Esposa do meu coração! Vamos centrar a nossa atenção sobre alguns aspectos básicos que determinam o pensamento da Encíclica “Todos os irmãos”. Lembra-te de orar sem esquecimentos pelo retorno da minha Igreja por meio do arrependimento ao meu Coração do qual ela fugiu. É mais importante a oração pelos heréticos do que procurar argumentações intelectuais para convencê-los do erro! (Sto Agostinho) A oração, é pois, a graça maior que meu Pai tem concedido! Nela está a salvação pessoal e a de toda a humanidade!
Dividiremos este estudo em três partes. Na primeira trataremos de ver com a ajuda do Espírito Santo o tema do capítulo VIII: As religiões ao serviço da fraternidade no mundo. O segundo eixo de nosso estudo sobre Todos irmãos, seria sobre a racionalidade humana e sua capacidade de constituir e levar à termo o desafio central da Encíclica: Sobre a fraternidade e a amizade social. Por último, os temas fundamentais para a compreensão da Encíclica deveriam ser abordado desde a dimensão ética, seus fundamentos, possibilidades, fragilidade do pensamento ético na Encíclica…É o que intentaremos fazer.
AS RELIGIÕES À SERVIÇO DA FRATERNIDADE NO MUNDO
Na Encíclica Todos irmãos (FT) o ponto de partida para o estudo das religiões no mundo se oferece por meio de um nivelamento de todas elas em vista da construção de uma fraternidade universal. Sobre o específico cristão neste assunto, quer dizer, sobre o Filho de Deus “entregue a morte pelos pecados da humanidade”, Filho em cujo sangue Deus estabelece uma aliança eterna e universal entre todos os homens, a reconciliação Dele com os homens e entre eles nesse sangue, não se faz uma afirmação sequer!
Por outra parte, esposa, tu, minha Igreja, não formas parte daquilo que é específico teu, quer dizer, “ser em Mim como um sacramento, sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano”. Esposa, ficas esquecida por completo! Com isso, segundo o Vaticano II se perde a tua identidade, “tua natureza e a tua missão universal” (LG 1). O final deste número conciliar para Mim e para ti, declara o que deves ser nas tuas atitudes, oh esposa, com relação à fraternidade universal. As condições dos tempos modernos acrescentam a esta missão uma urgência maior sobre ti, minha Igreja, “para que os homens todos, unidos hoje mais intimamente com toda classe de relacionamentos sociais, técnicos e culturais, consigam também a plena unidade em Cristo “(LG 1)”!
Para a mente conciliar a unidade, fraternidade universal alcançam a plenitude da unidade somente em Mim! O que a Encíclica propõe como serviço das religiões ao mundo fica despojado daquilo que unicamente pode garantir a unidade: Cristo Jesus! Anulada a relação específica entre a união íntima com Deus e com todo o gênero humano Nele em Mim, ficas despojada, arrebatada daquilo que constitui propriamente teu mistério: “Sacramento universal de salvação” eterna, histórica e intramundana também!
Por outra parte, a Igreja, tu, segundo o Vaticano II (GS 1)! Se sente íntima e realmente solidária com o gênero humano e sua história… Igreja que tem recebido a boa nova da salvação para comunicá-la a todos” (Ibid). A Encíclica diverge do pensamento conciliar enquanto este compreende a presença e a ação da Igreja no mundo atual, descrevendo o mundo, destino e tarefa da mesma como “o conjunto universal das realidades entre as que ela (Família humana) vive” (GS 2). Atenta, minha esposa, porque a Encíclica não descreve a família humana, (O mundo) como o Concílio.
O que acarreta múltiplos problemas. “O mundo (Família humana nele) é o teatro da história humana com os seus afãs, fracassos e vitórias; o mundo que os cristãos cremos fundado e conservado pelo amor do Criador, escravizado debaixo da servidão do pecado, mais liberto por Cristo crucificado e ressuscitado, destruindo o poder do demônio, de maneira que o mundo seja transformado segundo o propósito divino e assim chegue à sua consumação” (GS 2)
Com esta humanidade, com este mundo na história, não concordam as afirmações da Encíclica nem se interessa em enunciá-las ou sequer lembrá-las! Por exemplo, o mundo, segundo ela, não está escravizado debaixo da escravidão do pecado! Em parte nenhuma se fala das religiões como realidades marcadas pelo pecado. Nem sequer no momento solene da Declaração conjunta entre o Santo Padre e o Imã Ahmad Al-Tayebb sobre paz, justiça e fraternidade! (285). Agora, se se anula o pecado, se anula necessariamente a redenção de Cristo, a remissão dos pecados pelo seu sangue, o amor (Jo 3,16…) propriamente cristão e inconfundível como tal (Rom 5,5-11)! Assim fica extirpada a paz entre os povos, permanecendo viva sempre a raiz da discórdia. (Ef 2, 13-14), a separação e a inimizade entre os grupos humanos, a falta da reconciliação num Corpo (Ibid 16) ao ser eliminada violentamente “a Cruz, na qual Cristo, Eu, matei a iniquidade” (Ef 2,16).
Por outra parte, Todos irmãos ao suprimir o pecado na interpretação e enfrentamento do “pecado estrutural”, elimina todo o poder profético para a transformação da sociedade em vistas de uma política melhor (Cap V) assim como se priva à humanidade do exercício autêntico do diálogo sobre a amizade social (Cap VI).
Além do mais, a eliminação do conceito de pecado especialmente do estrutural, faz da Encíclica um escrito de filosofia social, reflexão sobre a humanidade chamada à fraternidade e ao amor social, mas não ao “evangelho, poder de Deus para a salvação daquele que crê” (Rom 1,16). Assim se inutiliza toda a potência dinamizadora da vida social das religiões ao despojá-las dos seus condicionamentos ético-racionais silenciando o pecado das mesmas o qual atenta diretamente à sua identidade de grupo “religioso”!
A isto temos que acrescentar que a novidade, em grande parte revolucionária da consideração das problemáticas sociais desde o ponto de vista do pecado e da redenção, realizada na Encíclica Sollicitudo rei socialis, ficou completamente esquecida, inutilizada. Ainda mais num texto como o FT que pareceria pretender ser uma Suma teológico-pastoral das Ciências sociais ou melhor da Doutrina social da Igreja!
Falta nela o que São João Paulo segundo chama de leitura teológica dos problemas sociais modernos (SRS 35 ss). Com visão certeira ele afirma: “Um mundo dividido em blocos, mantidos por ideologias rígidas, onde em lugar da interdependência e solidariedade, dominam diferentes formas de imperialismo não pode deixar de ser um mundo submetido a “estruturas de pecado” (Ibid 36). O realismo da SRS, o único realismo que pode oferecer o ponto de partida objetivo para todo o que FT almeja para a fraternidade universal, amor social, mundo aberto, um coração aberto ao mundo inteiro, política melhor, diálogo, amizade social, nos ajuda a repensar como instância crítica os eixos centrais da Encíclica FT sem o qual, esta resulta um texto estéril, inócuo e irreal!
Neste sentido e apoiado no Concílio (GS 25), SRS afirma: “O conjunto dos fatores negativos que agem em sentido contrário a uma verdadeira ciência do bem comum universal e a exigência de o favorecer, (O pecado) dá a impressão de criar nas pessoas e nas instituições, um obstáculo a superar.”
O Concílio o especifica assim, querida esposa, de modo que possas discernir e assumir tua responsabilidade cidadã e cristã com eficácia: “As perturbações que tão frequentemente perturbam a realidade social procedem em parte das tensões próprias das estruturas econômicas, políticas e sociais. Mas procedem sobretudo da soberba e o egoísmo humano que trabalham também o ambiente social; e assim, quando a realidade social se vê viciada pelas consequências do pecado, o homem inclinado já ao mal desde o seu nascimento, encontra novos estímulos para o pecado os quais unicamente podem ser vencidos com esforço decidido, ajudado pela graça” (GS 25).
Excluindo a presença do pecado na pessoa humana, nas religiões e na sociedade, o texto da Encíclica fica esvaziado, irreal e, portanto, sem garra! Existe aqui um certo tipo de amnésia com grave perigo para a compreensão da Doutrina Social da Igreja assim como para a fundamentação, motivações e dinamismos internos necessários para atingir objetivos tão nobres e de tanta transcendência humana e evangelizadora como os apresentados por FT.
Como se trata de algo fundamental, é necessário insistir na sã Doutrina para que o mistério da piedade brilhe com todo esplendor na sociedade e produza os frutos abundantes e permanentes que o Pai deseja (João 15).
Na situação atual do mundo intervém diversas problemáticas que podemos chamar de “estruturas de pecado”, que se radicam no pecado pessoal e por consequência, estão sempre ligadas à atos concretos das pessoas que as fazem manifestar-se, as consolidam e tornam difícil removê-las” (Cfr. Ibid 36; RP 16). Assim, elas reforçam-se, expandem-se e tornam-se fontes de outros pecados condicionando o comportamento dos homens.
O Papa São João Paulo aponta para a ferida do homem contemporâneo e da sociedade humana afirmando que pecado e estruturas de pecado são categorias que não se vê com frequência aplicar ao mundo contemporâneo. No entanto, “não se chegará à compreensão profunda da realidade conforme ela se apresenta aos nossos olhos, sem dar um nome à raiz (pecado) dos males que nos afligem”. Esta afirmação se efetiva e se comprova ao longo da leitura de toda a Encíclica. Precisamente por faltar-lhe esta compreensão profunda da realidade! Na FT se evidenciam análises amplas da sociedade, mas sem penetração, sem imersão na realidade tão complexa e inconstante da sociedade atual. Fato a lamentar porque invalida afirmações importantes dela sobre a sociedade e fraternidade universal. Porque na negação mesma do pecado e das estruturas de pecado, as análises, as terapias, as metodologias todas fracassarão!
É certo que podemos falar de “egoísmo” e de “vistas curtas”; pode-se fazer referência a “cálculos políticos errados”, a “decisões econômicas imprudentes”. E em cada uma destas avaliações, escutar um eco de natureza ético-social. O ser do homem é tal que torna difícil uma análise mais profunda das ações e omissões das pessoas, sem implicar, de uma maneira ou de outra, um juízo ou referências de ordem ética. (Cfr SRS 36).
A avaliação sócio-política que faz a Encíclica é por si mesma positiva. Sobretudo quando se torna inteiramente coerente e se funda na fé em Deus e na sua lei que ordena o bem e proíbe o mal.
Agora, querida esposa, a SRS, nos ensina ao respeito, que nisto consiste a diferença entre a análise de tipo sócio-política e a referência formal ao “pecado” e às “estruturas de pecado”. Esta também é a diferença existente entre doutrina conciliar sobre unidade do gênero humano, fraternidade universal, amor social, sociedade e o magistério da Encíclica FT. Se a sociedade, as religiões, se a humanidade e sua transformação não se fundamentam na experiência do pecado e na libertação do mesmo, não existe saída para as contradições cada dia mais patentes da racionalidade.
Ao mesmo tempo à luz do mistério do pecado e da sua libertação podemos superar à vivência da sensação oprimente do mal estar, da sociedade atual. Assim, a reflexão sobre o homem, sobre a sociedade e o tempo à luz do pecado e da sua redenção por muito desafiador que este seja, nos possibilitará avaliar, julgar, enquadrar a realidade, a humanidade, para ajudá-la tendo em conta estas realidades: a vontade de Deus três vezes Santo; o seu plano sobre os homens; a sua justiça e a sua misericórdia; o Deus rico em misericórdia, o Senhor e o Redentor do homem. O qual evidentemente exige dos homens atitudes precisas, que se exprimem também e necessariamente em ações ou omissões que concernem ao próximo.
Ao mesmo tempo, sem a observância dos dez mandamentos da lei de Deus, ofende-se a Este e prejudica-se ao outro, introduzindo no mundo condicionamentos e obstáculos que vão muito além das ações de uma pessoa e do breve período da sua vida.
Interfere-se igualmente no processo do desenvolvimento dos povos, cujo atraso e cuja lentidão devem ser julgados também sob essa luz: pecado e graça.
Querida esposa, retornemos ao tema central do nosso estudo sobre as religiões ao serviço da fraternidade no mundo (Cap VIII da Fratelli Tutti). Começa esse capítulo com a afirmação de que as várias religiões oferecem “uma preciosa contribuição para a construção da fraternidade e a defesa da justiça na sociedade já que reconhecem o valor de cada pessoa humana como criatura chamada a ser filho ou filha de Deus”. É necessário destacar a ambiguidade que em geral acompanha a utilização por parte da Encíclica de termos que em si são uni-significantes mas que de fato, se prestam a interpretações e conteúdos bem diferentes. Este é um exemplo: filho de Deus!
Em concreto, ser “filho (a) de Deus” no cristianismo significa uma nova criação, a geração de uma criatura nova, em que nem a carne nem o sangue têm a possibilidade dessa geração e que somente se efetiva a partir de Deus, da Palavra de Deus, Jesus Cristo, “o único que viu” (Conheceu ao Pai) e o único que o dá a conhecer comunicando ao homem a participação na “natureza divina” (2 Carta de São Pedro 1,4).
“Porque aquele que existe em Cristo Jesus é uma nova criatura. As coisas antigas passaram. Tudo é novo” (2 Coríntios 5,17 ss). E precisamente pela reconciliação por meio da vítima inocente do Calvário (Ibid ss). (Cfr GS 22; Rom 8; Gál 4 e passim). De maneira que a aplicação a qualquer outra religião do conceito de fraternidade-filiação como se entende no cristianismo e sem especificar nada a respeito, é uma aplicação abusiva. São evidentes as conexões mentais, relacionais, afetivas, entre o conceito puramente humano de filiação, e da Fé e do cristã. Mas a diferença entre eles, deve ser explicitada com tanta coragem e respeito ao irmão (a) de outra religião de modo que este possa ser valorizado como aquele que é, assim como valorizado e reconhecido como aquele que não é: filho de Deus!
A construção da fraternidade universal e a defesa da justiça exigem uma atitude de verdade e de amor acolhendo ao outro como ele é. E neste “acolhimento” como ele, se encontra ao mesmo tempo desprovido de algo que lhe pertence pela ação exclusiva da graça divina, a filiação divina nela a qual não possui, assim como tão pouco a “amizade, a paz, a harmonia e a partilha (autêntica) dos valores e experiências morais e espirituais” (Ibid).
O número seguinte (272) confirma essa afirmação ao citar uma frase preciosa do Papa Bento XVI: “A razão por si só é capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivência cívica entre eles, mas não consegue fundar a fraternidade” (CIV 19). A distância entre ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivência pacífica entre eles e fundar, gerar a fraternidade, é infinita. Exatamente como a distância entre Criador e criatura. Somente Deus é capaz de criar o que não existe, um homem novo ou ressuscitar um morto. Realidades inatingíveis pelo poder do homem e por muito que o deseje!
É evidente que a humanidade precisa de “pensadores capazes de reflexão profunda, em busca de um humanismo novo” (Resumido no conceito da fraternidade) (PP 20). É a falta da fraternidade entre os homens e os povos sobretudo, que está na raiz de tantas divisões, subdesenvolvimento e enfrentamentos. Nossos esforços por fraternidade são estéreis. “A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos” (CIV 19). Diga-se o mesmo das religiões. Elas nos aproximam, mas não nos fazem irmãos! Religiões pensadas desde o homem e desde os anseios mais profundos do ser humano não alheios às inspirações de Deus vivo, mas incapazes de gerar “filhos no Filho”, homens novos, partícipes da natureza divina e portanto, verdadeiramente irmãos numa fraternidade universal pensada por Deus e realizada no sacramento “da união íntima com Ele e da unidade do gênero humano” (LG 1).
Numa palavra, preenchendo os silêncios graves e completando o pensamento da Encíclica, querida esposa, assimila as palavras sábias de CIV: “A fraternidade tem origem numa vocação transcendente de Deus Pai que nos amou primeiro, ensinando-nos por meio do Filho o que é a caridade fraterna”. Portanto a verdadeira fraternidade. Ao apresentar os vários níveis do processo de desenvolvimento do homem, Paulo VI colocava no vértice, depois de mencionar a fé, a unidade “na caridade de Cristo que nos chama a todos a participar como filhos na vida do Deus vivo, Pai de todos os homens”. (PP 21).
Ao mesmo tempo, esposa, que descobres os limites da FT ao não especificar esta o conceito de transcendência nas religiões, (271) São Paulo VI e Bento XVI pontuam com perfeição o que se entende por transcendência para cristãos e portanto, aquilo que é referencial obrigado de toda religião. Se trata da transcendência da vocação a conhecer e amar a Deus como Pai! Essa é a transcendência! Não parcial e, portanto, não transcendência!
Nisto consiste o Amor: amar Aquele “que nos amou primeiro”! Nisso também consiste a transcendência de Deus no amor por meio do Filho “por quem amou ao mundo entregando-o” para a salvação” dele. Esposa, esta é a única transcendência que pode realizar a autêntica filiação e portanto, a única fraternidade humana. Por meio do Filho, pois, ele nos ensinou o que é a verdadeira caridade (Portanto, fraternidade!).
É numa palavra, o amor, a caridade de Cristo que nos chama a todos a participar como filhos na vida do Deus vivo, Pai de todos os homens! Alegra-te e louva ao Pai por esta revelação da sua paternidade em Mim!
O número 273 está construído sobre a verdade transcendente da dignidade da pessoa humana vendo na negação da mesma, a raiz do totalitarismo moderno, destacando os limites de uma maioria para impor suas convicções lançando-se contra a minoria. Mas de novo silencia FT o específico da contribuição da religião cristã tanto na compreensão verdadeira da transcendência humana como no enfrentamento ao totalitarismo moderno inclusive o da maioria social. Toda a citação valiosa da Centessimus Annus (44) de S. João Paulo II que ocupa o número que estamos estudando completa os silêncios, vazios e ocultações metodológicas fundamentais da Encíclica e que devem ser necessariamente completados.
Esposa, no número 46 de CA o Papa João Paulo II introduz o conceito de liberdade para explicar essa transcendência do homem, base na FT da fraternidade universal. Atenta, querida; “A Igreja reafirmando constantemente a dignidade transcendente da pessoa humana, tem por método, o respeito à liberdade. Mas a liberdade só é plenamente valorizada pela aceitação da verdade. Num mundo sem verdade, a liberdade perde a sua consistência e o homem acaba exposto à violência das paixões e aos condicionalismos visíveis ou ocultos. O cristão vive a liberdade (João 8,31-32) e serve-a propondo segundo a natureza missionária da sua vocação, a verdade que conheceu”.
No diálogo com outros homens não cristãos, ele, atento a toda a parcela de verdade que encontre na experiência da vida e na cultura dos indivíduos e das Nações, não renunciará a afirmar tudo o que a sua fé e o reto uso da razão lhe deram a conhecer” (CA 46, final). O realismo deste texto contrasta com a maior parte das afirmações que a Encíclica faz sobre a bondade inata do homem e da sua boa vontade ingênita para fazer o bem. Numa palavra, uma antropologia ingênua! Num mundo sem verdade, a liberdade perde sua consistência e o homem acaba exposto à violência das paixões e aos condicionalismos visíveis ou ocultos. Este é o homem sobre o qual unicamente é possível construir a fraternidade: na verdade de uma liberdade escrava e liberta pela verdade de Cristo! (Cfr Ibid).
Por qué, esposa amada, paira sobre a Encíclica uma sombra, uma nuvem espessa que a impede-a proclamar a verdade do pecado do homem e, portanto, da dificuldade inata de criar por si mesmo uma fraternidade na verdade e na liberdade? Porque é a verdade aquela que unicamente faz o homem e as sociedades verdadeiramente livres! Providencialmente neste texto da CA, esposa, se houve uma voz potente e espontânea proclamando a missão da Igreja e o engajamento incansável da mesma no anúncio da verdade “sem renunciar nunca a afirmar tudo o que a sua fé e o reto uso da razão lhe deram a conhecer” (Ibid).
Arma-te de paciência, querida esposa, porque este estudo ao esclarecer pontos de partida fundamentais para a compreensão das religiões e da Encíclica, despertará em ti uma decisão radical pela missão, pelo anúncio da verdade e da salvação, precisamente para construir essa fraternidade universal!
Lança-te, com entusiasmo nas águas profundas e claras ao mesmo tempo da Doutrina que a RM oferece pela ação do Espírito Santo. Eis o resumo de alguns pontos do pensamento sobre a missão praticamente ausente na Encíclica. Eis o resumo!
- Com pleno respeito a todas as religiões e sensibilidades, antes de tudo devemos afirmar com simplicidade nossa fé em Cristo, único Salvador do homem. Fé recebida como um dom que procede do Alto!
- Esta proclamação renunciando à falta de vergonha é a fé dos mártires de todas as épocas também da nossa, convictos de que cada homem (E toda religião e sociedade) tem necessidade de Jesus Cristo, Aquele que tem vencido o pecado e a morte, reconciliando os homens com Deus.
- A Igreja não pode deixar de proclamar que Jesus veio a revelar o rosto de Deus e com sua Cruz e ressurreição alcançar a salvação para todos os homens.
- Abrir-se ao amor e Deus em Cristo é a verdadeira libertação dos homens, das religiões e sociedades!
- Jesus veio a trazer a salvação integral que abrange o homem inteiro e todos os homens, abrindo-os aos horizontes da filiação divina. Portanto, eliminando a falsa euforia da construção de uma fraternidade sem filiação divina dos homens, erro da Encíclica, ou silenciamento envergonhado da mesma!
- A Igreja e nela todo cristão não pode “esconder” nem conservar para si mesmo esta riqueza e novidade, recebidas da bondade divina para serem comunicadas a todos os homens, Religiões e Sociedades.
Os números 274-275 de Fratelli Tutti se empenham em não falar do pecado nem no mundo, nem nas religiões. Talvez porque isto poderia destruir o clima de “diálogo” com elas. Assim, apresentando as religiões como instâncias e grupos humanos de salvação para a humanidade sem elas antes serem salvas. Parece um despropósito! Se fale em Fratelli Tutti de ideologia, brutalidade, privação da consciência, da liberdade, dos ídolos, filosofias materialistas… mas sem uma palavra sobre o pecado em religião nenhuma. No entanto, se fala de todas as injustiças, brutalidade, privação da liberdade… É esta uma opção tomada nos últimos documentos da igreja a partir de LS, Sínodo da Amazônia e agora com Fratelli Tutti em que sistematicamente se silencia a raiz de todos os males,: o pecado!
Atenta, querida esposa, a alguns aspectos da doutrina do Concílio a respeito do pecado. “Em efeito, unicamente pode gerar-se um homem novo (Capaz de gerir uma sociedade, humanidade nova, religiões novas e atualizadas), exterminando o que corresponde ao homem velho. Princípio que prioritariamente se refere às pessoas, mas que abrange necessariamente aos diversos bens deste mundo (Religiões no caso) bens e realidades marcados ao mesmo tempo com o pecado do homem e com a benção de Deus”. “Porque todos pecaram e todos necessitam da glória de Deus (Rom 3,23)” (AG 8). Poderás observar, esposa, que passo a passo nesta reflexão, como fica mais clara a necessidade absoluta de introduzir no diálogo com as religiões o conceito e a realidade do pecado! Pode parecer intolerância, negativismo, pessimismo, mas é a única forma de criar vínculos entre as religiões, quer dizer, a partir da condição do pecado em que se encontram todas elas e muitos dos membros dessas instituições religiosas!
“Ninguém se livra por si mesmo, com as suas próprias forças do pecado nem tão pouco de elevar-se sobre si mesmo” (Ibid). A saída, querida esposa, pela porta do voluntarismo, pelagianismo, auto-referencialidade religiosa, de livrar-se por si mesmo do pecado, está fechada. Tão fechada como, tudo o que de fraterno se queira encenar sem partir das situações de pecado!
“Ninguém se livra inteiramente da sua própria debilidade da sua solidão, e da própria condição de escravo” (Ibid). Pelo contrário “Foram os apóstolos pregadores da verdade e apóstolos da liberdade” (Santo Irineu, Adversus haereses, III, 15,3).
Esposa amada, assim continua o Decreto sobre a missão da Igreja: “Todos têm necessidade de Cristo, modelo, mestre, libertador, salvador e vivificador” (Ad Gentes). Também as religiões indígenas, budista, islâmica… Por qué estender um manto de silencio sobre tudo isso?
De fato, dessa forma está-se eliminando a base para a construção da fraternidade universal, do diálogo inter-religioso, do progresso e desenvolvimento integral da humanidade: ” Na realidade, o evangelho foi fermento da liberdade e do progresso na história humana, inclusive temporal. De modo que esse evangelho se apresenta sempre como germe de fraternidade, de unidade e de paz. Com toda razão, portanto, os fiéis celebram a Cristo como “esperança das nações e Salvador das mesmas” (Ibid)
Mas se a Igreja cala essa boa nova para a humanidade, ela deixa que o sal perca o sabor, a luz seja ocultada e se faça invisível aquilo que não se pode ocultar “a cidade sobre o monte”!
Conclusão
Esposa minha, pelo que levamos de estudo neste capítulo podes ver a transcendência da temática que nos ocupa e da necessidade de possuirmos conceitos claros com relação a FT. Terás podido observar que o humanismo proclamado pelo Papa Francisco não é um “humanismo novo”, é dizer aquele que correspondente unicamente ao homem novo que é gerado pela Palavra (Jo 1,12). Não pela vontade do homem, nem da carne, nem do sangue… É o que explicamos antes: “As Religiões nos aproximam, mas não nos fazem irmãos”.
Tens percebido também com toda claridade que a fraternidade universal se verdadeira, tem que estar alicerçada previamente na filiação divina. Não tem irmãos se não tiver um Pai. Em concreto, o único Pai é o do Nosso Senhor Jesus Cristo! Nenhum outro é um Pai verdadeiro.
O silenciamento suicida da dimensão missionária da Igreja por parte da Encíclica faz da mesma uma afirmação vaga, de uma missionariedade implícita. Isto é anular o Espírito que anima o Novo Pentecostes que está soprando de modo essencialmente missionário!
Desta maneira a Igreja como “sacramento universal de salvação” fica pressuposta talvez, mas numa condição de miserável intranscendência para a missão.
A ingenuidade da Encíclica deformando de modo intranscendente o ser humano considerado por ela como um ser plenamente identificado com o mais profundo de si mesmo e na retidão original da sua condição humana, silenciando por completo a realidade de pecado que de modo universal paira sobre todos e sobre tudo, nega com toda evidencia a identidade do homem histórico, como ele é e portanto silenciando a vocação para a qual é chamado desde a graça divina como ser pecador: filho de Deus, quer dizer, partícipe da natureza divina!
A opção do Santo Padre de não proclamar o que é o Amor ao longo de toda a Encíclica, sem explicar um mínimo de que Deus estamos tratando, deixa nas sombras e na mais absoluta falta de esperança de fato a toda a humanidade!
Clama, esposa, levanta tua lamentação e não cesses de erguer um canto fúnebre por ti mesma porque vós me tendes abandonado de tantas formas, umas sutís e outras escancaradas! Voltai-vos para Mim! Eu vos tenho destinado a interceder de modo incessante e bem unidos, por vocês mesmos e pelos vossos filhos, aqueles sobre os quais Eu vos constitui em autoridade amorosa!. Gritai, clamai e Eu vos ouvirei. Eu te libertarei do Faraó terrível, da idolatria de ti mesma e assim serás minha. “E tu me conhecerás!” (Oseias).
Irmãos, continuemos firmes na fé e no amor que dela nasce e em grande parte com ela se identifica e na esperança verdadeira Naquele que não decepciona porque “o amor de Deus foi derramado em nossos corações”. Assim poderemos ser da parte de Deus: profetas, testemunhas e construtores da esperança para um mundo desesperado, também em grandes setores da nossa Igreja!
Soure, 22 de fevereiro de 2021
Até o próximo capítulo.
Vosso irmão
D. José Luis Azcona Hermoso
BIBLIOGRAFIA
FT- Fratelli Tutti (2020)
LG- Lumen Gentium. Constituição dogmática sobre a Igreja. (Concílio)
GS- Gaudium et Spes. Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo (Concílio)
SRS- Sollicitudo rei socialis. S. João Paulo II (1987)
RP- Reconciliatio et Poenitentia (S. João Paulo II) (1984)
PP- Populorum Progressio (S. Paulo VI) (1967)
CIV- Caritas in veritate (Bento XVI) (2009)
CA- Centessimus annus. (S. João Paulo II) (1991)
RM- Redemptoris missio. (S. João Paulo II) (1990)
EN- Evangelii nuntiandi (S. Paulo VI) (1975)
DCE- Deus Caritas est (Bento XVI) (2005)
FC- Familiaris Consortio (S. João Paulo II) (1981