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A “Guerra Cognitiva” que travamos

A "Guerra Cognitiva" que travamos
Por Roberto de Mattei

O padre jesuíta Valentin Eymieu (1861-1933), em uma importante obra dedicada a O governo de si mesmo (trad. Edizioni Radio Spada, Cermenate 2021) estabelece algumas grandes leis psicológicas que regulam as relações entre ideias, sentimentos e os atos do homem. Das faculdades primárias da alma, a inteligência e a vontade, dependem os atos humanos. São, portanto, as ideias e as paixões que, na sua interdependência, movem a história.

Essas leis são conhecidas por grandes manipuladores da opinião pública como Edward Louis Bernays (1891-1995), um judeu vienense, sobrinho de Freud, que viveu na América. Segundo Bernays, quem consegue dominar o “dispositivo social” é capaz de dirigir uma nação, através de sua influência oculta sobre as mentes (Propaganda. Della manipulação da opinião pública na democracia, tr. it. Fausto Lupetti Editore, Bolonha 2008).

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Joseph Goebbels (1897-1945), Ministro da Propaganda do Terceiro Reich, era um admirador de Bernays e pôs em prática as suas técnicas de comunicação. Mas já em 1923, Arthur Artuzov (1891-1937), chefe do departamento de contra-espionagem da GPU, a polícia estatal da União Soviética, tinha criado um  gabinete dezinformatsija  para manipular e controlar a opinião pública. Hoje, todos os grandes Estados avançam nesta esteira, envolvidos numa guerra de informação que, ao contrário do passado, não visa exercer o “controle social” no próprio país, senão que tem como objetivo a desestabilização da opinião pública de outras nações.

O historiador francês David Colon, num estudo recente dedicado a A Guerra da Informação. Estados conquistando nossas mentes (Einaudi, Turim 2024), analisa como, nos últimos trinta anos, a informação se tornou uma alavanca fundamental nas relações internacionais. A globalização da mídia, possibilitada pelas novas tecnologias como a televisão por satélite e a web, perturbou a ordem geopolítica mundial, conferindo à informação uma dimensão estratégica. A “infosfera” está tornando-se ao mesmo tempo um novo espaço de guerra e uma nova modalidade de conflito sem limites, com as nossas mentes e os nossos sentimentos postos em jogo.

A administração norte-americana, aproveitando-se de sua vantagem tecnológica, há muito tempo dispõe de um aparato denominado “comunicações estratégicas” com o objetivo de “dominar o campo de batalha da informação”. No entanto, desde os anos 2000, o ” soft power ” americano tem sido desafiado pela Rússia, pela China e pelos novos atores não governamentais, como o site WikiLeaks de Julian Assange que, sob o pretexto de pôr fim ao desequilíbrio de informação, provocou uma verdadeira e própria guerra assimétrica contra o poder informativo americano. Com efeito, como escreveu em 2013 o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Russas, Valery Gerasimov, “o espaço da informação oferece vastas possibilidades assimétricas destinadas a reduzir a capacidade de combate do inimigo” (A guerra de informação, p. 190). A tecnologia digital permitiu à Rússia estender a guerra de informação com meios cibernéticos, acompanhada pela ação de agentes no território e pela utilização científica das redes sociais.

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Igor Panarin, um ex-oficial da KGB que se tornou o principal especialista russo em guerra de informação, está convencido de que uma guerra mundial no setor das comunicações irá contrapor o “mundo atlântico” liderado pelos Estados Unidos e o “mundo eurasiático” liderado pela Rússia. Panarin partilha a visão eurasiana de Aleksandr Dugin. A Rússia, na sua opinião, deveria romper com o dólar e assinar um acordo com a China para a divisão da Eurásia. A “guerra em rede” seria o instrumento decisivo para provocar o colapso dos Estados Unidos e a crise do Ocidente.

Desde 2008, Vladimir Putin atribui ao canal satélite Russia Today (RT) o objetivo de minar o monopólio dos meios de comunicação anglo-saxónicos no fluxo global de informação, desacreditando sistematicamente o Ocidente. Segundo Colon, “desde 2012, a estratégia de caos implementada pela Rússia tem sido aplicada em grande escala para desgastar a Europa, minando tanto a sua unidade como o seu poder político e cultural” (pp. 145-146). Deve-se ao Kremlin, por exemplo, as campanhas de desinformação sanitária, como a da pandemia de Covid-19. Enquanto Vladimir Putin incentivava a população russa a vacinar-se, o canal RT, financiado diretamente pelo Kremlin, apoiava a tese de uma pandemia imaginária, idealizada por Bill Gates para estender o seu poder (p. 204).

A recorrente ameaça de ataques nucleares da Rússia ao Ocidente, segundo Colon, faz parte da guerra psicológica de Moscou, para dissuadir os países ocidentais de intervir militarmente, não só na Ucrânia, mas em qualquer teatro de guerra onde “interesses nacionais” russos estejam em jogo. Entretanto, a maior conquista da Ucrânia no início da guerra foi apresentar a sua própria contra-informação estratégica: a de uma nação corajosa, unida contra o adversário e determinada a não ceder.

Em 31 de Março de 2023, a Rússia adoptou uma nova doutrina de política externa conhecida como “guerra híbrida”, que faz referência ao Ocidente como uma “ameaça existencial” que Moscou deve combater. Esta nova doutrina coloca em primeiro plano as relações com a Ásia, com o Oriente-Médio e com a África em clave antiocidental. Neste aspecto, o futuro da guerra cognitiva não pode ignorar o papel da China, à qual é dedicado o último capítulo do livro de Colon. A plataforma Tik Tok, também conhecida como Douyin, foi fundada na China em 2016, e tornou-se a mais popular do mundo entre jovens e adolescentes para vídeos curtos de dispositivos móveis. Em apenas cinco anos após o lançamento, o aplicativo contava com 1,7 bilhão de usuários ativos mensais, dos quais 100 milhões eram dos Estados Unidos. Através desta rede social, proibida na China, o Partido Comunista Chinês tenta subverter os valores ocidentais, difundindo conteúdos violentos, pornográficos ou que incentivam o uso de drogas. Além disso, o Tik Tok recolhe uma enorme quantidade de informações, incluindo informações biométricas, faciais e vocais, para o benefício da China comunista. A criação da plataforma é parte integrante de uma estratégia global da China e da Rússia, que pretendem substituir pelo seu duopólio o monopólio das mídias ocidentais a respeito da informação global. O Tik Tok, segundo Colon, “em muitos aspectos é a arma informativa mais formidável já concebida”, através da qual “a China pode facilmente chegar ao centro nevrálgico onde, no mundo, a guerra de informação é travada: o cérebro de todos nós” (p. 336).

Diferentemente da guerra convencional, a guerra cognitiva concentra-se diretamente na mente humana como campo de batalha. Não se limita ao campo da informação, senão que visa mudar a forma de pensar e de agir, as ações e os sentimentos do homem.

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A consciência desta agressão cognitiva deve fazer com que nos empenhemos cada vez mais e melhor na batalha cultural e moral em defesa da Civilização cristã. A história sempre foi feita por homens que combateram pelas suas ideias. «Na guerra  – já observava o historiador militar Sir Basil H. Liddell Hart (1895-1970) –  o verdadeiro alvo é representado pelos cérebros do comando e do governo inimigo, não pelos corpos dos soldados, e o deslocamento do ponteiro da balança entre os dois extremos da “vitória” e da “derrota” depende das impressões mentais, e só indiretamente de golpes materiais. Por outras palavras, na guerra, como disseram Napoleão e Foch, “é o homem que conta, não os homens”» (A Primeira Guerra Mundial 1914-1918 , Bur, Milão 2013, p. 603).

Esta importante observação deve inspirar confiança. Quando uma minoria de homens, com a sua inteligência, a sua vontade, a sua capacidade de lutar por um grande ideal, ordena a sua mente e o seu coração para Deus, é capaz, com a Sua ajuda, de vencer todas as batalhas, também na “guerra cognitiva”.

Fonte: Roberto de Mattei

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