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A carestia espiritual e o sofrimento dos sacerdotes

Padre rezando o terço durante seu sofrimento
Por Luiz de Moraes

A angústia psíquica que tem acometido tantos padres não advém do celibato ou de outros desafios anexos à natureza do ministério sacerdotal em si, ao que tudo indica.

Este artigo deriva de uma conversa que tive meses atrás com uma amiga sobre um problema hoje crescente na Igreja: a alta incidência de quadros depressivos entre os padres. A frequência desse mal no clero tem se tornado uma realidade preocupante para toda a Igreja! Como é um assunto um tanto sensível, mas que precisa ser melhor perscrutado, achei por bem estender a discussão aos nossos leitores do blog do I.S.A. para refletirmos a respeito. Na ocasião, questionávamos se as causas desse fenômeno não teriam algo a ver com as práticas pastorais muito extenuantes, agitadas e pouco orantes ou pouco contemplativas da maioria dos sacerdotes da atualidade. Não tenho a pretensão de dar a palavra definitiva sobre o assunto, mas ainda me parece ser precisamente este o caso.

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Sabemos bem que a depressão é uma doença geralmente provocada por um desequilíbrio de substâncias químicas no nosso cérebro, mas também é um fato comprovado que os nossos hábitos, crenças, percepções e até mesmo o ambiente em que vivemos podem contribuir grandemente para desencadear a doença. Dentre os livros escritos sobre o tema, creio que A dor invisível dos presbíteros, da psicóloga Luciana Campos, é o mais recente lançado no Brasil. De acordo com a autora, até mesmo os casos de presbíteros acometidos por pensamentos suicidas ou que chegam a levar a cabo o impulso de tirar a própria vida não têm sido muito raros, infelizmente. Os “remédios” que ela preceitua, entretanto, subestimam a importância do cultivo da espiritualidade e de um exercício mais orante e contemplativo do ministério. 

Não temos notícias, contudo, de livros escritos há mais de meio século que tratassem desse problema na Igreja. Talvez porque não fossem necessários. Uma hipótese que se levanta é a de que certos hábitos salutares que os clérigos antes tinham foram sendo progressivamente abandonados conforme a Igreja foi se modernizando. Além disso, a crise de vocações fez com que a proporção do número de padres por fiéis fosse diminuindo, o que contribuiu para aumentar a demanda de trabalho sobre os sacerdotes.

Ademais, de lá para cá os padres têm se dedicado cada vez mais a atividades desgastantes e espiritualmente estéreis: cumulam-se de afazeres administrativos ou de planejamentos de reuniões, de aulas, de pastorais inócuas, de cursos de especialização pouco ou nada frutíferos, de projetos de evangelização à distância, através da internet e dos demais meios de comunicação, etc. Com isso, o contato mais próximo, familiar e afável deles com o povo, no apostolado presencial junto aos doentes, famílias, crianças, pobres e adictos parece que foi minguando cada dia mais, embora tanto se tenha falado na Igreja a respeito dos “pobres e marginalizados” nessas últimas décadas.

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Lidar com certas ovelhas mais problemáticas pode ser extenuante, nós sabemos, mas almoçar numa casa de família ou ir comer uma pizza com alguns paroquianos, por exemplo, pode ser muito aprazível para o padre. E todas essas ocasiões servem, além de descontrair e confraternizar, também para dar um bom testemunho e evangelizar.

Outrossim, é notório que os padres modernos rezam bem menos do que os padres de antigamente. Não é muito comum hoje em dia ver sacerdotes rezando e meditando o breviário, o santo terço ou fazendo sequer meia hora de adoração diária diante do Santíssimo Sacramento. Em muitos casos, a própria fé chega a lhes faltar. Vão deixando de crer na ação sobrenatural da graça, em decorrência de uma rotina de orações meramente vocais, rápidas e pouco meditadas. Assim, com o tempo, muitos passam a duvidar do seu próprio poder de perdoar, consagrar e santificar, duvidam da própria importância do seu ministério, do valor dele para a salvação das almas; confiam demais no planejamento humano, imanentizam o salvação ou duvidam, enfim, da virtude de Deus, acreditando que tudo depende dos seus próprios esforços e menosprezando o poder da graça.

Ora, os exercícios de amor a Jesus e o colóquio afetivo com Ele que facilitam a ação vivificante da graça em nossas almas são como que a ração diária que um sacerdote precisa tomar para sustentar-se espiritualmente no seu ministério. Quanto bem não faria aos sacerdotes, por exemplo, fazer mensalmente um retiro de três dias (feriais, de preferência) em uma bela chácara ou comunidade monástica afastada do barulho do mundo e dos problemas da paróquia?

É claro que existem muitas louváveis exceções de sacerdotes que ainda rezam bem e procuram retirar-se regularmente para se revigorarem num trato mais sossegado e afável com Deus, mas o que observamos no geral é que muitos padres hoje reservam bem pouco tempo para a oração pessoal. E nenhuma vocação subsiste sem oração (nem o matrimônio!), assim como nenhum corpo mortal subsiste sem comida. 

Antigamente era senso comum que a primeira função do padre era rezar frequentemente por seu rebanho, por si mesmo e pela humanidade inteira, mas hoje eles já são formados no seminário com a mentalidade de que o primeiro dever dos clérigos é “dinamizar a comunidade”, “animar a assembleia” ou “construir o reino”, num sentido bem imanentista e materialista. Até de celebrar os sacramentos muitos deles fogem, nomeando diversos leigos (ministro disso e ministro daquilo) para fazerem celebrações similares no lugar do sacerdote, enquanto este prioriza aquelas insossas atividades administrativas e intelectuais que já mencionamos.

É perfeitamente compreensível que os padres podem não dar conta de tudo sozinhos, mas poderiam então delegar os afazeres mais estéreis aos leigos! Se é este o caso, deveriam criar o “ministro extraordinário da gestão paroquial” ou algo assim. Os leigos, se bem orientados, podem perfeitamente presidir reuniões para deliberar sobre questões práticas, acompanhar obras e resolver outros problemas mais técnicos, burocráticos e administrativos, mas só os sacerdotes podem fazer o que eles foram ordenados pra fazer.

Ora, a consequência do ativismo estéril não podia ser outra: sem vida interior fecunda e sem uma boa dose de apostolado direto e presente junto ao povo é claro que os padres iriam se sentir cada vez mais solitários e deprimidos! Ao se afastarem das suas ovelhas, que poderiam dar-lhes algum afeto filial e calor humano, e ao se privarem de uma vida de oração profunda e frequente, indispensável para sentirmos a Presença sobrenatural e o Amor consolador de Deus em nossas vidas, eles dão ocasião para que surjam os sentimentos de solidão, aridez e desolação. Em outras palavras, na raiz do problema estaria um tipo de carestia ou inanição espiritual. Quem não se alimenta naturalmente vai ficando cada vez mais fraco, débil e, por fim, morre. Com a vida espiritual não é diferente.

Também sofrem os sacerdotes que procuram ser fiéis ao Magistério e à tradição da Igreja, mas estão inseridos em realidades eclesiais que hostilizam quase tudo o que é da tradição católica. Mas, estes, quando têm noção da importância de uma vida orante e contemplativa, contornam as dificuldade melhor do que aqueles que são queridos pelo presbitério, amados pelos fiéis e louvados pelo bispo, mas não têm vida interior.

Dizem que os padres de outrora, dos tempos em que ainda usavam a sotaina, eram significativamente mais contemplativos, tinham menos reuniões e menos burocracias diocesanas para apressá-los; e não era tão comum vê-los tentando preencher carências internas com coisas e práticas pouco adequadas ao seu ministério. Também tinham mais tempo disponível para ouvir confissões e dirigir espiritualmente as almas; dedicavam-se realmente às suas ovelhas. Não se faziam meros “profissionais do sagrado” nem pretendiam confundir sua missão com um reles ativismo político (“padres de passeata”). Rezavam o breviário muitas vezes até com o povo, sobretudo nas vésperas solenes de Domingo, que eram rezadas nas igrejas não só pelos clérigos, mas com grande número de fiéis.

Os sacerdotes mais virtuosos de outros tempos passavam o dia fazendo apostolados, celebrando os sacramentos, rezando e contemplando a beleza e a bondade de Deus em cada pequena criatura; à noite jantavam, rezavam as Completas e iam descansar cedo. No dia seguinte, acordavam com o nascer do sol e recomeçavam sua venturosa rotina de orações a rezar, sacramentos a celebrar, almas a santificar, pecadores a converter e um Senhor a glorificar, o que os mantinha em santas e saudáveis ocupações e na presença de Deus e do rebanho o dia inteiro.

Logo, parece evidente que o problema não está na natureza do ministério sacerdotal em si, e tampouco no celibato. Falta de aprovação, de reconhecimento, de meios materiais ou mesmo de tietagem por parte dos fiéis também não pode ser: caso contrário, padres midiáticos e populares como o Pe. Marcelo Rossi ou o Pe. Fábio de Melo jamais teriam entrado em depressão, pois não lhes faltam fãs.

O problema parece estar mais ligado, sim, à vida agitada, ao ativismo desgastante, pouco fecundo e espiritualmente insalubre que tantos padres levam hoje em dia! Este é um aspecto que precisa ser levado em conta quando se discute o “sofrimento dos presbíteros” que tem preocupado tantos bispos, psicólogos diocesanos e fiéis católicos em geral.

A nós, cumpre também o dever de rezar sempre (e muito!) por aqueles homens que Deus escolheu como nossos pastores, bem como de encorajá-los, compreendê-los, tratá-los como gente da família e assisti-los nas suas necessidades e aflições, demonstrando uma sincera caridade filial para com eles.

Que o Sagrado Coração de Jesus os faça cada dia mais sábios, santos e felizes no Seu santo serviço!

Que São João Maria Vianney e Maria, Rainha dos Apóstolos e Mãe dos Sacerdotes, intercedam pela saúde corporal e espiritual dos nossos padres!

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