Sermão para ao início do Advento 2021
Contam que Platão, mesmo sem ter recebido a graça da revelação, intuía que havia no homem uma má levedura; havia “algo” que fazia, ainda que podendo vislumbrar o bem e saber por onde ir, não poder segui-lo.
Uma falha na origem; um problema no início. Um pecado da sociedade. Discutia a respeito disso em seu Diálogo inconcluso acerca de A Atlântica, esse famoso mito com o qual os antigos explicavam o problema histórico do dilúvio universal, a história de uma cidade submersa por causa da desobediência dos homens.
Como pode ser que, mesmo sabendo o que é bom, os homens não o sigam? Como pode ser, por exemplo, que mesmo do que é bom se possa fazer um uso mau? Talvez esta tenha sido a razão pela qual os gregos, no pronáos ou pórtico do templo de Apolo, em Delfos, tenham incrustado duas grandes inscrições que diziam:
– γνῶθι σεαυτόν (conheça-te a ti mesmo).
– Μηδέν άγαν, (nada em excesso).
Já que conhecer a si mesmo e buscar o ponto médio são a origem da virtude, da areté, que possui uma raiz similar à da “aristocracia”.
Pois bem; hoje, na carta aos Romanos, São Paulo, ao começo do Advento, nos previne de cometer excessos com coisas que, em si mesmas, não são más.
Como em pleno dia, procedamos com decoro; nada de comilanças e bebedeiras; nada de luxurias e desfreios… Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não vos preocupeis com a carne e suas concupiscências
O Apóstolo aqui não se converte em menonita, em puritano, em muçulmano; não aplica a Lei Seca como na época de Al Capone. Não condena per se nem a comida, nem o álcool, nem o sexo, nem o prazer, senão que faz a condenação do desfreio. O mal uso disso.
O tema do álcool
Uma das atividades sociais mais comuns e ordinárias em nossa vida é a de beber. Fazemo-la em diversas ocasiões e por diversos motivos. Brindamos pela saúde e felicidade dos recém casados, pelo êxito em um negócio ou pela abertura de uma nova empresa, pelo fato de estarmos reunidos em família ou com amigos. Pelo gosto de acompanhar com um bom vinho uma boa comida. Para relaxarmos e passar um momento agradável em algum lugar ou em casa.
Mas é mau beber álcool?
– “Como poderia ser, se o próprio Cristo começou sua vida pública em uma boda, transformando a água em vinho?” – dirá alguém. E com razão.
As Sagradas Escrituras nos previnem do excesso, não do uso:
De fato, o próprio São Paulo disse a Timóteo (1 Tm 5,23): “Já não bebas só água. Toma um pouco de vinho por causa de teu estômago e de tuas frequentes indisposições“.
– Is 5,11: “Ai dos que se levantam cedo para embebedar-se, e se esquentam com o vinho até à noite.“
– Prov 23,20-21: “Não sejais daqueles que se embriagam de vinho, nem daqueles que se fartam de carne, porque os bêbados e os glutões se empobrecerão, e a sonolência os vestirá“.
– 1 Coríntios 6,10: “nem os ladrões, nem os ávaros, bem os bêbados… herdarão o Reino de Deus“.
É que a satisfação dos sentidos nunca foi considerada como pecado na moral católica. Não se condena o uso, mas o abuso. Podemos comer até saciar nosso apetite. Podemos fazer filhos, dentro do matrimônio, mas se condena a luxúria, a glutoneria, a gula…, ou seja, a desordem.
É que a embriaguez ou bebedeira é oposta ao amor a si e ao próximo: vai contra a vida e causa escândalo, porque a privação, ainda que momentânea, do uso da razão, nos desumaniza, nos torna menos filhos de Deus.
Ademais, é preciso distinguir a embriaguez voluntária (buscada diretamente ou ao menos com previsão) da involuntária (é o caso do bebedor não experimentado). E, por sua vez, a embriaguez perfeita (a perda do uso da razão) da imperfeita ou da que simplesmente “se alegra”, como diz o Salmo 104: “o vinho que alegra o coração do homem”.
A partir do ponto de vista moral:
– A embriaguez perfeita e plenamente voluntária (perda do uso da razão, consciente ou prevista e buscando o prazer) é de si pecado mortal.
– A embriaguez imperfeita, ou seja, o que simplesmente “passa do ponto” e começa a dizer bobagens que não diria no estado de lucidez, etc., não passa do pecado venial, mas pode transformar-se em mortal por razão de escândalo a terceiros ou por imprudência que depois possa cometer (exemplo, dirigir alcoolizado ou escandalizar a algumas pessoas).
E assim como os namorados perguntam “até onde são lícitas as demonstrações de afeto entre nós?”, aqui a pergunta obrigatória seria: “Até onde posso beber sem ofender a Deus?“
E a resposta é: “medén agan“, ou seja, nada em demasia.
Se em uma reunião de adultos, alguém bebe um pouco e isso já faz com que vá ir cantar com os amigos, com a família, não tem problema; mas se começar a bailar freneticamente, a dizer grosserias, etc., então a coisa muda de figura…
Há aqueles que possuirão uma grande cultura alcoólica e poderão “aguentar” mais, e outro menos; mas mesmo que possa “aguentar mais”, em razão do possível escândalo, deveria abster-se de algo que, para ele, não é obrigatório. Porque se alguma conduta pode ser motivo de escândalo para outros, é melhor abster-se; daí que, sobretudo, os maiores devam levar isso em conta a respeito dos menores, segundo aquilo que sabiamente diz São Paulo (1 Cor 10): “‘Tudo é lícito’, mas nem tudo convém. ‘Tudo é lícito’, mas nem tudo edifica“.
Se alguma conduta minha pode chegar a danificar o próximo, então é melhor se abster em razão dos mais débeis.
Ou seja: beber para passar um encontro agradável com os amigos, para degustar uma boa comida, para celebrar um acontecimento feliz nunca será pecado, mas seu abuso ou o possível escândalo a terceiros constitui uma ofensa a Deus.
Por fim: Desde quando tomar?
Aqui dou uma resposta prudencial tendo vinte anos em colégios e treze anos de confessor: dado que um jovem ainda não tem experiência de seu próprio corpo e de seus próprios apetites, começar a tomar muito cedo não só induz a cometer outros pecados, mas ainda predispõe, pouco a pouco, ao vício do alcoolismo, difícil de desgarrar. Porque um vaso de vinho aos 15 se convertem em dois litros aos vinte.
Terminemos então com as palavras de São Paulo neste Advento que agora começa:
A noite está avançada. O dia vem chegando. Despojemo-nos das obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz. Como em pleno dia, procedamos com decoro; nada de comilanças e bebedeiras; nada de luxurias e desfreios; nada de rivalidades e ciúmes (Rm 13,11-14).
Feliz Início do Advento
Padre Javier Olivera Ravasi, SE
28/11/2021
Fonte: Que no te la cuenten