Ortega y Gasset “Eu sou eu e minhas circunstâncias”. Vamos analisar essa frase. A primeira parte está relacionada com o Eu; portanto, com a pessoa. O que quer dizer que o homem precisa reconhecer as suas limitações, saber suas falhas, ver suas competências e, por fim, fazer a análise racional daquilo que ele é. A segunda parte da frase é observar as circunstâncias que o cercam e, nesse sentido, é importante que ele veja o cenário, as condições, as pessoas que podem ajudá-lo e, por fim, ver o que é possível ou não. Somente assim, tem-se as condições de buscar um sonho.
E qual é o valor do sonho? Aqui, é importante que a gente reconheça que o sonho é como um combustível que alimenta o homem na sua contínua busca pelo Bem e pela contemplação. Isso é fundamental, pois é por meio do sonho que surgem as grandes obras, as invenções, os projetos e as grandes realizações. A Civilização Ocidental é fruto do sonho da transcendência, ou seja, as pessoas que ajudaram a erigir essa civilização tinham como sonho a excelência, a entrega de tudo que possui para o Amor e o sonho de poder contemplá-lO. Com vistas a este fim é que todos os meios foram empregados. Sem esse sonho, a civilização não teria logrado o desenvolvimento em diversas esferas.
Os dois parágrafos anteriores nos colocam em uma posição bastante clara: o ser humano precisa se conhecer, conhecer o objeto desejado e, em algum grau, contemplá-lo. Além disso, precisa considerar tudo o que o cerca. Buscar o sonho, portanto, não é uma tarefa fácil. Santo Tomás de Aquino afirma que o homem possui duas paixões naturais: a concupiscência e a irascibilidade. A primeira busca o bem fácil e deleitável, a segunda deseja o bem árduo, ou seja, difícil de ser conseguido. Como, na maior parte das vezes, as pessoas sonham com algo mais completo, é necessário que a vontade seja trabalhada e o bem buscado com mais afinco, caso contrário, não haverá condições de atingir o que se deseja.
Dentro desse contexto, um dos filmes mais interessantes para mostrar a realidade da perseguição de um sonho é o filme “Coach Carter: um treino para a vida”. Estrelado por Samuel L. Jackson, o filme retrata o ambiente de uma escola na periferia da cidade de Richmond, no estado da Virgínia. Nesse colégio, há um time de basquete chamado Richmond Oilers que, na temporada regular do basquete interescolar, estava nas últimas colocações e, portanto, sem condições de ir para as finais do campeonato estadual. No entanto, o que os jogadores dessa escola desejam é ser “famoso”, “jogar na NBA”, “ser rico” ou “bem-sucedido”.
O grande problema é que esses rapazes não possuem a estrutura fundamental para que consigam os seus objetivos. Assim sendo, depois de ter perdido um jogo contra o maior rival, o diretor do colégio decide chamar Ken Carter (Samuel L. Jackson) para assumir o comando do time de basquete. Ele fora escolhido, inicialmente, pelo fato de que havia estudado no colégio quando jovem e sido multicampeão naquele time. Por essa razão, a escola estava animada, criando uma atmosfera propícia para que o time começasse a vencer novamente. No entanto, o que acaba acontecendo é algo inesperado, gerando as grandes lições que o filme quer trazer.
Em primeiro lugar, quando Ken Carter vai se apresentar para o time de basquete, os jovens jogadores estavam distraídos, pensando em mulheres e drogas e sem a concentração necessária para o treino. O novo técnico sabia que a situação seria muito difícil de ser contornada, mas que era possível que eles alcançassem o que almejavam por meio de uma profunda mudança de comportamento. Para que isso acontecesse, no entanto, era necessário que os rapazes estivessem comprometidos. Assim sendo, ele atrelou o basquete às mudanças necessárias. Na primeira conversa que teve com os jovens, ele começou a ler um contrato no qual as cláusulas eram as seguintes: frequência nas salas de aula, boas notas, cumprimentos educados, respeito à hierarquia e vestir-se de forma adequada.
Quando os alunos ouviram essa lista de exigências, passaram a dar muita risada daquilo que estavam ouvindo do técnico. Dentre os mais exaltados, estava Timo Cruz, o jogador mais problemático de todo o time. Ele, pensando que conseguiria dobrar o técnico, partiu para agressões verbais e, mais do que isso, tentou machucá-lo fisicamente. O técnico, no entanto, conseguiu segurar o rapaz, e ele saiu resmungando da quadra de basquete. Essa é uma cena clássica que ilustra a forma pela qual muitos jovens compreendem a busca por um sonho: sem foco e respeito. Ao ver a reação do técnico, os jovens passaram a ver que as demandas eram sérias, mas não levaram o estudo com a pertinência necessária.
Assim sendo, no dia seguinte às apresentações, Ken Carter os aguardava na quadra para iniciar mais uma temporada. Os rapazes, acostumados a “treinarem” sem disciplina, achavam que pegariam a bola e começariam a jogar. Logo, nota-se que o basquete era mais um “passatempo” do que uma profissão. No entanto, o que se viu foi que o técnico começou a implementar séries de exercícios aeróbicos, uma vez que o objetivo era ganhar resistência física, condicionamento e capacidade de aguentar o tempo inteiro de jogo. Ou seja, ele estava tratando dos fundamentos básicos. Nesse sentido, vemos que o sonho deve ser construído, em primeiro lugar, pelo fundamento, por aquilo que é necessário. São Francisco de Assis disse “Comece fazendo o necessário, depois o possível e, de repente, você estará fazendo o impossível”. Não é possível buscar o sonho sem que as bases estejam estabelecidas.
À medida que os rapazes percebiam a necessidade do treinamento físico, começaram a se dedicar mais. Aqui se percebe como que o ser humano é capaz de reconhecer o que está dando certo e o que está dando errado. No entanto, a questão do comportamento fora da quadra ainda era problemático: atrasos para o treino, baladas e bebedeiras, falta de estudo. Os demais professores passavam relatórios a Ken Carter e ele notou que os jovens não estavam se dedicando nas outras coisas. Por causa disso, em um determinado momento, ele decide fechar o ginásio de esportes até que a situação ficasse de acordo com o que fora acordado pelo contrato. O fechamento do basquete gerou um caos no bairro, levando muitas pessoas a criticarem o treinador, mas ele manteve-se resoluto e irredutível.
Depois de muito sofrimento e brigas, os próprios rapazes que compunham o time, vendo que o trabalho na quadra estava dando certo, decidiram ficar do lado do técnico e abraçaram aquilo que estava no contrato. A quadra foi reaberta, os jogos foram retomados e o Richmond Oilers emplacou uma série de vitórias que deram moral para aqueles jovens jogadores. À medida que os resultados vinham, o time ficava mais unido, apesar de alguns entraves. Nesse sentido, nota-se que o trabalho com virtudes, principalmente a da ordem, foi fundamental para que eles conseguissem se estruturar e buscassem pelos melhores resultados.
O ano caminhava para o fim e o Richmond Oilers fazia a melhor temporada da história, com a escola em grande alegria e os jovens se dedicando em todas as áreas da vida. Esse é um ensinamento muito importante, uma vez que a busca pelo sonho exige que uma pessoa melhore em todas as áreas, principalmente a da vida moral. É fundamental que isso aconteça, caso contrário, o sucesso pode iludir, a vaidade chegar e, consequentemente, se colhe os resultados adversos. Somente com a prática das virtudes é que se pode chegar aos resultados de longo prazo. A virtude gera uma mudança estrutural.
No final do ano, o Richmond Oilers não conseguiu atingir a glória, uma vez que ficou com o vice-campeonato, mas os jogadores saíram de cabeça erguida. Isso foi possível, já que a consciência deles estava limpa de ter feito aquilo que era necessário para buscar o objetivo. Mais do que isso, ao longo do ano, eles ganharam responsabilidade, outras perspectivas profissionais e assumiram o controle da vida. Isso é fundamental que aconteça durante o processo de perseguição do sonho. É por essa razão que o sonho deve, obrigatoriamente, estar inserido na vida humana, caso contrário, ele será abstrato e, portanto, inalcançável. Qual será o resultado disto? Frustração e quebra de expectativas.
A apresentação desse filme é exemplo claro de como que o ser humano deve colocar o sonho. Deve sonhar? Sim! São Josemaria Escrivá disse que sonhar é fazer oração e trabalhar pela obra de Deus. E isso é bem verdade, afinal, é disso que se trata quando uma pessoa sonha: buscar o transcendente e aquilo que a completa. No entanto, como o filme mostrou, durante a batalha pelo sonho, muitos obstáculos foram aparecendo. Portanto, podemos dizer que não há sonhos sem aventura, vertigem, fadiga e perigos. É assim que devemos encarar os nossos sonhos, como uma grande aventura que nos fará ver a verdade, acalmar a nossa inquietude e chegar ao estado de felicidade.
É preciso, portanto, que os nossos sonhos sejam cada vez mais excelentes. O Papa Francisco escreveu o seguinte para um encontro de jovens italianos, no dia 11 de agosto de 2018:
“Os sonhos são importantes. Mantêm o nosso olhar alargado, ajudam-nos a abraçar o horizonte, a cultivar a esperança em cada ação diária. (…). Os sonhos acordam-te, levam-te além, são as estrelas mais luminosas, as que indicam um caminho diverso para a humanidade. Eis, queridos jovens, vós tendes no coração estas estrelas brilhantes que são os vossos sonhos: são a vossa responsabilidade e o vosso tesouro. Fazei com que sejam também o vosso futuro!”
Vemos aqui nesse trecho do Papa Francisco que os sonhos estão ligados, portanto, a virtude da Esperança. Mas, o que vem a ser essa virtude? A esperança é uma imperturbável direção para a plenitude de ser, isto é, para o bem, mas só e quando se origine da realidade da graça no homem e se dirija à felicidade sobrenatural em Deus. Ora, se a Esperança, enquanto virtude, aponta para o transcendente, os nossos sonhos precisam estar nessa direção, pois é a excelência humana que acalmará todas as nossas turbulências. Assim sendo, esse é o caminho mais certo para bem sonhar.
Em um mundo materialista e hedonista, os sonhos visam o objeto deleitável como fim em si mesmo. Por causa disto, o homem não consegue compreender o motivo pelo qual é infeliz, mesmo que já possua tudo aquilo que desejou. A dilatação do coração, no sonho, é condição sine qua non para o desenvolvimento de um sonhar sadio. Deseja o casamento? Ótimo! Não desista, mas saiba que o matrimônio aponta para uma realidade ainda mais elevada. Quer uma casa nova? Muito bem, mas a coloque em um sentido da vida que seja capaz de dar o apontamento para o bem. Somente assim os nossos sonhos ganharão a robustez necessária para fazer a nossa alma se mover sem reservas até eles.
A vida humana é complexa, cheia de complicações, mas o fim último é o mesmo para todos: a felicidade eterna na visão beatífica. Os sonhos, então, devem estar todos apontados para isso, tendo consciência de que são os meios pelos quais o homem pode ter a sua plena realização. Afinal, como disse Aristóteles, a vida realizada é aquele na qual o homem atingiu uma atualização de todas as suas potências. E, com a Revelação Cristã, sabemos que não somente isso, mas também a própria vida gloriosa nos espera no Céu. Para melhor entender esta realidade, podemos usar uma parábola do Agricultor: o ser humano precisa estar ligado a Deus para gerar bons frutos, do contrário ficará seco e será queimado como lenha pelo agricultor. O valor do sonho, portanto, só tem efetividade se, em última instância, este sonho nos aproximar de Deus.