O que há, com efeito, repito, por detrás dos “erros da Rússia”, do marxismo em geral, do liberalismo revolucionário iniciado na Revolução Francesa, mesmo do Protestantismo, do Modernismo, e ainda do Capitalismo e tutti quanti?
Há quase um mês (no dia 11 de fevereiro), a Santa Igreja celebrou a memória litúrgica das aparições de Nossa Senhora de Lourdes, manifestação providencial da Imaculada pouco tempo após a proclamação do dogma que lhe justifica esse inequívoco predicado por Sua Santidade, o Papa Pio IX, em 1853.
As aparições de Lourdes, na França, junto com as outras duas principais do século XIX, a feita à irmã Labouré (Nossa Senhora das Graças da Medalha Milagrosa) e a de La Salette, que antecederam a mais significativa do século passado, a de Fátima, enfatizam a pureza inabalável da Santíssima Virgem pelo estado extraordinário em que Deus a criou, além do fato de ela, que é a mais perfeita dentre todas as criaturas, ser verdadeiramente nossa mãe.
Insistem também na necessidade de penitência pelos nossos pecados e de conversão efetiva, real, mediante uma total e sobrenatural adesão a tudo quanto ensina a Santa Igreja Católica, sem deixar-nos abalar ou desviar pelos nefandos enganos do mundo, que andam paralelamente aos de Satanás como a seu coprincípio pessoal.
Efetivamente, todo o clamor das profecias de Fátima e de La Salette convergem a um único fim: a salvação das almas. Não se trata, pois, de conjectura política elevada a grau de infalibilidade, mas de participação no conhecimento divino do percurso que há de trilhar a história em se furtando o homem às exigências hic et nunc do Criador.
Todo o desenrolar natural das peripécias históricas não se dá senão sob os auspícios da Providência, razão pela qual, para além da superficialidade em que podemos deter-nos ao contemplá-las tão somente desde o âmbito natural, se digna Deus recordar-nos que a fé teologal nos impõe mais vasto horizonte.
Um dos alertas proféticos de Fátima diz que a Rússia espalhará seus erros pelo mundo. E por que isso é tão importante? Para alguns, parece mera conveniência política ornada de espiritualidade, com o fim de desacreditar mais irrevogavelmente as chamadas “almas simples e incrédulas”. Na verdade, em última instância o objeto central dessa profecia está, como dito acima, na salvação das almas.
Uma nação não se corrompe abstratamente; ela é constituída de elementos essenciais, sem os quais se dissolve num aglomerado social sem face; e esses elementos, ao corromper-se com o princípio-motor da nação, adquirem o perverso semblante que os corrompeu em corrompendo aqueles que, munidos de autoridade civil ou eclesiástica, segundo seu estado e papel histórico, não “fazem chegar até a orla do manto social o óleo a escorrer por entre a barba de Aarão”.
Os maus reis de Israel pervertiam o povo, que os imitava e lhes seguia os passos, conduzindo-os à idolatria, enquanto os bons — e foram poucos — reformavam os costumes e faziam prosperar a nação pela precedente conversão a que se davam seus integrantes.
E o que sucede? Salvou-se Israel? Podemos ser mais precisos e dizer que se salvaram os israelitas justos, mas e a nação de Israel? Pode salvar-se uma nação, sobrenaturalmente, mesmo se admitindo que alguns de seus elementos se tenham perdido? — A resposta a essa difícil questão é um sim enigmático. No transfundo do qual se tem que uma nação, enquanto agente histórico eleito por Deus — como o mesmo Israel ou as filhas primogênitas da Igreja, França e Espanha —, ela apenas tem unidade real e efetiva enquanto subsiste no Corpo Místico de Cristo, a Igreja; o mais é farelo e pó.
Se Israel se salvou é porque permaneceu existindo enquanto Israel, ou seja, enquanto esta nação específica com uma identidade e missão, traduzidas aqui no nome “Israel”; se ele não se salvou é porque deixou de subsistir enquanto agente histórico efetivamente unido e subjacente ao nome que lhe designa a finalidade que lhe justifica a existência. O homem não é homem quando peca, o eu não se encontra a si mesmo no pecado, pois não se vê ao dissolver-se no nada; e uma nação não o é se for esfarelada pela dissolução, pois não há real unidade fora de Deus. Eis o elemento radical da subsistência das nações.
Paralelamente, o imenso território da Rússia, com todos os seres humanos ali presentes, com sua história milenar e inundada de Santos, não é uma peça insignificante num jogo de cartas. São milhões e milhões de almas imortais que se podem perder pela eternidade por não serem quem são. E quem são? — Pessoas chamadas à santidade, à vida eterna, a refletirem a face de Cristo; o mesmo se dá com as nações.
Deus pode, é certo, mudar o plano da história, mas Ele não violenta a liberdade corrompida do homem nem consente com os soberbos desígnios humanos de cá instaurar novamente o Éden; pelo caminho do sofrimento e dos espinhos atrai-o a Si, em uso pleno de sua liberdade.
Ora, se nossa sacrossanta religião resistiu ao Império Romano com o sangue dos mártires e pela proclamação valente da fé, não seria somente a fim de pensarmos estratégias bélicas que Nossa Senhora nos alertou dos erros da Rússia.
A vitória cristã é sobretudo espiritual (o que não suprime seu caráter social, inseparável da vida naturalmente), e por isso a essência dessas profecias é espiritual; trata-se da disseminação do império de Satanás. Não pretende livrar-nos dos sofrimentos deste vale de lágrimas, mas do Inferno.
O que, então, está por detrás dos “erros da Rússia”, das “modas que muito ofenderão a Jesus Cristo” e tudo o mais que se compreende na mensagem de Fátima? — Como vimos, os enganos de Satanás, uma mentalidade perversa, mundana, que promete um Éden instaurado nesta terra por forças humanas, que promove a absolutização da liberdade e a dissolução total da submissão natural e sobrenatural do homem a Deus, seu criador.
Por exemplo, as “modas” — modos exteriores de ser — que surgiram no século passado e, qual um vírus potente, continuam a alastrar-se em graus de absurdidade cada vez maiores são uma clara manifestação disto, duma mentalidade serpêntica, anticatólica e contra natura. Nascem da dissolução do eu, da reivindicação de ilusória liberdade e autonomia absolutas do homem, e da determinação do sentido do corpóreo.
Como uma “antigraça”, são segundas naturezas, modos de ser cuja operação é um olor nocivo e tentador, porque não têm outra finalidade que não o mostrar-se, o afirmar-se quimérico de uma glória vazia. Esses estilos, essas roupas imodestas, extremamente chamativas e vulgares e expositivas atentam contra a pureza e a Beleza, degradam a dignidade sublime da mulher, santuário em que se dá o milagre da vida, pelo que novamente Satanás entra na história repetindo seu primeiro ato contra a humanidade: a primeva tentação a Eva, que ulteriormente tentou o seu esposo.
E, enquanto as almas advogam essa falsa liberdade de serem tudo e nada ao mesmo tempo, o que se vê é que, pela alienação massiva dos corações, pensando-se em tronos de marfim e elevados às alturas mais inalcançáveis, essa soberba cega é utilizada por uma soberba mais astuta, a do demônio, que, através da ambição daqueles que, sendo ímpios, detêm o caminhar das nações, lhes infunde uma soberba que se assemelha à sua, quer dizer, astuta, dissimulada, calculista e prudente — duma prudência carnal, como diria o Apóstolo.
Aqui, entramos numa interpretação teológica da história. O que há, com efeito, repito, por detrás dos “erros da Rússia”, do marxismo em geral, do liberalismo revolucionário iniciado na Revolução Francesa, mesmo do Protestantismo, do Modernismo, e ainda do Capitalismo e tutti quanti?
A resposta está escondida nas Sagradas Escrituras: o que ocorreu após o dilúvio, e que ocorrera já em Caim: a tentativa do homem de tornar-se autossuficiente e sua própria providência, senhor da sua felicidade, ainda que para isso se tenha de tornar algoz dos seus irmãos.
Em última análise, uma rebelião social contra Deus: Caim funda a primeira cidade, signo dum núcleo de segurança e concentração de um poder pelo qual se pode alimentar essa pretensão divina; Ninrode promove a construção de Babel, à custa de muitas almas, prometendo salvá-las de uma nova catástrofe global, salvá-las do próprio Deus.
Sodoma e Gomorra consideram-se, elas próprias, um antro de felicidade, e por isso o são de corrupção moral ao extremo; Ramsés II, supostamente filho do deus Sol, considera-se detentor da vida e da morte a tal ponto que, para manter seu império e em segurança o seu povo — cuja subsistência garante a sua —, não hesita em sacrificar os meninos hebreus.
Não se vê aí sempre a mesma essência, a mesma tentativa de imperar, quer sobre si mesmo quer sobre os demais, em sentido negativo e diabólico, sem qualquer submissão a Deus? Isso não encontra sua máxima realização no Império Romano, cuja sombra, a pairar pela história, nunca deixou de excitar os corações à mais irracional ambição de glória?
Não somente a Rússia, mas todas as nações que buscarem fortalecer-se à revelia de Deus imitarão um Caim, Ninrode, Ramsés II, Nabucodonosor, Alexandre Magno, Júlio César, Herodes, Nero, Diocleciano, Átila, Abderrahmane, Felipe, o Belo, Napoleão, Hitler, Stalin etc. em perseguindo a santa e única religião verdadeira, em obstruindo o seu culto divino e prometendo a felicidade já nesta vida, pelo poder unificado, pelo acúmulo de riquezas, pela ilusória onipotência dos exércitos e recursos humanos.
Eis aí a mensagem de Fátima, eis Nossa Senhora que nos pede penitência, conversão e confiança em Deus para vencermos o mundo, o demônio e a carne, nesses dias que precedem a Quaresma e nos quais vemos, atônitos, esvair-se a falsa paz que se supunha impávida no mundo, uma vez que não há verdadeira unidade entre as nações.
Estamos em guerra, sempre estivemos, e ela é espiritual. Rezemos pelas almas aflitas, pelos inocentes que padecem as terríveis e implacáveis injustiças da guerra, da soberba humana. O que estamos a ver na Ucrânia sempre ocorreu na história humana, mas não por isso é coisa admissível; nosso papel é valentemente santificar-nos e ser soldados de Cristo.
Assim seja.
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Por ocasião de tanto se falar na possibilidade de estarmos à eminência de uma terceira guerra (independentemente de quão provável isto seja), parei a refletir acerca do seguinte.
Diariamente somos tentados pelo demônio quer a pecados pequenos, quer a grandes. E também por nossa fraqueza e insujeição do corpo à alma somos levados ao pecado. Sem falar das tentações do mundo. Ou seja, somos atacados por três inimigos ao mesmo tempo.
É uma graça muito grande, como diria Santo Agostinho, que não cometamos os pecados mais hediondos, os mais abjetos, como os que cometeram genocidas no passado, um Diocleciano, um Nero… Devemos ser gratos tanto pelo bem que fazemos quanto pelo mal que não fazemos, porque ambas as atitudes são graças divinas.
Pois bem, qual é a via por onde mais tranquilamente “entra” na alma o demônio? Simples: pelo orgulho. É pela soberba que todas as ações se justificam como legítimas, que os fins legitimam os mais perversos meios…
E em que indivíduos se nota em toda a história maior soberba, senão naqueles que detêm o poder, a primazia de um império, de uma grande nação? Eles têm às suas mãos um exército inteiro, riquezas e súditos; se um pobre a dormir debaixo dum viaduto pode sentir-se um deus em seu interior, exaltar-se a si mesmo em atos ínfimos e em sua condição lastimável, quão não é tentado à mesma coisa um indivíduo poderoso? Ademais, a ambição desmedida não é senão uma extensão da soberba à ação impositiva, determinante, “criativa”, sobre a realidade externa.
Vemos exatamente isso em Putin, no ditador da Coreia do Norte, no da China… E não é diferente, certamente, com um Biden da vida.
Será que esses indivíduos não são tentados a exterminar duma só vez, por ímpetos de cólera e de orgulho, inúmeras nações? Será que não sentem arder em seu peito a necessidade de finalmente extrapolar as fronteiras da ilusória paz que há décadas se crê haver e dar lugar às reais intenções por detrás das razões políticas e de segurança aparentemente legítimas?
“Ah, mas ninguém tem coragem de iniciar uma terceira guerra: isso está vedado pelo princípio de destruição mútua”. Não o nego que isto tenha grande peso na manutenção estável da tensão e, sim, instabilidade intensas em que se encontra o cenário mundial. Mas nem a morte, nem o prazer, nem a ameaça, nem a estupidez absoluta, nada no mundo é capaz de frear a soberba humana a não ser Deus. Não será a ameaça de uma destruição mútua ou a idiotice duma ação suicida razão suficiente para impor ao coração humano uma barreira de ação intransponível. E isso vemos constatado de várias formas ao longo da história, uma mais incrível que a outra.
É evidente que, estando as nações em condição de destruir-se mutuamente e impor ao mundo uma catástrofe jamais vista na história, tornando-o inabitável e extinguindo a espécie humana, não permitirá Deus que isso seja feito antes do tempo determinado pelo Pai para o Juízo Final. Não é a soberba quem o decidirá, mas a verdadeira onipotência: a do Criador e Redentor do cosmos.
E, entretanto, sendo Satanás pai da mentira, da morte eterna e das trevas, ele, junto com seus demônios, busca a todo custo desencaminhar a ação providencial de Deus, conduzindo o homem à destruição, à guerra, ao extermínio mútuo, enfim ao pecado. Uma guerra, com efeito, é ocasião em que milhões e milhões de almas podem precipitar-se ao Inferno duma só vez. É óbvio que os demônios farão tudo o que puderem para tentar alguém como Putin, Biden ou seja lá quem for a cometer a maior das idiotices.
É na verdade um milagre que isso não aconteça, ou ainda não tenha acontecido. É um milagre que homens soberbos, tentados de tantas formas, não tenham já posto o mundo numa nova guerra. Deus impede a ação do demônio em grande parte, sobretudo em semelhantes casos. Impediu que Judas traísse antes do tempo previsto a Nosso Senhor; impediu que os judeus o matassem antes da hora.
O Senhor certamente o faz por intermédio de seus anjos, particularmente São Miguel, a frear a ação diabólica nas almas. Porque, repito, não é o homem que porá fim à história, mas o Senhor e Rei da história, Jesus Cristo, nosso Senhor.