Quem leu minha coluna anterior, viu que tratei da psicologia do vandalismo aplicado ao caso da invasão da Igreja do Rosário pelo vereador petista. Pois bem. Esta mesma psicologia pode ser usada para explicar a decisão da Suprema Corte Colombiana para aprovar o aborto em 6 meses de gestação.
É que a psicologia do vandalismo é uma forma mentis, o jeito revolucionário de pensar e agir. E uma agenda tão revolucionária quanto a defesa ideológica do aborto não poderia escapar disso. Expliquei no artigo anterior que a essência dessa mentalidade é o gnosticismo:
Todo adepto consciente ou inconsciente do gnosticismo parte do pressuposto de que o mundo foi mal criado (…). Ora, se o mundo é defeituoso, como pensa esta heresia já remotamente refutada por Santo Irineu, ele precisa ser consertado. E como consertá-lo? Adquirindo o conhecimento necessário para isso. E quem possuirá este conhecimento? Os pneumas, os homens espirituais: pessoa dotada de uma alma iluminada capaz de usar o conhecimento do deus bom para consertar os erros da criação má causada pelo demiurgo (deus mau) (…). Toda estrutura gnóstica, pois, crê que a salvação do mundo reside na adesão de todos os homens inferiores aos ditames dos homens iluminados.
A justificativa da Suprema Corte Colombiana para aprovar o assassinato de bebê no ventre materno em até 6 meses de gestação não foi outra coisa que aplicar a lógica gnóstica travestida de discurso jurídico. Disse a Corte que, como o Congresso Colombiano é conservador, e portanto o povo a que representa, ele não aprovaria o aborto. Sendo assim, caberia ao judiciário aprovar este “direito” de assassinato intrauterino. Os juízes até citaram uma obscura pesquisa para fingirem estar em conformidade com o povo, mas é só uma forma de disfarçar o arbitrarismo da decisão.
Ativismo jurídico? Sim, e com a psicologia do vandalismo de fundo. Os juízes “iluminados”, como seres superiores, rogaram-se no direito de decidir contra toda população colombiana. Afinal, os conservadores são inferiores e não cabe a eles senão seguir as decisões dos iluminados.
Ditadura de toga? Pode ser. Na lógica gnóstica, democracia, a decisão via representatividade popular, é somente um verniz para que os revolucionários usem das instituições para fazer valer seus desejos ideológicos, de cima para baixo. Se há um contrapeso democrático que atrapalha, neste caso o Congresso colombiano, que um poder se sobreponha a outro em nome da “democracia”. Em outras palavras, a democracia liberal não é freio contra o totalitarismo, mas um meio para paulatinamente se chegar ao estado totalitário.
É que se a democracia liberal prega todo um império das leis sem nenhum vínculo com a lei natural, então a lei pode mudar segundo o desejo subjetivo de certo tipo de classe ideológica. Não é o que o povo quer? Dane-se! O povo é ignorante para este tipo de discussão (é a contradição da democracia moderna. O povo é inteligente quando vota em certa classe política, mas é burro quando esta classe política atua contra o desejo do povo). O Congresso foi atropelado? Dane-se! Não é raro que os políticos votem segundo seus próprios interesses em detrimento aos do povo. Entretanto, a coisa piora quando o gnosticismo político toma conta da Suprema Corte, pois então o critério de verdade não é a realidade e sua lei natural, nem o povo, nem o legislativo, mas a decisão jurídica segundo o consenso ideológico dos juízes. E tem um detalhe que piora mais ainda toda essa questão: a democracia liberal não tem mecanismos eficientes para coibir este tipo de abuso de poder, seja legislativo, seja jurídico.
Mas vamos ao mérito da discussão: estariam os “iluminados” progressistas no direito de desprezar os valores conservadores, porque estes estariam ultrapassados na questão do aborto?
Já debati a este respeito contra um jornalista do Paragrafo 2, o qual dirigiu impropérios contra a doutrina católica:
A doutrina católica estaria errada, porque seria medieval, enquanto os seus valores progressistas estariam corretos, porque representam a modernidade? Ora, ora, ora. Com efeito, isso é um escandaloso sofisma. Desde quando a localização no tempo é critério infalível de veracidade?
Ademais, o progressismo só representa progresso se for no sentido de progredir no paganismo. Para um católico, não há nada de novo nas bandeiras da new left ou mesmo da nova direita. São ideias repaginadas de doutrinas pagãs, sejam elas de cunho religioso, filosófico ou ocultista. A roupagem é nova, mas o cheiro da fragrância é velho.
O que há de moderno na prática do aborto, a não ser técnicas médicas mais sofisticadas? A prática, com efeito, não remonta à idade média, mas à antiguidade! Sacrifique-se bebês para a deusa da colheita, faziam os pagãos, a profecia diz que teremos bonança na terra. Sacrifique-se os bebês para fins de saúde pública, racionalizam os progressistas, a ideologia diz que caminharemos para uma sociedade mais justa, igualitária e evoluída. Vão-se os pretextos, ficam as práticas, permanecendo, sobretudo, a superstição de uma recompensa social a ser adquirida.
Não poderia ser diferente, pois essas ideias ditas modernas são tão velhas quanto a antiguidade ou tão velhas quanto as heresias que a Igreja Católica já refutou. Com efeito, as ideologias modernas, em essência, são velhas heresias já refutadas pela Igreja. Novamente e com acréscimo: o progressismo só pode ser entendido como progresso se for no sentido de progresso ao paganismo, o que temos hoje são novos pagãos defendendo ideias de velhos pagãos ou de hereges.
Por fim, uma observação de ordem política e sociológica. As feministas, mesmo aqui no Brasil, vibraram com a decisão da Corte colombiana. Todavia, não defendem elas aborto até três meses de gestação, pois seria anterior ao desenvolvimento do cérebro (argumento fraquíssimo)? Na Colômbia aprovaram para seis! Deveriam reprovar pelo exagero do tempo, não? Ou seja, as feministas brasileiras não levam a sério seus argumentos, querem apenas o direito irrestrito ao aborto, isto é, o direito de matar. Depois disso para o infanticídio, é apenas um passo, pois a psicologia do vandalismo já está aceita.