Na década de 1940, um teólogo jesuíta chamado Henri Bouillard declarou que uma teologia que não está “atualizada” é uma “falsa teologia”. Ante tal arrogância, o dominicano francês Reginald Garrigou-Lagrange ergueu o punho e a caneta para insistir que não são as verdades eternas que devem se conformar com um mundo em transformação, mas é o mundo volúvel que deve ser conformado com O Imutável.
A Igreja na Alemanha hoje está na mesma posição de Henri Bouillard, exigindo que uma teologia que não esteja atualizada seja declarada falsa. Bispos alemães propuseram uma nova e controversa abordagem da sinodalidade, em parceria com um influente grupo leigo de progressistas que são bem conhecidos na Alemanha por sua discordância com o ensino da Igreja, especialmente em questões de sexualidade humana. A assembléia sinodal proposta não foi submetida a Roma para aprovação, mas foi anunciada na semana passada pela conferência episcopal alemã. A iniciativa causou choque ao redor do mundo.
A assembléia sinodal liderada pelo cardeal Marx será composta por 200 membros, com os bispos em minoria, e o “Comitê Central dos Católicos Alemães” (ZdK) na maioria relativa com 70 membros votantes. Os principais assuntos que serão abordados no seu “processo sinodal vinculativo” são o celibato clerical, os ensinamentos da Igreja sobre sexualidade humana e o papel das mulheres nos ministérios e gabinetes da Igreja.
O “Comitê Central” (ZdK), cujo nome soa até soviético, é a voz mais proeminente do catolicismo “culturalmente adaptado” da Alemanha. Eles têm um histórico de obstinada defesa do que chamam de “atualização” dos ensinamentos da Igreja, particularmente sobre a homossexualidade e sobre a ordenação de mulheres. Os líderes do ZdK têm insistido publicamente no discurso de que os escândalos de abusos cometidos por clérigos exigem uma quebra radical do ensinamento da Igreja sobre a sexualidade humana, e que parte disso deve significar uma mudança no que chamam de “tabu eclesiástico patologizante da homossexualidade”.
Uma reportagem recente de Ed Condon, da Catholic News Agency, enfocou a longa história de influência do Comitê Central sobre os bispos, apesar de o Comitê confrontar publicamente os ensinamentos da Igreja que contrariam tendências culturais modernas. Como Condon relata, “em 2015, os membros do ZdK também votaram para exigir que a Igreja oferecesse bênçãos litúrgicas para casais do mesmo sexo, e espera-se que essa seja uma das primeiras recomendações do fórum sinodal no campo da moralidade sexual”.
Nem todos os bispos da Alemanha estarão ao lado do cardeal Marx. O arcebispo de Colônia, cardeal Woelki, alertou que esta assembléia sinodal poderia causar uma divisão dentro da Igreja na Alemanha. Da mesma forma, o bispo Rudolf Voderholzer, de Regensburg, alertou que era exatamente para onde as coisas estavam indo, declarando em maio passado que um processo sinodal que visa inventar uma nova Igreja está em um “caminho de destruição”.
Mais importante ainda, parece que a assembléia sinodal proposta pelo cardeal Marx não se alinha bem com o próprio Papa Francisco. Em uma longa carta escrita no último verão, o Santo Padre falou à Alemanha sobre a natureza da sinodalidade. O Papa escreveu que a sinodalidade não pode ser usada para autojustificar-se [em suas condutas pessoais] ou para conseguir conformações com o mundo. Ele alertou que “um aggiornamento saudável” requer uma “longa fermentação” e, na verdade, não pode ser encontrada “na busca por resultados imediatos que geram rápidas consequências na mídia, mas são efêmeros porque carecem de maturidade ou não respondem à vocação a qual nós fomos chamados. “
A sinodalidade, lembrou o Santo Padre aos alemães antes de anunciarem seu “processo sinodal vinculativo”, não deve ser apenas “de baixo para cima”, isto é, a partir da diocese, mas também de “cima para baixo”, em união com Pedro. A sinodalidade precisa de um Sensus Ecclesiae vivo, isto é, de um sentido para toda a Igreja, não apenas para a Igreja de hoje, mas para a Igreja como ela existe sempre e em todo lugar, na terra e no Céu. O caminho sinodal, disse o papa, não deve acabar “isolado em suas peculiaridades”.
Em seu discurso de verão, Francisco também implorou à Igreja da Alemanha que evitasse buscar soluções nas [mudanças das] estruturas de poder e buscasse procurá-las através da evangelização. Ele alertou sobre “uma sutil tentação” relacionada ao pelagianismo, pela qual procuramos manipular as estruturas humanas em vez de receber “a graça do Senhor que toma a iniciativa”. Em retrospecto, é difícil não ler esse documento gentil e paternal como um apelo endereçado aos filhos rebeldes.
A Igreja na Alemanha está indo hoje muito além de onde os modernistas ousaram ir na década de 1940*. Mas há sinais de que o Papa Francisco está tão preparado quanto estava Garrigou-Lagrange para falar com ousadia, para oferecer correção aos católicos à beira do cisma e para afastar a Alemanha de sua busca pelagiana pelos padrões efêmeros de mudança cultural, trazendo-a de volta à verdade que é Jesus Cristo.
*Nota do tradutor: Não é de hoje, nem de ontem, que o episcopado alemão tem atuado historicamente na Igreja como uma força revolucionária a favor do liberalismo e da dissolução completa da doutrina da fé, da liturgia e da moral católicas. É claro que há exceções louváveis entre os bispos teutônicos: Ratzinger, Müller e Brandmüller estão aí para prová-lo. Mas o fato é que lá na Germânia, como cá na Banânia (com o perdão do trocadilho infame), o progressismo alienante predomina no meio clerical. Durante o Concílio Vaticano II, a influência nociva deste e de outros episcopados progressistas da Europa central mostrou-se insubestimável. Desconheço a causa histórica destas subversivas disposições ideológicas entre os bispos germânicos. Talvez isto seja, em alguma medida, até um reflexo da sua proximidade com o berço geográfico da “reforma” protestante, não sei.
O que sei é que, compreendendo uma realidade eclesial cada dia mais vazia de fiéis e pobre de espírito, porém muito rica financeiramente (graças ao dispositivo legal que destina parte dos impostos pagos pelos católicos alemães às instituições eclesiásticas teutônicas), a Igreja católica alemã mantém fundações como a Adveniat e a Misereor que remetem recursos para custear obras pastorais e caritativas em locais e realidades eclesiais mais pobres ao redor do globo, sobretudo nos países de terceiro mundo. Mas não sem que isso tenha um preço espiritual. Com os recursos, o episcopado alemão difunde muitas vezes também a sua influência teológica e ideológica, sua visão eclesial particular e ultraprogressista. Cheguei a conhecer certa vez uma diocese brasileira com vários prédios cuja construção havia sido custeada por essas entidades alemãs, mas também estavam lá diversas expressões da eclesiologia “libertadora” e da “estética da libertação” espalhadas em repartições diocesanas e carimbadas pela Misereor, como o quadro que ilustra este artigo, no qual a tábua dos Dez Mandamentos, por exemplo, é substituída pelos “Direitos do Homem”, em francês, numa clara alusão ao ideário antropocêntrico da Revolução Francesa. É fato: clérigos de mentalidade revolucionária como o cardeal Marx (faz jus ao nome, aliás) não estão pra brincadeira! Há muito eles têm lutado para realmente virar a Igreja de cabeça para baixo!
No entanto, a reação do Papa Francisco a esta espécie de sínodo paralelo inventado pelo episcopado alemão é um bom sinal e um motivo de esperança para nós. Demos graças a Deus! Devemos rezar muito para que o Pontífice também tenha a coragem e a sensatez necessárias para repudiar todos os absurdos do Instrumentum Laboris do Sínodo da Amazônia e zele fielmente pela imensa grei que Deus confiou aos seus cuidados. A oração pelos ministérios do Papa e dos bispos, pelo seu discernimento e sua sabedoria no governo da Igreja e no pastoreio do rebanho de Cristo, é um dever sagrado e inolvidável de cada católico. Lembremo-nos diariamente deste dever e o Senhor se compadecerá da nossa condição.
Fonte: Catholic Herald
PS: Parece que Marx resolveu levar o sínodo progressista alemão até às últimas consequências. O cardeal presidente da conferência episcopal germânica desobedeceu a Santa Sé e anunciou que o “processo sinodal” vai continuar, conforme informações recentes da ACI Digital. Oremos.