“É absurdo chamar ‘riquezas’ um metal cuja abundância não impede de se morrer de fome” — Aristóteles — A Política [1]
I — Introdução:
O que Aristóteles reporta na epígrafe acima, é uma tendência de seu tempo. Diferente do que muitos incautos possam imaginar, a tendência ao acúmulo de capital e ao comércio, apesar de já consolidados, eram parte marginal da economia de seu tempo. Por isso, Aristóteles investiga nesta parte inicial da “Política” as formas de produzir e acumular, colocando uma superioridade natural da produção destinada ao uso pessoal e familiar sobre a atividade comercial e a acumulação de capital. Desde os tempos de Aristóteles, muita coisa se alterou em termos econômicos, principalmente no sentido da normatização do mercado, do acúmulo de capitais típicos do sistema capitalista com seus princípios mecanicistas e individualistas.
Teóricos como Adam Smith procuraram explicar o novo sistema econômico a partir de uma suposta origem histórica de cunho universal, onde a tendência à troca, à barganha e ao negócio com fins individuais seriam o grande mote dos povos primitivos até o capitalista moderno. Segundo Karl Polanyi: “as sugestões de Adam Smith acerca da psicologia econômica do homem primitivo eram tão falsas como as de Rousseau sobre a psicologia política do selvagem” [2]. Ou seja, essa análise não se revela como dado concreto, principalmente, em comunidades mais primitivas, onde o senso de distribuição e reciprocidade mostram-se muito mais compensadores que o individualismo.
A história do desenvolvimento da economia capitalista será ponto fundamental do texto à seguir, pois, trataremos dos aspectos da economia de mercado responsáveis pela criação da “questão social”, que apesar de parcialmente amortizada com ações positivas, não foi superada em absoluto. Trataremos também das formas como a Igreja Católica propõe saídas para este problema, com a necessidade de uma “Doutrina Social” — inaugurada pela encíclica ‘Rerum Novarum’ — com a finalidade de superar os problemas trazidos pelas rápidas transformações do processo de modernização, que foram tanto problemas de natureza social como teológica teológica. Além disso, buscaremos convergências entre a Doutrina Social da Igreja e a filosofia econômica de Hilaire Belloc e G.K. Chesterton, conhecida como Distributismo, trazendo seus princípios, propostas e as divergências internas existentes na questão propositiva e em sua aplicação. Como de costume, as notas para melhor compreensão do texto e as referências bibliográficas encontram-se no final do texto.
II — Das “Coisas Novas” à “Questão Social”: do Desenvolvimento do Capitalismo e a Criação do “Estado Servil”.
A tendência encontrada nos tempos de Aristóteles — a de centrar a produção para o uso pessoal ou familiar e manter a atividade comercial à margem, da vida econômica — se prolongou por mais vários séculos, passando por toda a Idade Média, inclusive durante o período de renascimento urbano e comercial. A vida rural, mesmo dentro dos centros urbanos, a produção em pequena escala e a permuta dos excedentes, serão constantes deste período, marcado pela fidelidade do vassalo ao suserano e do aprendiz e seu mestre. A transformação de uma sociedade com mercado (onde o mercado existe, mas como categoria secundária na vida econômica e social) para uma sociedade de mercado (onde o mercado se torna o centro das relações sociais) só se dará durante o período moderno. O desenvolvimento do Capitalismo Mercantil, além das características, a saber: clássicas de ampliar as rotas mercantis da Europa, a balança comercial favorável, descobertas de um novo continente e o estabelecimento de impérios marítimos; o mercantilismo fez nascer um comércio nacional integrado, superando as dificuldades impostas pelo sistema feudal (moedas diferentes, taxações sobre fronteiras e a própria separação entre mercado interno e externo, concebidos como esferas distintas). Integração que só foi possível com a intervenção direta dos reis absolutistas.[3]
No entanto, o nascimento do comércio nacional e a entrada produtos de luxo vindos dos mais longínquos rincões do mundo, não foi capaz, por si só, de transformar aquela estrutura social ainda centrada na vida rural e na produção familiar. A fim de entendermos essas transformações, devemos nos debruçar um pouco sobre os três estados que constituíam a sociedade no absolutismo: A começar pela nobreza que, durante a Idade Média, permaneceu como detentora do poder político e econômico; e que neste momento histórico precisa se adaptar às novas condições. O momento era de crise, as instituições feudais não eram mais sustentáveis, muito menos rentáveis. O processo de centralização política se instaurou, elevando o poder dos monarcas. Aos nobres não cabe outra alternativa senão deixar de lado o poder político e dedicar-se a administração das terras sob seu domínio. Nasce uma nova classe fundiária que será engrossada por uma burguesia “terratenente” (em Espanha tierratenientes, na Inglaterra yeomen [4]), em circunstâncias que discutiremos a seguir.
A classe burguesa, apesar de particularmente afetada com os efeitos das guerras sucessórias nos diversos reinos da Europa, no final da Idade Média, conseguiu se recuperar graças aprimoramento técnico nascido com a modernidade, aliado às consequências das Grandes Navegações e do Mercantilismo. Além disso, a burguesia é responsável por levar a cabo o audacioso empreendimento das manufaturas, uma nova forma de produzir bens com a finalidade de fomentar o mercado externo.
O clero foi o estado que mais perdeu seus domínios durante o período absolutista— tanto os domínios temporais, quanto os domínios espirituais . Práticas como a do padroado instaurada em muitos reinos católicos ou as rupturas causadas pelos eventos da Reforma Protestante e sua insurgência contra Roma, foram os maiores atentados contra seu poderio espiritual. Os Monarcas, seguindo o princípio do “Eius Regio Cuius Religio”, tinham legitimidade para adotar as vertentes protestantes como religião oficial de seu reino e de seus súditos. Esse momento de rupturas foi responsável pelo processo de expropriação dos bens da Igreja, suas terras, de prédios e sua ornamentação ocorrido em vários países protestantes, com destaque para a Inglaterra, onde será fundamental para a ampliação da concentração fundiária.
Essa nova concepção econômica, nascida com a modernidade, além da elevação do status da atividade comercial, também transformou substancialmente as relações de trabalho. Quando as antigas relações feudais não eram mais rentáveis, não havia mais motivo para manter aqueles antigos servos atrelados à terra. Neste sentido, a nobreza que passava a deter o domínio fundiário, aliada à uma burguesia “enobrecida”, que se fez valer da expropriação das terras da Igreja, iniciam a desapropriação dos antigos servos de seus domínios tradicionais, do pedacinho de terra do qual tirava seu sustento e que estava sob seu domínio há gerações, como também das terras comunais. Muitos foram os casebres derrubados e as plantações desfeitas em prol da criação de ovelha dentro dos chamados cercamentos. Foi assim que o servo, antes dono de sua própria forma de subsistência, tornava-se agora o trabalhador assalariado e sem posses, a mão de obra debandada dos feudos, assim como a lã dos carneiros criados dentro do regime de cercamentos tiveram o mesmo destino: as manufaturas que estavam em pleno desenvolvimento [Nota 1].
O liberalismo econômico com seu discurso que varia entre a harmonia (dos interesses individuais, do modo de funcionamento do Mercado) e o conflito (concorrência) [5] aliado à superação da manufatura dada na revolução industrial e a instauração do processo de divisão do trabalho, aprofundaram este processo iniciado pelo Mercantilismo. O processo industrial e a adoção do capitalismo laissez-faire — diferente de uma visão que tende a naturalizar este processo, nascido da acumulação primitiva e meritória, que culminou em um processo espontâneo responsável por estabelecer a indústria – está diretamente atrelada à política e ao Estado.
A criação de um mercado de trabalho competitivo, a infraestrutura industrial e o estabelecimento de “campeões da indústria nacional” está diretamente vinculada à ação estatal. Em termos reais, nota-se uma transição entre um aparato político preocupado em manter as bases da estrutura social e que visa diminuir os impactos causados pelas transformações advindas do Mercado — tendo como exemplos a Lei dos Pobres, Código dos Artesãos e o projeto de Speenhamland. Para aquilo que Hilaire Belloc chama de “Estado Servil”, ou seja, uma ações legislativas que visavam tanto impor a nova lógica de mercado e impedir qualquer entrave aos seus mecanismos. Vale destacar, por exemplo, as “leis da Vadiagem” brasileiras [Nota 2], a imposição de pena capital aos quebradores de máquina do “Ludismo” ou a Anti-Combination Law e a Lei Chapelier francesa, cuja finalidade de restringir as organizações operárias era a mesma.
O desenraizamento massivo iniciado no campo, como consequência do processo de desapropriação e de centralização fundiária; a inversão de papéis entre o mercado e a economia doméstica; a criação de um mercado de trabalho competitivo e, consequentemente, de uma grande massa de desempregados ávidos por serem inclusos nas fábricas e garantir o sustento de suas famílias — apesar da jornada de trabalho ser longa e os salários ínfimos. Aliado à um Estado, que garantiu as bases dessa transformação social e que se tornou responsável por impor esta nova ordem à seus cidadãos. Estas são as bases do fenômeno que chamamos “questão social”, a pauperização, a impessoalidade das relações econômicas e a desumanização do homem frente à nova lógica da sociedade, centrada no lucro. Assim como, os movimentos de resistência à essa nova ordem imposta.
Por outro lado, a proposta socialista/comunista soube fazer bom uso das consequências da questão social no angariamento de novos adeptos. A proposta de um futuro igualitário, a superação da dualidade entre proletário-burguês e o fim da lógica capitalista, engendrada pelas habilidosas mãos do proletariado, foi vista por muitos como a única salvação frente aos efeitos da pauperização e da desumanização do trabalho. Não tardou muito para os recém-formados sindicatos — nascidos como uma forma de substituição às antigas corporações de ofício — estarem imiscuídos com esta nova ideologia.
Nesse contexto, de grande empobrecimento, longas jornadas de trabalho e de conflito — a concorrência no âmbito empresarial e do mercado de trabalho, ou ainda, a “luta de classes” proposta pelos marxistas – é que a Igreja, “mãe comum dos ricos e dos pobres”, toma para si um dever que é seu e o qual não pode se omitir: o dever de guiar seus filhos frente às “Rerum Novarum” (Coisas Novas), diante das transformações do mundo moderno que acabara de surgir.
III — Doutrina Social da Igreja e Distributismo:
“Mas quanto àqueles que falam como se a propriedade e a iniciativa privada fossem princípios agora em operação — esses estão já cegos, surdos e mortos para as realidades de suas próprias existências diárias” — G.K. Chesterton [6]
– Encíclicas Papais à Doutrina Social da Igreja
As encíclicas papais, as cartas de circulação entre os fiéis, contendo alguma orientação ou conselho por parte do magistério eclesiástico certamente já existia antes de 1891. Porém, a Encíclica Rerum Novarum é um marco, pois, trata-se da base fundante da “Doutrina Social da Igreja” (DSI), doutrina que “em sentido amplo existia já desde há muito antes, desde sempre, desde que existe a Igreja. Em sentido próprio, não é outra coisa que a resposta (no original: contestación) ao mundo moderno”[7]. Novos problemas sociais surgiram desde que Leão XIII escreveu sua encíclica e a Igreja nunca se isentou de orientar seus fiéis com o mesmo caráter contestatório, tanto ao mundo moderno, quanto às ideologias que o circundam [Nota 3].
– Encíclica Rerum Novarum: Inspirações e Resultados
O Escrito de Leão XIII, entretanto, não nasceu do nada. Sua inspiração principal está no corporativismo católico do Bispo Von Ketteler e do Cardeal Manning [8], modelos que foram instigados a ser reproduzidos, com a tomada de espaços por católicos dentro dos sindicatos e na criação de novas corporações de ofício [9]. O intuito da carta de Leão XIII aos fiéis era condenar as “coisas novas”, a saber: o capitalismo e o socialismo. O primeiro, por sua lógica individualista, materialista e cumulativa e por sua responsabilidade direta na criação da “Questão Social”; ao passo que o socialismo é condenado por partir de premissas também materialistas, mas, especialmente, por pautar-se no conflito da luta entre as classes, nunca desejando conciliá-las. Também por apoiar o fim do direito natural à propriedade privada e a supressão das competências e dons individuais, dados por Deus, em prol de uma igualdade abstrata [10]. A encíclica também buscou compreender o papel da Igreja e do Estado frente à crise que se instaurou nas diversas sociedades durante o Século XIX.
A encíclica repercutiu positivamente, servindo de inspiração à constituição mexicana de 1917, a primeira a incluir alguma legislação positiva visando os mais pobres; na Itália fascista, foi inspiração para a Carta Del Lavoro de Mussolini e uma espécie de “avó espiritual” da CLT brasileira, inspirada diretamente nas leis trabalhistas italianas. Apesar dos efeitos positivos e da incorporação de muitos elementos da encíclica ao redor do mundo, a estrutura econômica permanece a mesma e o “Estado Servil”, apesar de não ser mais tão virulento como no século XIX, também permanece vivo. As palavras de Leão XIII sobre a “questão social” foram revisitadas nas encíclicas Quadragesimo Anno (Pio XI) e Centesimus Annus (S. João Paulo II), é válido destacar também as encíclicas Populorum Progressio (Paulo VI), Caritas in Veritate (Bento XVI) e, mais recentemente, em Laudato Si’ (Papa Francisco), não só como uma forma de comemorar ou rememorar aos fiéis o ensinamento, mas justamente porque a “questão social” nunca foi definitivamente superada.
– O Distributismo:
A origem do distributismo está atrelada diretamente ao chamado feito por Leão XIII, no sentido de solucionar a “questão social”. E apesar de não ser a própria DSI, a origem de ambas as coisas é a mesma. O distributismo é, antes de tudo, uma filosofia da economia e não um mero sistema econômico, que envolve questões práticas ou de cunho técnico, âmbitos que os autores distributistas sequer se ocuparam, tratando-se de um conjunto de princípios norteadores para a economia. Apesar deste nome ser um pouco controverso, pois, remete à apropriação forçada de bens e de terras pela força do Estado, – algo próximo à ação do Estado sob o socialismo -, o ideário distributista está muito longe disso
O distributismo tem por fundador Hilaire Belloc, no ano de 1913, em sua obra “o Estado Servil”, o contexto do livro é de um capitalismo mais maduro e enraizado na sociedade. Formado por grandes conglomerados, trustes, oligopólios e de ampla concentração fundiária; resumido em um processo impessoal e, por vezes, anônimo; com a naturalização da vida racionalizada e pautada em lucros; a consolidação do rentismo e do trabalho assalariado e com o desenvolvimento da área publicitária, suas logos, slogans e jingles hipnóticos que nos convida constantemente ao consumo [11]. Em seu livro, Belloc discorre sobre as formas econômicas, desde a antiguidade até as tendências de seu tempo, e descreve como o capitalismo é responsável por dividir a sociedade em dois grupos: aqueles que têm posses, os donos dos meios de produção e que concentram em poucas mãos o capital, a terra e os espaços de trabalho. No outro extremo, como contraponto, estão os despossuídos, que necessitam garantir sua subsistência, somente com a autorização de um dono de meio de produção, sendo obrigados a aceitar a condição de trabalhador assalariado.
O autor denuncia o estabelecimento de um mercado voraz, que se sobrepõe às relações tradicionais e à moral e que se eleva como o elemento central da vida individual e do convívio social. Este mesmo mercado, se estabelece através de relações estreitas com a ação Estatal, que por sua vez, serve aos interesses dos donos dos meios de produção. Usando de seu poder para impor a obrigatoriedade do regime assalariado e mecanismos de proteção ao funcionamento do mercado. Dessa forma, afastando o trabalhador da possibilidade de conquistar sua propriedade, ao mesmo tempo, transformando a própria natureza do trabalho, antes concebido como trabalho livre e transformado em uma forma de trabalho servil[12]. As variações entre um capitalismo puro, que é volátil e conduz à sua própria ruína; e um capitalismo de Estado, capaz de impor à força o regime servil, não parecem atender aos melhores interesses dos trabalhadores.
– Os caminhos para o Distributismo:
A proposta para sair do entrave proposto acima, para Belloc, está na descentralização da propriedade individual. Se a servidão se estabelece quando os meios de adquirir sustento estão sob a posse de poucas pessoas, a liberdade só seria alcançada com a reversão desta lógica. Ou seja, garantindo a propriedade, mesmo que pequena, ao maior número de pessoas [13]. Centrando a vida econômica na produção das pequenas propriedades e pequenos comércios familiares. Sua inspiração está na Idade Média, num modelo o qual ele chama “Estado Distributista”, onde os laços de lealdade difundiram a propriedade privada de forma nunca antes vista e as relações orgânicas, delimitadoras de um poder absoluto, estabeleceram formas de proteger o trabalho e o trabalhador, como é o caso das corporações de ofíci
Contudo, para atingir estes fins, há diferentes vertentes dentro do distributismo. Alguns veem a saída no comunitarismo (não confundir com comunismo), ou seja, o estabelecimento de comunidades autônomas de pequenos produtores, em espaços ermos com pouca ou nenhuma ação do Estado. Unidos por um ethos comum e sob a autoridade da paróquia ou de alguma outra autoridade natural. Algo muito próximo ao que foi a comunidade de Belo Monte, no Arraial de Canudos. Popularizada por Euclides da Cunha em “Os Sertões”. Mais do que qualquer contestação política ou tributária, foi a vida paroquial e a liderança de Antônio Conselheiro, que transformaram uma terra esquecida por qualquer Estado ou governante e povoada por caboclos, mestiços e caipiras, em uma grande comunidade – com mais de 25 mil pessoas antes da eclosão da Guerra - vivendo sob princípios muito próximos ao distributismo (de modo acidental, é claro): no sentido da distribuição de lotes de terras e a partilha, venda e permuta de seus frutos entre seus membros. [Nota 4 e 5]
Por outro lado, há aqueles que procuram transformar o Estado Moderno desde dentro, conciliando-o com o distributismo por meio de legislação positiva. Uma “Common Law para os mais pobres” para proteger de igual forma, a grande e a pequena propriedade. Desincentivando sua venda, principalmente, aos grandes proprietários. Garantindo formas de subsídio à pequena propriedade, sobretudo, para garantir a infraestrutura necessária para torná-las férteis [14] e o incentivo ao pequeno empreendedor, visto que “a simples modificação das leis existentes provavelmente traria à vida e atividade milhares de pequenas lojas”[15].
Por fim, vale dizer que o distributismo não oferece a “perfeição”; oferece antes de tudo “a proporção”. “Desejamos corrigir as proporções do estado moderno; mas a proporção se dá sempre entre coisas variadas; e dificilmente a reduziríamos a um padrão[16].” O distributismo, por não ser um modelo econômico, muito menos uma plataforma de governo; oferece para nós um conjunto de princípios, — os mesmissimos oferecidos por Leão XIII . Princípios que não podem ser olvidados ou negligenciados se almejamos o bem comum nesta vida e o descanso eterno em nossa morada derradeira.
Conclusão:
“A terra proporciona o bastante, para satisfazer a necessidade de cada homem, mas não a voracidade de todos os homens.” — Mahatma Gandhi
Em 1928, às vésperas da Grande Crise, John Maynard Keynes, o principal teórico responsável por salvar o capitalismo da crise que ainda não se concretizara, realizou uma conferência. As palavras de Keynes traziam esperança para as gerações vindouras, mas os resultados positivos não viriam sem sacrifício. O economista profetizava que não tardaria muito, pelo menos dentro dos próximos cem anos (até 2028), para a riqueza ser o status geral. Em contrapartida, o autor exige de todos nós que simulemos “que o justo é injusto e o injusto é justo; pois o injusto é útil e o justo não o é. Avareza, usura e precaução ainda têm de ser nossos deuses por mais algum tempo”[17]. Ou seja, Keynes propôs à geração de nossos avós ou nossos pais, que se valham de princípios iníquos, de um “mal necessário”; a fim de manter o sistema econômico de pé, tudo pelo bem da nossa geração.
No outro extremo da balança, era o comunismo ateu a instrumentalizar o operariado, cansados da forma como eram tratados por seus patrões e de serem valorizados “pelo peso do ouro produzido pelos seu trabalho”, não é difícil compreender o apelo que a proposta de um futuro melhor, uma outra ordem social e econômica – onde o domínio dos patrões estaria superado pela luta de classes – teve na mente do proletariado. Estes movimentos distantes da caridade cristã e avessos, em absoluto, ao direito natural da propriedade privada e da família trouxe a instrumentalização da sociedade civil e da produção sob o manto de um Estado Leviatânico e trouxe consigo a “pobreza insolente e incrédula” companheira inseparável da inveja e da discórdia. [18]
Leão XIII ao denunciar as “Coisas Novas” de seu tempo, observava nelas o ofuscante brilho que cegava muitos fiéis católicos, que confundiam suas percepções da realidade. Ambas propostas exacerbam o material e exigem que toleremos o intolerável e que defendamos o indefensável, em prol do ideal um futuro próspero, de um lado, ou de um futuro sem amos e patrões, de outro. Não obstante, a questão social não foi superada em absoluto pelas “coisas novas”. Não podemos negar que o Estado procurou minimizá-la o quanto pôde, com leis trabalhistas, previdência social e outros órgãos públicos, assumindo papéis antes pertencentes às corporações de ofício ou à Igreja. O problema apesar de minimizado, permanece vivo e se torna patente em cada crise social e econômica que vivenciamos. A questão social só será superada se garantirmos aos menos favorecidos os meios de subsistência, ou seja, somente se restaurarmos a instituição da propriedade. Sem isso, não resta nada além de maquiar a realidade e adotar medidas ineficazes frente a este mal social que perdura há séculos, ou nas palavras de Leão XIII, “a quem quer regenerar uma sociedade qualquer em decadência, se preserve com razão que a reconduza às suas origens.” [19]
Notas:
Nota 1 — É de suma importância deixar claro que o caso ilustrado aqui é o inglês que mostra-se pioneiro nessa transformação da mão de obra servil para a livre. Os demais países europeus também passaram por este processo, porém, sob circunstâncias diferentes. Como a França que procurou atrelar as Corporações de Ofício e as Manufaturas ao Estado, ou a Rússia, onde a servidão deu lugar ao trabalho livre em meados do século XIX.
Nota 2 — No Brasil nosso processo de modernização e industrialização é iniciado pelo Império, mas levada a cabo ferrenhamente durante a Primeira República e seu modelo liberal. É este processo, aliado à grande concentração de terras, as consequências do fim da escravidão, o higienismo e a marginalização da população pobre devido ao processo de modernização das grandes cidades (ex. “Bota Abaixo” de Pereira Passos) que inaugurou em terras brasileiras a “Questão Social”. A Primeira República, marcada por tantas revoltas e insurreições populares de grupos sociais diversos, sequer procurou amenizar estes efeitos, tratando sempre a “questão social como caso de polícia”, nas palavras do Presidente Washington Luís.
Nota 3 — O liberalismo, o nazismo, o comunismo ateu, o modernismo, as contemporizações com a política liberal, dentre tantas outras formas de organização política e ideológica que se alastraram pelo século XX.
Nota 4 — Alguns autores católicos como Amoroso Lima e Gustavo Corção são os mais proeminentes a discutir a filosofia econômica de Belloc e Chesterton. O país, apesar de haver uma das piores concentrações fundiárias do mundo, — que é uma herança direta do Período Colonial — , é o país com o maior número de cooperativas no mundo, muitas delas, são cooperativas agrícolas de pequenos e médios produtores. Além disso, existem algumas comunidades distributistas no Brasil. O sertão do Piauí, — que segue sendo o estado mais católico do Brasil — , abriga pelo menos duas dessas comunidades.
Nota 5 — Existem iniciativas laicas próximas ao distributismo, a mais antiga de todas é o anarquismo cooperativista ou anarquismo corporativista de Proudhon; as iniciativas de “economia solidária” de Paul Singer, inspiradas no ideário Proudhoniano , que visam criar cooperativas de setores do trabalho autônomo (como as de catadores de materiais recicláveis). A fim de garantir melhores condições de trabalho e de vida para essa parte da população que é bastante carente.
Referências Bibliográficas:
[1] Aristóteles — A Política, p. 22
[2] Karl Polayni — A Grande Transformação, Ed. 70, p. 175–176
[3] ibid p. 204–208
[4] Perry Anderson — Linhagens do Estado Absolutista, p.19–22
[5] Karl Polanyi — A Grande Transformação, Ed. 70, p. 229–232
[6] G.K. Chesterton — Um Esboço da Sanidade, Ed. Ecclesiae, p. 50
[7] Miguel Ayuso — A Constituição Cristã dos Estados, Ed. Resist. Cultural, p.65
[8] Peter Chojnowski — Distributismo: A Economia como se as pessoas importassem. <Disponível em: https://legio-victrix.blogspot.com/2020/04/peter-chojnowski-distributismo-economia.html>.
[9] Papa Leão XIII — Encíclica Rerum Novarum, p. 20–25
[10] Ibid, p. 2–3; 6–9.
[11] Chesterton — O Esboço da Sanidade, p. 60–62
[12] Rhuan Reis do Nascimento — Hilaire Belloc e o Distributismo…, p.7–8
[13] Ibid, p.8
[14] Chesterton — O Esboço da Sanidade, p.74
[15] Ibid, p 87
[16] Ibid, p. 5
[17] E.F. Schumacher — O Negócio é Ser Pequeno (Small is Beatutiful), p.19–20
[18] Papa Leão XIII — Rerum Novarum, p.25
[19] Ibid, p 12