Quem realmente quiser escutar o que o Espírito diz à Igreja não confiará em inspirações espiritualistas nem em banalidades ideológicas “woke”, senão que depositará toda sua confiança, na vida e na morte, unicamente em Jesus, o Filho do Pai e o Ungido do Espírito Santo.
“Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas” (Ap 2,11). Esta passagem da Escritura é citada com frequência para justificar uma suposta “Igreja sinodal”, um conceito que, ao menos em parte se não completamente, contradiz a compreensão católica da Igreja. Facções com segundas intenções sequestraram o princípio tradicional de sinodalidade, que implica a colaboração entre bispos (colegialidade) e entre todos os crentes e pastores da Igreja (baseado no sacerdócio comum de todos os batizados na fé), para promover uma agenda progressista. Ao dar um giro de 180 graus, busca-se que a doutrina, a liturgia e a moralidade da Igreja Católica sejam compatíveis com uma ideologia neo-gnóstica e “woke”.
Suas táticas são notavelmente similares às dos antigos gnósticos, sobre quem Irineu de Lyon, elevado a Doutor da Igreja pelo Papa Francisco, escreveu: “Mediante suas plausibilidades habilmente construídas [eles] desviam as mentes dos inexperientes e os tomam cativos. […] Estes homens falsificam os oráculos de Deus e se provam a si mesmos como intérpretes malignos da boa palavra da revelação. Mediante palavras ilusórias e plausíveis, astutamente seduzem os simples a indagar [em uma compreensão mais contemporânea]” até que não possam “distinguir a falsidade da verdade” (Contra as heresias, Livro I, Prefácio). A revelação divina direta é instrumentalizada para tornar aceitável a autorrelativização da Igreja de Cristo (“todas as religiões são caminhos para Deus”). A comunicação direta entre o Espírito Santo e os participantes do Sínodo é invocada para justificar concessões doutrinais arbitrárias (“matrimônio para todos”, leigos no cume do “poder” eclesiástico; a ordenação de diaconisas como troféu na luta por direitos da mulher) como resultado de uma percepção superior, capaz de superar qualquer objeção da doutrina católica estabelecida.
Mas qualquer um que, apelando a uma inspiração pessoal ou coletiva do Espírito Santo, busque reconciliar o ensinamento da Igreja com uma ideologia hostil à revelação e com a tirania do relativismo, é culpável de várias formas de “pecado contra o Espírito Santo” (Mt 12, 31; Mc 3, 29; Lc 12, 10). Isto, como será explicado a seguir em sete aspectos diferentes, não é outra coisa senão uma “resistência à verdade conhecida”, quando “um homem resiste à verdade que reconheceu, para pecar com maior liberdade” (Tomás de Aquino, Suma Teológica II-II, q.14, a.2)
1. Em relação ao Espírito Santo como pessoa divina
É um pecado contra o Espírito Santo não o confessar como a pessoa divina que, em unidade com o Pai e o Filho, é o único Deus, e confundi-lo com a divindade anônima e numinosa dos estudos de religião comparada, com o espírito popular coletivo dos românticos, a volonté générale de Jean-Jacques Rousseau, o Weltgeist de Georg W. F. Hegel, ou a dialética histórica de Karl Marx, e finalmente com utopias políticas, desde o comunismo até o trans-humanismo ateu.
2. Em relação a Jesus Cristo como plenitude da verdade e da graça
É um pecado contra o Espírito Santo reinterpretar a história do dogma cristão como uma evolução da revelação, refletida em níveis avançados de consciência na Igreja coletiva, em vez de confessar a plenitude insuperável de graça e verdade em Jesus Cristo, o Verbo de Deus feito carne (Jo 1, 14-18).
Irineu de Lyon, o Doctor Unitatis, estabeleceu de uma vez por todas, contra os gnósticos de todos os tempos, os critérios da hermenêutica católica (ou seja, epistemologia teológica): 1) a Sagrada Escritura; 2) a tradição apostólica; 3) a autoridade docente dos bispos em virtude da sucessão apostólica.
De acordo com a analogia do ser e com a fé, as verdades reveladas da fé nunca podem contradizer a razão natural, mas podem (e de fato o fazem) chocar com seu uso ideológico. Não há a priori novos conhecimentos científicos (sempre falíveis em princípio) capazes de invalidar as verdades da revelação sobrenatural e da lei moral natural (sempre infalíveis em sua natureza interna). O Papa, portanto, não pode nem satisfazer nem decepcionar as esperanças de mudança nas doutrinas reveladas da fé, porque “este ofício de ensinar não está acima das palavra de Deus, senão que a serve, ensinando unicamente o que foi transmitido” (Dei Verbum, 10).
A única e eterna parábola de nossa relação com Deus sempre será o Verbo feito carne, pleno de graça e verdade (Jo 1, 14-18). Frente ao delírio de superioridade intelectual dos gnósticos antigos e modernos, com sua crença na auto-criação e autorredenção do homem, a Igreja afirma que a pessoa de Jesus Cristo é a verdade plena de Deus, uma “novidade” insuperável para todos os homens (Contra as Heresias, Livro IV, 34, 1). Porque: “Em nenhum outro há salvação, porque debaixo do céu não há nenhum outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos” (At 4, 12).
3. Em relação à unidade da Igreja em Cristo
É um pecado contra o Espírito Santo entregar a unidade da Igreja no ensinamento da fé à arbitrariedade e ignorância das conferências episcopais locais (que supostamente desenvolvem doutrinas em ritmos diferentes) sob o pretexto de uma dita descentralização. Irineu de Lyon afirma contra os gnósticos: “Embora dispersa por todo o mundo, inclusive até os confins da terra, […] a Igreja Católica possui uma mesma fé em todo o mundo” (Contra as heresias, Livro I, 10, 1-3).
A unidade da Igreja universal “em um só corpo e um só Espírito” está fundamentada cristológica e sacramentalmente. Porque: “um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual está sobre todos, atua por todos e está em todos” (Ef 4, 5-6). E é contrário a esta mesma “unidade do Espírito” (Ef 4, 3) envolver os membros da missão global da Igreja (leigos, religiosos e clérigos) em uma luta pelo “poder” no sentido político, em vez de compreender que o Espírito Santo efetua sua cooperação harmoniosa. Para que todos nós, “vivendo na verdade e no amor, cresçamos plenamente em Cristo, que é a cabeça” (Ef 4, 15).
4. Em relação ao episcopado como instituição de direito divino
É um pecado contra o Espírito Santo, quem, através do sacramento da Ordem, designou os bispos e sacerdotes como pastores da Igreja de Deus (At 20, 28), depô-los ou inclusive secularizá-los puramente por critério pessoal, sem processo canônico. Os critérios objetivos para as medidas disciplinares contra bispos e sacerdotes são a apostasia, o cisma, a heresia, a má conduta moral, um estilo de vida claramente anti-espiritual e a incapacidade evidente para exercer o cargo. Isto é especialmente certo na seleção de futuros bispos, quando o candidato, designado sem uma cuidadosa avaliação, não tem “firme domínio da palavra segundo a doutrina segura (sana doctrina)” (Tt 1, 9).
5. Em relação à lei moral natural e aos valores inegociáveis
É um pecado contra o Espírito Santo que os bispos e teólogos apoiem o Papa publicamente só quando ele favorece suas preferências ideológicas. Ninguém pode ficar em silêncio quando se trata de defender o direito à vida de cada pessoa desde a concepção até a morte natural. Pois o Papa é o máximo intérprete autêntico da lei moral natural na terra, onde a palavra e a sabedoria de Deus resplandecem na existência e no ser da criação (Jo 1, 3). Se a lei moral natural, evidente à consciência de cada ser humano (Rm 2, 14), não é a fonte e o critério para julgar as leis estatais (sempre falíveis), o poder político deriva para o totalitarismo, e pisoteia os direitos humanos naturais que devem ser a base de toda sociedade democrática e estado constitucional. Isto é o que o Papa Pio XI declarou na encíclica Mit Brennender Sorge (1937) contra as formalmente legais Leis de Nuremberg do estado alemão: “É à luz dos mandamentos desta lei natural que todas as leis positivas, seja quem for seu legislador, podem ser avaliadas em seu conteúdo moral, e, portanto, na autoridade que exercem sobre a consciência. As leis humanas em flagrante contradição com a lei natural estão adoecidas de um vício original, que não pode ser curado nem com as opressões nem com o aparato da força externa” (Mit Brennender Sorge, 30).
6. Em relação à Igreja como sacramento de unidade humana
É um pecado contra o Espírito Santo quando a divisão política e ideológica da sociedade a partir do Iluminismo Europeu e da Revolução Francesa se incorpora numa filosofia da história restauradora ou revolucionária, paralisando a Igreja una, santa, católica e apostólica ao fazer conflitar internamente facções “progressistas” contra facções “conservadoras”.
Pois a Igreja em Cristo não só é o sacramento da comunhão mais íntima da humanidade com Deus, mas também um sinal e instrumento da unidade da humanidade em seu propósito natural e sobrenatural (Lumen Gentium, 1).
O discernimento dos espíritos não se faz com vistas a metas políticas, mas teologicamente, em relação com a verdade da revelação, apresentada na doutrina infalível da Igreja. Portanto, o critério objeto da fé católica é a ortodoxia frente à heresia (e não a vontade subjetiva de preservar ou mudar aspectos culturais contingentes).
Com a proximidade do 1700º aniversário do Concílio de Nicéia (325), poderíamos ter presente o seguinte lema: Melhor ir ao exílio cinco vezes com Santo Atanásio do que fazer a mais mínima concessão aos arianos.
7. Em relação à natureza sobrenatural do cristianismo, que se opõe à sua instrumentalização para fins mundanos
O pecado mais atual contra o Espírito Santo é negar a origem e caráter sobrenatural do cristianismo para subordinar a Igreja do Deus Trino aos objetivos e propósitos de um projeto de salvação mundano, seja a neutralidade climática eco-socialista ou a Agenda 2030 da “elite globalista”.
Quem realmente quiser escutar o que o Espírito diz à Igreja não confiará em inspirações espiritualistas nem em banalidades ideológicas “woke“, senão que depositará toda sua confiança, na vida e na morte, unicamente em Jesus, o Filho do Pai e o Ungido do Espírito Santo. Só Ele prometeu a seus discípulos o Espírito Santo de verdade e amor para toda a eternidade: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos nossa morada. […] Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, irá ensinar-vos todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito” (Jo 14, 23-26).
Fonte: First Things