Introdução
O século XIX foi um período de grandes tensões entre a Santa Igreja Católica e os liberais. A perseguição iniciada no período da Revolução Francesa espalhou-se por toda a Europa, fazendo com que a Santa Igreja precisasse se reorganizar para fazer frente a todos os principais desafios daquele século. No entanto, é necessário observar que, mesmo dentro da Igreja, começou alguns movimentos no sentido de acomodação entre o catolicismo e o espírito liberal. Nesse artigo, o objetivo é apontar para as forças em embate no século XIX e as consequências para o catolicismo, principalmente na Europa.
A Revolução Francesa e a Santa Madre Igreja
A Revolução Francesa marca um momento de grande turbulência naquela que é a primeira pátria católica de toda a Europa. Em 1789, os revolucionários maçons se articulam para colocar termo ao Antigo Regime e estabelecer uma monarquia constitucional. Além disso, mais do que realizar uma mudança de regime, a Maçonaria deseja controlar a Igreja Católica e fazer com que o laicismo seja estabelecido no país. Assim sendo, em 1790, os revolucionários obrigam o rei Luís XVI a assinar a famigerada Constituição Civil do Clero[1]. É um golpe duro em Roma, uma vez que o clero passará a ser dependente da aprovação do poder temporal.
Como se não bastasse a perseguição ao clero da Santa Madre Igreja, os revolucionários queriam quebrar a oposição dos franceses que se mantinham fiéis ao rei Luís XVI e não obedeciam às ordens dos revolucionários. Nesse sentido, na região do Vale do Loire, católicos ortodoxos se juntam para fazer frente ao liberalismo, dando início a chamada Resistência da Vendeia, um dos momentos mais marcantes da luta contrarrevolucionária do século XIX. O conflito tem início, em 1793 e termina no ano de 1796, com a vitória dos revolucionários. No entanto, apesar da derrota, os católicos franceses conseguem mostrar força e a revolução passa a ter problemas para ser implementada.
Na esfera eclesiástica, o que se observa é a destruição de grande parte dos monastérios, dos seminários, dos conventos e da perseguição às ordens religiosas. Tudo isso com o objetivo claro de fazer com que o catolicismo seja varrido da França. Tal é a virulência da Maçonaria que, em 1793, os revolucionários invadem aquela que é a joia da Cristandade, a Catedral de Notre Dame de Paris para a realização de uma festa, com símbolos pagãos e orgias em cima do altar. A chama “festa do Ser Supremo”, mostra que a sanha anticatólica dos revolucionários. Como resultado, o catolicismo na França fica, severamente abalado e, até os dias de hoje, não conseguiu se rearticular plenamente.
Com o Império de Napoleão Bonaparte, a França precisa assinar uma concordata com a Santa Madre Igreja, uma vez que os revolucionários estavam em um contexto de guerra e expansão dos ideais revolucionários por toda a Europa. A concordata fazia com que a Constituição Civil do Clero fosse revogada e o Papa Pio VII tornar-se-ia o arcebispo de Lyon. No entanto, entre 1789 a 1801, o estrago realizado pelos revolucionários franceses foi tão grande que a Santa Madre Igreja precisaria de muito tempo para se reestruturar na França.
Como desfecho da Revolução Francesa, tem-se a queda de Napoleão Bonaparte, a volta dos Burbons como dinastia real no país e a restauração de uma ordem política na Europa. No entanto, os ideais revolucionários se espalharam para todo o continente europeu, fazendo com que as forças anticatólicas encontrassem terreno fértil para implementar a agenda nefasta contra o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim sendo, é fundamental observar quais foram esses movimentos e qual foi a resposta a da Santa Igreja Católica os grandes desafios do século XIX
A situação na Itália
A Península Itálica, na década de 1840, era dividida entre diversos reinos, sendo que Roma era a capital dos Estado Pontifício. Com o surgimento do nacionalismo e das ideias liberais maçônicas, o primeiro ministro[2] do Reino do Piemonte Sardenha começa a se articular para realizar a unificação de toda a península com uma única nacionalidade. Baseando-se nos escritos da Alta Venda Carbonária, Camilo Cavour nota que a Áustria é um grande inimigo e, com isso, precisa empreender uma guerra contra aquele país, uma vez que o norte da península era governado por Viena.
Em 1849, Cavour declara guerra ao Império Austríaco, porém não obtém nenhuma vitória no conflito, precisando se rearticular internamente para buscar uma nova oportunidade de atuação. A oportunidade de crescimento do Reinado do Piemonte e Sardenha vem, em 1855, no contexto de Guerra da Criméia. Com o França sendo governada por Napoleão III, Cavour viu a oportunidade de se aliar à França e a Grã-Bretanha e, com isso, conseguir apoio internacional para entrar em uma guerra contra a Áustria. Na Convenção de Plombiers, Cavour e Napoleão III selam as cláusulas do acordo e, com isso, a maçonaria italiana conta com apoio internacional para agir.
Em 1859, Camilo Cavour lança ofensiva contra o Império Austríaco, com o apoio de Napoleão III. Após a conquista da Lombardia, Cavour começa a se direcionar contra o Estado Pontifício. Nesse momento, a França retira apoio ao Reinado de Piemonte e Sardenha, uma vez que os católicos ortodoxos faziam pressão em Napoleão III, uma vez que era necessário manter Roma sob o comando da Santa Sé. Assim sendo, a França manda tropas para a Cidade Eterna[3] e, consequentemente, não há ocupação pelos italianos da cidade. Em 1860, Cavour se encontra com Giussepe Garibaldi e realizam um acordo para que toda a península seja unificada aos moldes de uma monarquia constitucional liberal. Em 1861, a Itália é unificada sob o reinado de Victor Emmanuel II
A cidade de Roma só será ocupada pelos italianos, em 1871, no contexto de Guerra Franco Prussiana. As tropas francesas precisam sair de Roma para ajudar no front contra a Alemanha. Consequentemente, a maçonaria italiana encontra a oportunidade perfeita para sequestrar a Santa Sé. O Papa Pio IX, nesse contexto de grande turbulência, não aceita o acordo proposto pela Alta Venda, permanece na cidade e, com isso, há uma situação de impasse sobre a questão. Somente, em 1929, com o Tratado de Latrão é que a Questão Romana será resolvida.
A situação na Itália, a partir do momento em que Victor Emmanuel II assume o poder é de implementação de uma monarquia constitucional, aos moldes liberais, e a completa secularização da Itália. Aos poucos, o que se nota é que a Península Itálica passa por um momento de aprofundamento do liberalismo, principalmente no Norte, região que conseguiu se colocar de forma mais intensa no capitalismo. Assim sendo, a Itália entra em um momento de grande confusão cultural e social, sendo esse fato um dos principais problemas para a estabilidade italiana, até os dias de hoje.
A situação na Alemanha
A situação do catolicismo na Alemanha deve ser entendida em um plano mais abrangente dos acontecimentos políticos e sociais que aconteciam na região central da Europa. No século XIX, intelectuais como Johann Gotfried Herder e Immanuel Kant estavam buscando uma identidade alemã. É preciso lembrar, nesse ponto, que a Europa Central, desde o século XVI, estava em profunda fragmentação em decorrência da Revolução Protestante, das guerras dos condados germânicos e da Guerra dos Trinta Anos. Tudo isso fez com que houvesse uma crise de identidade no pensamento germânico.
Herder e Kant são expressões fundamentais do romantismo que, por meio de uma exacerbação dos sentidos, passaram criar uma cultura sentimentalista, anticatólica e com ênfase na ideia de uma “germânia” triunfalista. Nesse contexto, outros autores como Schlegel, Tiek, Novalis e Horderlim enfatizavam o medieval germânico, porém sem a visão católica. Todo esse movimento criou o pangermanismo. Dentro dessa ideia de tentar unificar os alemães, vemos dois movimentos: o movimento de 1948 e Otto Von Bismarck. O primeiro tentou unificar os alemães por meio da economia e de uma monarquia constitucional, porém não obteve sucesso, já Bismarck foi o grande responsável pela criação da Alemanha.
A base cultural e política de Otto Von Bismarck era a nobreza Juncker da Prússia, uma nobreza protestante, profundamente anticatólica e que queria um estado forte. A partir de 1862, quando Bismarck assume o poder na Alemanha, ele disse que a unificação seria feita com “ferro e sangue”. Em primeiro lugar, ele sabia que o projeto teria dois grandes inimigos: Áustria e França. Nesse sentido, ele começa a empreender movimentos diplomáticos e políticos para que ambos países declarem guerra a ele. Em primeiro lugar, a Áustria é vencida, por conta de uma manobra política nos condados de Schelswig-Holstein[4], depois, a França é ludibriada pelo Telegrama de Ems[5].
A unificação da Alemanha é completa, em 1871, quando ocorre a assinatura da Paz de Versalhes e Guilherme I é coroado como primeiro rei da Alemanha. No entanto, Bismarck terá problemas para organizar a Alemanha, uma vez que o sul é católico e o norte é protestante. Nesse sentido, Bismarck inaugura um movimento chamado de kulturkampf. Esse movimento consistia em fazer com que a visão protestante de estado prevalecesse na Alemanha. Assim sendo, o governo alemão empreendeu diversas iniciativas contra a Santa Igreja Católica.
A kulturkampf consistia em uma série de medidas contra a autoridade da Igreja. Nesse sentido, em um primeiro momento, todos os membros da Companhia de Jesus[6] foram expulsos da Alemanha. Outra iniciativa empreendida por Bismarck foi a anulação da validade dos casamentos celebrados na Santa Igreja Católica. Nesse sentido, nota-se que o governo alemão queria ter o controle dos vínculos matrimoniais, deixando de lado o Sacramento do Matrimônio. Por fim, o governo controlou os seminários católicos, fazendo com que houvesse o monitoramento de todas as aulas.
O objetivo era muito claro. Era reduzir a influência do catolicismo, principalmente na Baviera, neutralizar o Partido Católico e conseguir fazer com que a Alemanha fosse um estado laico. No entanto, por conta do crescimento do comunismo, principalmente pela Primeira Internacional (1864-1870) e a ameaça de comunismo na Alemanha, fez com que Bismarck tivesse que tolerar o Partido Católico Alemão e acabar com a pressão sob a Santa Igreja Católica. Nesse sentido, a kulturkampf fracassou.[7]
A situação na Península Ibérica
A Península Ibérica sofreu, também, com as avalanches liberais anticatólicas que balançou o continente europeu, no século XIX. No entanto, é necessário colocar as suas peculiaridades, uma vez que os movimentos foram, em alguma medida, mais controlados e o desfecho foi, relativamente, mais brando do que no restante do continente. Porém, o catolicismo sofreu revezes de longo prazo que dificultaram a reorganização da Santa Igreja Católica nessa região da Europa.
Em Portugal, em 1820, eclode a Revolução Liberal do Porto que tem como objetivo principal o estabelecimento de uma monarquia constitucional aos moldes britânicos. O que os revolucionários queriam era acabar com o Antigo Regime e fazer com que Portugal se colocasse como uma nação liberal-maçônica. Depois de dois de discussão a respeito de uma nova constituição, é promulgada, no dia 23 de setembro de 1822 uma constituição que coloca Portugal em compasso com todo o avanço liberal na Europa.
É importante notar que, entre 1834 a 1910, o reino de Portugal aderiu, completamente, ao liberalismo político, porém mantendo o regime monárquico. Para o catolicismo português, no entanto, esse momento foi de grande perda intelectual, espiritual e de influência na sociedade portuguesa, fazendo com que Portugal se colocasse em uma situação de grande dificuldade. Só será, no início do século XX, que algumas iniciativas católicas surgem para poder realizar a contrarrevolução.
Na Espanha, a situação política e social é marcada em torno da chamada Constituição de Cádiz de 1812 e, também, a respeito do reinado de Fernando VII. A constituição de Cádiz estabelece um governo liberal, porém entre os anos de 1812-1834, a situação na Espanha é bastante instável, fazendo com que o desenvolvimento da política liberal seja combatido com maior veemência. É, dentro desse contexto, que surge o movimento Carlista, profundamente antiliberal e católico que buscou fazer frente ao desenvolvimento do liberalismo no pais.
Na Espanha, durante todo o século XIX, o liberalismo penetrou na sociedade espanhola, fazendo com que houvesse uma diminuição do ímpeto de estabelecer o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo. No entanto, o Movimento Carlista tomou forma em boa parte da sociedade e o embate na Espanha foi muito mais aguerrido. Assim sendo, nota-se um catolicismo, na sociedade, mais forte.
Conclusão
O século XIX foi marcado pela Revolução Francesa e seus desdobramentos na Europa inteira. Com o avanço do liberalismo, da maçonaria, do protestantismo e das forças revolucionárias, a Santa Madre Igreja viu-se em uma situação de enfrentamento. No entanto, o século XIX marcou, profundamente, a história da Santa Madre Igreja, fazendo com que seja necessário entender o século XIX à luz da história eclesiástica. No próximo artigo dessa série, será sobre a posição da igreja nesse contexto todo.
Notas:
[1] A Constituição Civil do Clero tinha como objetivo criar um “clero oficial”, respaldado pelo poder temporal, fazendo com que não houvesse críticas ao processo revolucionário. No entanto, muitos padres não aderiram e se mantiveram fiéis à Santa Sé. Na literatura, eles são conhecidos como o “clero refratário”
[2] Camilo Cavour era o primeiro ministro do Reinado do Piemonte-Sardenha no contexto de unificação italiana e ele é um dos grandes articuladores da Alta Venda, loja maçônica na Itália. Para mais informações, ver o livro “A Conjuração Anticristã” do Monsenhor Henri Delassus.
[3] Outra forma de se referir a Roma.
[4] Os condados de Schelswig-Holstein foram conquistados por Bismarck, mas com a ajuda da Áustria, depois, em um jogo diplomático, a Áustria foi enganada e, com isso, declarou guerra à Prússia.
[5] Telegrama enviado para a França, na qual Bismarck utiliza-se do maquiavelismo político para humilhar a França e forçar um conflito
[6] É interessante notar que a Companhia de Jesus foi responsável pela conversão de diversos protestantes ao catolicismo.
[7] Ver Edward McNall Burns “História da Civilização Ocidental”.