O Instrumentum laboris [IL] para a Assembleia Sinodal de outubro de 2024 já foi publicado. O tema a ser considerado pelos delegados sinodais é “Como ser uma Igreja Sinodal em Missão”. A resposta dada na IL é simples e dura: devemos mudar a maneira como a Igreja é governada. Os bispos e os sacerdotes devem ceder autoridade aos leigos, principalmente às mulheres. Novos acordos de partilha de poder devem ser implementados para defender (finalmente!) a igualdade batismal dos fiéis.
Para tranquilizar aqueles que possam ficar alarmados com esta perspectiva, a IL afirma desde o início que “a sinodalidade não implica, de modo algum, a desvalorização da autoridade e da missão específica que o próprio Cristo confiou aos Pastores” (¶ 8). Se ao menos isso fosse verdade.
Na verdade, a desvalorização da autoridade dos pastores é introduzida e vigorosamente defendida:
A pergunta «Como ser Igreja sinodal em missão?» leva-nos a refletir concretamente sobre as relações, estruturas e processos que podem favorecer uma visão renovada do Ministério ordenado, passando de um modo piramidal de exercitar a autoridade para um modo sinodal. No âmbito da promoção dos carismas e ministérios batismais, é possível implementar uma reativação das funções cuja execução não exige o sacramento da Ordem. Uma distribuição mais articulada das responsabilidades poderá indubitavelmente favorecer também processos decisórios caracterizados por um estilo mais claramente sinodal (¶ 36).
A tomada de decisões faz parte do governo ordinário dos pastores da Igreja. É um aspecto inerente ao ministério sacerdotal de quem exerce uma participação no poder de Cristo, Sacerdote, Profeta e Rei. Entretanto, a IL afirma que a nova abordagem sinodal exige que esta autoridade seja circunscrita:
É difícil imaginar uma forma de promover uma Igreja sinodal mais eficaz do que a participação de todos nos processos decisórios. Esta participação assenta numa responsabilidade diferenciada que diz respeito a cada membro da comunidade, valorizando a sua capacidade e dons com vista à decisão partilhada (¶ 67).
“Decisões partilhadas” significa que bispos e padres já não têm o direito de decidir por si próprios. Esta diminuição da sua autoridade é justificada como um ato de “obediência ao Espírito Santo”:
Uma orientação que se manifeste no processo consultivo como resultado de um correto discernimento, sobretudo quando realizado por organismos de participação da Igreja local, não pode ser ignorada. O objetivo do discernimento eclesial sinodal não consiste em forçar os Bispos a obedecer à voz do Povo, subordinando aqueles a este, nem oferecer aos Bispos um expediente para tornar aceitáveis decisões já tomadas, mas conduzir a uma decisão partilhada em obediência ao Espírito Santo (¶ 70, ênfase adicionada).
A IL ainda afirma que o sucesso e a credibilidade do Sínodo dependem da partilha de poder:
Compete às Igrejas locais promover insistentemente todas as possibilidades de dar vida a processos decisórios autenticamente sinodais, adequados às especificidades dos diferentes contextos. Trata-se de uma tarefa de grande importância e urgência, na medida em que dela depende substancialmente o bom resultado da fase de implementação do Sínodo. [b]Sem alterações concretas, a visão de uma Igreja sinodal não será credível[b] e afastará os membros do Povo de Deus que retiraram alento e esperança do caminho sinodal. Esta constatação é aplicável ainda com maior rigor no que se refere à participação efetiva das mulheres nos processos de elaboração e na tomada de decisões, como exigido em muitos dos contributos recebidos pelas Conferências Episcopais (¶ 71, ênfases adicionadas).
A IL também endossa a lógica do plano do Caminho Sinodal Alemão para uma diluição da autoridade dos bispos. A IL pede pela criação de algum tipo de comitê autoritativos composto por fiéis leigos e outros, aqui denominado assembleia eclesial, como uma contrapartida distinta dos Concílios Episcopais:
O desejo de que o diálogo sinodal local não termine, mas continue no tempo, e a necessidade de uma efetiva inculturação da fé em extensões territoriais significativas leva a uma nova valorização do instituto dos Conselhos particulares, tanto provinciais como plenários, cuja celebração periódica constituiu uma obrigação durante larga parte da história da Igreja. Com base na experiência amadurecida ao longo do percurso sinodal, é possível pensar formas que articulem uma assembleia apenas de Bispos e uma assembleia eclesial constituída também por outros Fiéis (Presbíteros, Diáconos, Consagrados e Consagradas, Leigos e Leigas), delegados aos Conselhos pastorais das Dioceses ou Eparquias participantes, ou nomeados de outro modo, por forma a refletir a variedade da Igreja na região (¶ 99, ênfase adicionada).
O plano é claro: A autoridade que Deus deu aos Apóstolos e aos seus sucessores para ensinar, governar e santificar o rebanho de Cristo é um obstáculo à criação da nova Igreja Sinodal. Os pastores precisam de ser limitados e constrangidos por uma nova exigência de obtenção de concordância dos leigos, religiosos e sacerdotes para tomarem “uma decisão partilhada em obediência ao Espírito Santo”. Sem isso, o Sínodo é um fracasso.
A IL também pede que leigos preguem na Missa e que seja criado um “ministério escuta” instituído. Numa análise transparente da realpolitik, a IL trata resistências como a rejeição de Fiducia supplicans pelos bispos africanos como um problema político que requer mais tempo para ser resolvido, já que nem todos se movem ao mesmo ritmo: “AA adoção de um estilo sinodal permite deixar de pensar que todas as Igrejas devam forçosamente mover-se ao mesmo ritmo relativamente a cada questão. As diferenças de ritmo devem, pelo contrário, ser valorizadas como expressão de uma legítima diversidade e como ocasião para um intercâmbio de dons e enriquecimento mútuo” (¶ 95).
Por fim, num documento sobre a missão da Igreja, as palavras pecado, inferno, redenção e arrependimento não aparecem. A IL só versa sobre a transferência de poder da hierarquia para os leigos em nome da igualdade batismal. Esta concepção completamente errada do suposto papel dos batizados no governo da Igreja faz com que a próxima Assembleia Sinodal seja um exercício de reflexão não sobre como promover a missão da Igreja de levar Cristo ao mundo, mas sim sobre como arrancar o poder sagrado do pastores da Igreja.
Esta é uma revolução disfarçada de esforço para que se chegue a uma fidelidade mais profunda ao Evangelho. Não é.
Fonte: The Catholic Thing