Há entre as ideias modernas certos postulados que se impregnaram tanto em nossos pontos de vista, em nossos costumes e em nossos pensamentos, que às vezes se tornam muito difíceis de descobrir. Um deles é a ideologia liberal da qual ninguém está imune; e muitíssimo menos alguns jovens que tentam se opor a esta ditadura global que em nossos dias se ergue diante de nossos narizes.
“Liberais”, “anarco-liberais”, “liberais-libertários” e vários outros matizes fervem hoje como as tribos urbanas dos anos 80. E todas, sinceramente cremos, com a melhor das intenções.
Há outro ponto que também gera confusão. Em muitos ambientes, quando se fala de “liberalismo”, por se tratar de uma corrente que tem sua origem no iluminismo e no materialismo francês, é impossível que as pessoas o entendam para além do que é meramente econômico… Ou seja: “liberal”, para alguns, é sinônimo de “economia de mercado” ou de “capitalismo”, e isso porque são incapazes de transcender a matéria. O problema é mais complexo e mais profundo. O liberalismo é uma ideologia que, como todas, atrai pelo bem que possui e não pelo mal (pois o mal, per se, não atrai).
A obra O Liberalismo é Pecado de Sardá e Salvany, neste sentido, é de importância crucial.
Assim, antes de tudo, definamos, porque o termo “liberal” arrasta consigo, logo de início, uma equivocidade e confusão semântica poucas vezes advertida: “liberal” pode referir-se tanto a uma mulher com roupas largas quanto ao homem generoso e dadivoso; liberal é tanto uma doutrina econômica quanto um católico que vive sua Fé “como ele a sente”.
Neste sentido, “liberal” pode ser alguém, de direita ou de esquerda, se entendermos por isto que ambos defendem que o ponto de partida indiscutível é ou a matéria livre, ou a liberdade, ou o homem, ou uma simples ideia; tudo o que está sob a razão do “princípio de imanência”.
Porque, sem delongas: quando não se começa a partir de Deus, começa-se a partir do homem e de suas próprias ideias ou sensações. Daí que, como dizia Santo Agostinho, “caído de Deus, caído de ti mesmo”. Por isso que o liberalismo e o comunismo, embora pareçam posturas antagônicas, são duas faces de uma mesma moeda, e ambos podem ser englobados naquilo que hoje se chama, genericamente, “progressismo”.
Se o homem afirma mais sua individualidade, sua liberdade de modo independente à ordem natural ou às leis divinas, então tenderemos a um liberal; mas se enfatiza mais a matéria, o estado, o controle da religião, etc., tenderemos a um comunista. Porém, ambos estarão, por caminhos diversos, de acordo nisto: o EU como ponto de partida de tudo.
Neste sentido, o liberalismo proclama a autossuficiência do homem no que diz respeito à reta razão e à Revelação. E tudo isso – como sempre – fazendo uso louco de palavras como, neste caso, a liberdade, esse “dom excelente da Natureza, próprio e exclusivo dos seres racionais que confere ao homem a dignidade de estar de posse de seu arbítrio e de ser dono de suas ações” (Leão XIII, Libertas). Na verdade, isto é o principal da liberdade: ser dono de nossos atos a partir da inteligência conforme à verdade.
Porque só o homem é capaz de seguir ou não seus próprios instintos, suas próprias inclinações – ou não – a partir daquilo que capta como bem e tendo como motor sua vontade que, quando elege se mover ou não se mover, se denomina liberdade, ou seja, a vontade em movimento guiada pela razão.
Contudo, a inteligência por acaso sempre obra bem? Sempre alcançar a verdade? Por acaso a vontade sempre deseja o que é bom?
Claro que não; sabemos por experiência que tanto a vontade quanto a inteligência podem equivocar-se, pois são faculdades imperfeitas no homem. Daí que muitas vezes certas coisas se apresentem a nós sob a aparência de bem, segundo aquilo que disse São Paulo: “Não faço o bem que quereria, mas o mal que não quero” (1Rm 7,19).
Uma amizade que não era tal, uma paixão que ao fim nos fez errar, um sentimento do qual nos arrependemos, nos faz pensar que, ao fim das contas, não somos perfeitos; porque há certas eleições que o homem faz que, não somente nos tornam pior, mas até mesmo “menos homens”, menos racionais, menos livres.
Por isso o mau uso da liberdade pode nos fazer escravo, enquanto pensamos que somos livres. Daí que os antigos dissessem que somente o sábio era livre, entendendo por sábio aquele que tinha aprendido a viver segundo a natureza racional, segundo a virtude.
Pois bem; até aqui então temos que ser livre implica viver verdadeiramente como homens que seguem os ditames da razão e do apetite racional, apesar de termos a nossa dose de equívoco. Esta é a “má levedura” de que falava Rubén Darío, ou o pecado original de que nos falam as Sagradas Escrituras, o que, muitas vezes, nos desvia da virtude, do bem, da verdade e da beleza.
Portanto, a liberdade não é um valor absoluto, mas relativo, relativo à verdade que nos torna livres (Jo 8,32). Neste sentido, a obra de Sardá y Salvany é algo de crucial importância para que se evite confundir o alimento nutritivo com aquelas homéricas flores de loto.
Veritas – quae Christus est – vos liberavit (Jo 8, 32).
Fonte: Que no te la cuenten