E se o mesmo rigor que muitas autoridades estão aplicando contra a Covid-19 fosse adotado contra as doenças sexualmente transmissíveis?
Quando o assunto envolve medidas draconianas em prol da saúde pública, será que dá pra dizer que pau que bate em Chico, bate em Francisco? Ou seja, será que existe alguma isonomia nas determinações que, teoricamente, visam combater os diferentes tipos de doenças contagiosas?
Nas discussões ainda fervilhantes sobre as vacinas contra a Covid-19 e o discutível passaporte sanitário, achei pertinente levantar as implicações políticas e a falta de coerência daqueles que pretendem coagir as pessoas a se vacinarem, ameaçando-as com supressão de direitos e marginalização social.
Não pretendo aqui discutir a eficácia das vacinas em si. Já existem dados disponíveis na internet (embora não muitos nos canais mainstream) que põem em questão o caráter experimental e a curta eficácia das substâncias destinadas a imunizar contra a Covid-19, além, é claro, dos efeitos colaterais já sofridos por pessoas que se vacinaram, como a síndrome de Guillan-Barré, a miocardite, a pericardite e a formação de coágulos sanguíneos causadores de trombose. Essa é, aliás, uma discussão para a qual sequer tenho competência técnica suficiente.
Por isso vou me ater aqui ao problema do autoritarismo seletivo – e politicamente preocupante – daqueles que defendem a exigência do “certificado de imunização” da Covid-19 para o acesso a serviços, eventos e estabelecimentos.
Eticamente falando, a imposição de medidas que tratoram os direitos fundamentais das pessoas individuais só se justifica quando são absolutamente necessárias para a salvaguarda da segurança pública e do bem comum. E este não é, de maneira alguma, o caso da vacinação contra a Covid-19 por aqui. O Brasil está acima da média global no ranking da vacinação, com mais de 90% dos adultos já vacinados e mais de 64% da sua população total já imunizada. Entre as grandes nações, já somos a segunda que mais vacinou, atrás apenas dos EUA.
Além disso, estima-se que uma significativa parcela da população já é naturalmente imune ao vírus ou adquiriu esta imunidade mediante infecção, vencendo o vírus com recursos do próprio sistema imunológico. Estudos indicam que a imunização natural (após infecção) pode ser significativamente mais eficaz contra as novas variantes do que a imunização artificial induzida pelas vacinas. Após um período de 3 meses, os naturalmente curados teriam uma probabilidade de nova infecção sintomática até 27 vezes menor do que os vacinados, segundo um estudo da Universidade de Tel Aviv e do Maccabitech Institute.
Enquanto a vacinação produz células B (de memória imunológica) que evoluem apenas por algumas semanas, a infecção natural gera células B que continuam a evoluir ao longo de vários meses, produzindo anticorpos altamente potentes, capazes de eliminar até mesmo novas variantes do vírus, como apontou um estudo recente publicado na revista Nature.
Isso não significa, é claro, que possamos, só por isso, descartar a oferta de vacinas e as campanhas pró-vacinação, até porque o quadro atual ainda aponta para muitos casos de infectados sem vacinação cuja evolução da doença acaba se agravando a ponto de precisarem de hospitalização ou até irem a óbito.
Sim, os que contraem o vírus sem estarem vacinados e se recuperam depois saem até mais resistentes a ele do que os vacinados. Porém, contrair o vírus após se vacinar dá ao paciente, segundo os números oficiais, mais chances de sobreviver (descartando-se aqui a possibilidade de efeitos colaterais das vacinas, claro) e de evitar uma internação que contribuiria para sobrecarregar a rede hospitalar e prejudicar inclusive quem sofre de outras doenças.
Antipassaporte, mas não antivax
Trata-se de um problema delicado, e por isso o alvo do nosso protesto não é a vacinação em si, mas a imposição da sua obrigatoriedade por órgãos de Estado e grandes empresas que parecem querer estabelecer uma categoria de cidadãos de segunda classe – os não vacinados – que ficarão impedidos de ir a eventos, frequentar serviços, e terão até direitos básicos cassados. O seu direito de ir e vir, por exemplo, ficará comprometido se o passaporte começar a ser exigido no transporte público e por aplicativos como o Uber. E isso apesar do fato de que poderão estar mais imunizados e menos contagiosos do que os próprios vacinados, como mostram os estudos citados.
O cidadão tem o direito de ter dúvidas sobre vacinas produzidas em tempo recorde e que empregam tecnologias novas de implicações ainda desconhecidas no longo prazo, como as que usam RNA mensageiro. Além disso, poder escolher os meios que lhe parecem mais seguros e confiáveis para cuidar da saúde dos seus familiares também é algo perfeitamente defensável. Mesmo quem acha que tudo sobre a Covid-19 não passa de uma grande conspiração ou um novo experimento de Tuskegee não pode ser simplesmente anulado nos seus direitos e obrigado a tomar a vacina.
Quem não confia nas vacinas e voluntariamente decide, ao menos por hora, recusá-las, está assumindo os ricos da sua decisão para si e para os seus e poderá procurar tomar outras precauções contra a doença. Pode ser que prefira turbinar o próprio sistema imunológico com suplementos vitamínicos, melhorando a alimentação e adotando hábitos saudáveis, como fazer exercícios físicos e dormir bem. O que há de errado nisso?
Por outro lado, quem confia nas vacinas, que é a imensa maioria da população, já está procurando se vacinar, como querem a mídia e as elites burocráticas. E se as farmacêuticas que produziram os imunizantes, mesmo não se responsabilizando por seus eventuais efeitos colaterais, fizeram-nos para cumprir minimamente o que prometem, é um disparate sugerir que os não vacinados poderiam representar algum risco aos que tomaram a vacina.
Logo, a motivação inconfessa para quererem impor o passaporte vacinal só pode ser: submissão e controle! E, como já pontuei em um artigo publicado em setembro na Gazeta do Povo, foi justamente isso o que deu a entender o Ministro da Saúde israelense Nitzan Horowitz no dia 12 de setembro, quando declarou: “A imposição do passaporte em certos lugares é necessária apenas para pressionar o público a se vacinar, não por razões médicas“.
Muito já se falou sobre os precedentes que esse passaporte criaria para uma escalada de mecanismos autoritários de controle estatal e de segregação e estigmatização social, inclusive por parte de grandes empresas que promovem a cartilha do politicamente correto, mas acham um apartheid sanitário perfeitamente compatível com sua agenda progressista e não querem saber de “diversidade” e “inclusão” para quem não se submeter bovinamente aos seus ditames.
Creio ser ponto pacífico que os seres humanos, por sua própria dignidade pessoal, têm o direito de preservar os seus corpos incólumes de qualquer substância estranha, benéfica ou maléfica, que se queira forçadamente inocular neles. A Constituição da República Federativa do Brasil elenca a integridade física como um dos nossos direitos fundamentais:
“Art. 5º Direito à integridade pessoal. 1 Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral”.
Também o Código Civil brasileiro, no artigo 15 do seu primeiro capítulo, estabelece que: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.
Para muitos desconfiados, a vacina representa um risco de vida maior que a doença (e para os que já estão naturalmente imunes, ela de fato pode sê-lo). Portanto, a lei impede que tais cidadãos sejam forçados a receber este tratamento.
Inexiste no atual contexto brasileiro, seja do ponto de vista médico, seja de uma perspectiva ética, razão suficiente que legitime o atropelo desses direitos por entes do poder público ou empresas privadas. Um passaporte de exclusão ou qualquer medida similar que constrangesse as pessoas a se vacinarem constituiria, ao contrário, uma patente ilegalidade.
Dois pesos
O totalitarismo sanitário que temos visto nessa pandemia revela, aliás, um rigor seletivo das autoridades. Quando outras doenças e outros agentes sociais estão em questão, nota-se uma postura diversa quando se trata de equacionar a preservação da autonomia individual sobre o próprio corpo e os cuidados com a saúde pública.
Nunca se falou, por exemplo, em impor restrições e penalidades para coibir comportamentos, eventos e práticas que favorecem a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis. Há décadas temos visto o agravamento da epidemia de AIDS no Brasil, um outro problema sanitário que também onera pesadamente o nosso sistema de saúde e afeta drasticamente a saúde pública no Brasil.
Só em 2020, saíram dos cofres públicos mais de R$ 1,8 bilhão de reais para a compra de remédios do coquetel para portadores de HIV. É um problema antigo e tratado de forma sequer paliativa nas suas causas mesmas.
No começo do milênio, em 2001, o tratamento para soropositivos já custava mais de R$ 300 milhões aos contribuintes brasileiros. Trata-se de uma pandemia que ainda hoje mata pessoas e, só em 2020, mais de 32 mil novos casos de contaminação por HIV foram registrados no Brasil. No total, existem hoje mais de 920 mil pessoas contaminadas pelo HIV no país e as contaminações continuam crescendo, sobretudo entre os jovens e homossexuais. No mundo, são mais de 37,6 milhões de soropositivos, e mais de 35 milhões de pessoas já teriam morrido em decorrência do HIV desde o início da pandemia no começo dos anos 80.
Mas por que governos e prefeituras seguem permitindo – e até incentivando financeiramente – festas como o carnaval, as paradas de orgulho LGBT e a vasta propaganda de condutas de risco que claramente agravam esse quadro? Por que, por exemplo, não internam à força os usuários de drogas injetáveis (um dos principais vetores de transmissão) e começam a exigir exames toxicológicos inclusive de políticos de esquerda, professores e estudantes universitários? Onde estão o lockdown e as restrições pesadas contra motéis, boates e casas noturnas que favorecem a prática de sexo casual?
Todas essas práticas mui liberais e revolucionárias contribuem brutalmente para aumentar as contaminações e mortes por HIV e outras DST’s. Mas nem no auge das mortes por AIDS no país, entre fins dos anos 80 e a primeira década do novo milênio, se falou em medidas tão draconianas como as que muitos estão decretando agora sob o pretexto da Covid.
Ao contrário, as mesmas elites higienistas que reivindicam um verdadeiro estado de controle e vigilantismo contra a Covid rosnaram contra a campanha da ministra Damares Alves em prol da conscientização dos jovens sobre as vantagens da abstinência sexual pré-marital.
Os donos do establishment detestam a ideia de ajudar as pessoas a conquistar mais continência e autodomínio. Isso porque eles cumprem, na verdade, o papel de capatazes da nova escravidão humana: querem submeter todos ao Estado (desde que eles próprios o controlem, naturalmente) e aos impulsos passionais que reduzem o ser humano às formas mais baixas de servidão. Quanto mais gente viciada, manipulável e submissa, melhor pra eles.
Tudo o que confere, de fato, mais autonomia às pessoas, eles são contra e tratam logo de colar a pecha de “retrocesso obscurantista anticientífico” ou coisa que o valha. Pessoas de fato “empoderadas” – pelo conhecimento da realidade e por um virtuoso autodomínio – representam uma ameaça ao domínio dessas elites, pois não compram o discurso e os produtos que elas vendem. E é por isso que elas propagandeiam o tempo todo uma noção invertida de “empoderamento” e de “liberdade”, ligando-os à ideia de dar total vazão a vícios como a cobiça, a vaidade e a luxúria.
São essas mesmas elites (acadêmicas, políticas, econômicas, midiáticas, etc) que hipocritamente invocam a “autonomia da mulher sobre o próprio corpo” quando defendem a legalização do aborto, fingindo ignorar que ali se trata do corpo e da vida de um outro ser humano, de uma pessoa inocente que merece viver e ser amada ou, pelo menos, tolerada pela mãe até o nascimento.
Ocorre, porém, que a proibição do aborto, assim como a promoção da castidade, desfavorece a libertinagem insuflada por eles através da cultura do sex lib e dificulta a manobra das massas. Para entender bem essa questão, é indispensável a leitura da obra Libido Dominandi: libertação sexual e controle político, de E. Michael Jones. Ali o autor explica como os donos do poder sempre usam as paixões humanas como mecanismos de controle – vide a manipulação do medo, esta paixão que Hobbes já elegia como a mais primitiva e fundamental de todas, durante essa pandemia.
Mas, voltando ao nosso problema central, será que é razoável que os “vícios individuais” que atentam diretamente contra a saúde pública sejam tratados como direitos sagrados e intocáveis – e até dignos de apoio político e de generosas verbas –, enquanto o simples e básico direito de não ser forçado a um tratamento experimental controverso, arriscado e de eficácia questionável é desprezado e suprimido? O que há aqui senão uma escandalosa inversão de valores?
Quer dizer que o Estado deve proteger a “autonomia” de uma mulher que quiser transar com vinte homens no carnaval, transmitir DST’s para 15 deles, e depois abortar a criança concebida nessa loucura, mas não deve defender a sua autonomia se ela não quiser ser inoculada com vacinas experimentais?
Deve, em vez disso, obrigá-la a tomar a picada, mesmo que ela dificilmente seja uma potencial vítima ou vetor de contágio de uma doença que já pegou e se curou meses atrás? Ela é livre para espalhar DST’s e contrair uma gravidez que resultará em infanticídio, mas não é livre para rejeitar um tratamento invasivo do qual ela não precisa?
Quando foi que a libertinagem irrestrita se tornou um valor mais inatacável que o direito de cuidar da sua própria saúde com os recursos de sua preferência? Como chegamos a esse ponto?
E as tais “liberdades democráticas”?
Estamos num contexto absolutamente anômalo em que a mórbida sujeição às paixões vai se tornando cada vez mais a regra geral, enquanto as legítimas liberdades da pessoa humana estão sendo canceladas. Pensemos no Canadá, por exemplo, onde há exigência de passaporte da vacina até para fazer viagens domésticas e, pasme, entrar em lanchonetes, mas as pessoas, por outro lado, são proibidas de buscar voluntariamente um simples tratamento psicológico de reparação sexual que contrarie a hegemônica ideologia LGBT.
Também há claros “princípios liberais” e “direitos trabalhistas” em xeque nessa questão. O que houve com os clamores pelo “fim da discriminação contra minorias”? É ético que a minoria dos não vacinados seja cancelada e desumanizada?
Onde estão as reivindicações progressistas pelo “direito ao trabalho”, o “direito a não ser demitido sem justa causa” e as tais “liberdades democráticas”? O próprio fato de o partido Novo ter entrado no STF contra a recente portaria do Ministério do Trabalho (já anulada por Barroso) que impedia a demissão de trabalhadores não vacinados por empregadores adeptos da ditadura covideira, e de deputados do PT também terem se mobilizado para derrubar essa portaria que visava proteger os trabalhadores, nos diz muito sobre o verdadeiro caráter do “liberalismo” e do “trabalhismo” desses políticos liberais e petistas.
Onde isso vai parar? Só Deus sabe. Mas o fato é que o rigorismo sanitário dos que querem impor o tal “certificado de imunização” só se explica quando enxergamos, como finalidade velada, o recrudescimento do controle social como um fim em si mesmo. Contudo, mesmo percebendo essa intenção camuflada, muitos preferirão simplesmente obedecer. E é preocupante recordar que, historicamente, a crescente sujeição da população a regras autoritárias e pouco consensuais nunca resultou em mais democracia ou numa melhor relação entre o Estado e os cidadãos.
A China é logo ali.