Muito se tem falado da “bolha católica” por causa do caso de um terapeuta influencer, especialista em terapia contra pornografia que, aproveitando-se da fragilidade de seu público feminino, pedia materiais pornográficos a elas. A partir disso, muitos dos gurus das bolhas foram postos em xeque. Eles foram criticados por causa de seus métodos de “marketing digital” que, usando-se da religião católica, quando aplicados, fanatizavam seus seguidores.
Paradoxalmente, o fenômeno de crítica à “bolha católica”, isto é, aos influencers que usam da religião católica para fanatizar seus seguidores (que para eles são nada mais que leads), foi feito por outros influencers, criando o que o blog Sensus Perennis chamou de “meta-influencers”, influencer que critica outro influencer. É rir para não chorar.
O blog Sensus Perennis, que tem feito análises precisas e minuciosa dessa rinha de influencers, aponta que estão atacando a “bolha católica” mirando os católicos tradicionalistas, porém, o que acertam são os influencers conservadores, naquilo que o mesmo blog chamou de opudeísmo cultural. Nome curioso, chamarei aqui esta bolha conservadora-católica de bolha obreira. De fato, há muitas críticas pertinentes a esta bolha, mas não podemos deixar de analisar os metainfluencers que estão atacando a bolha obreira. O que se observa nesse fenômeno é que atacam o tradicionalismo católico (sendo que a bolha obreira é composta mais por conservadores do que por tradicionalistas) em nome do laxismo, razão pela qual chamarei esta outra bolha de bolha laxista. É a bolha laxista a que está inserida na minha análise.
Para este fim, analisarei a live feita entre Ana Paula Perci e o Alexandre Marques. Porém, tal live será usada mais como exemplo ilustrativo dos apontamentos que quero fazer neste artigo. No fundo, meu texto é um ensaio da psicologia do laxismo. Por isso, antes de analisar parte da live em questão, farei alguns apontamentos sobre esta postura. Depois usarei a live para fins de diversão (já explico em que consistirá o divertimento).
Não tenho receio de chamar a outra bolha de laxista, pois, na minha opinião, foi a própria Ana Paula Perci quem deu uma boa definição sobre o que é a bolha. Com efeito, numa ótima live onde ela analisa o fenômeno de mimetismo que a bolha obreira gera em seus seguidores, destacando inclusive elementos de seita que tais influencers utilizam, Perci define a bolha como sendo uma certa rede de influencers que se retroalimentam em seus conteúdos recomendando uns aos outros. Ao adentrar nessa bolha, a pessoa passaria automaticamente a consumir certo tipo de conteúdo presente nessa rede. Precisamente, o conceito de bolha dada por Perci é perspicaz, mas, questiono, ao fazer a live com Marques, o grande crítico das bolhas, não estaríamos diante de outra bolha?
Faz parte do game. Todo influencer quer ganhar engajamento e, sendo assim, a união com outros influencers do mesmo espectro, ou melhor, com opiniões similis, é uma boa estratégia. Só que a mim não passa despercebido que a crítica a uma “bolha” não isenta o crítico de estar numa outra bolha. Bom, como diz o adágio, “eles que são influencers, eles que se entendam”.
A característica mãe do laxismo é que, dado um confronto entre os preceitos impopulares, mas verdadeiros, do catolicismo e o mundo, numa suposta neutralidade, equilíbrio e bom senso, a bolha laxista fará – detalhe importante: sem nunca adentrar no mérito intelectual da questão – a opção preferencial pelo mundo. Em palavras mais modernamente descoladas: passam pano para mundo em detrimento dos católicos mais fervorosos.
Não se trata de um fenômeno novo. A bolha laxista carrega consigo a alma da heresia liberal. A maioria dos problemas dos católicos liberais está presente nos laxistas. Tendo estudado os primeiros, em nada fico espantado quando vejo uma conversa entre os segundos.
O “catolicismo-liberal” é bem mais perigoso. Já foi dito com razão que, graças a ele, o julgamento definha-se, a consciência torna-se indiferente, o espírito se enche de sombras e de nuvens… Como então conservar a tradição imaculada da Igreja neste mundo de imagens onde a arte da degradação das cores é estendida ao infinito? Hesitar-se-ia em saltar bruscamente do cume do puro catolicismo até as profundezas do liberalismo. O “catolicismo-liberal” oferece e dispõe a inclinação intermediária que facilitará a descida tornando-a insensível (…). o cinza-claro ou escuro do “catolicismo-liberal” regula ao bel prazer a transição entre a brancura sem mácula do catolicismo e o preto escuro do liberalismo. No parlamento das filosofias e das Religiões, o “católico-liberal” se colocaria, com efeito, entre a direita representando a verdade católica e a esquerda figurando a balbúrdia dos erros, no centro que ele chama audaciosamente de “justo meio”. Mas, se dirá, uma inclinação não é feita tanto para subir quanto para descer? Sem dúvida, mas precisamente o “católico-liberal” manifesta uma tendência perpétua para “progredir” em direção à esquerda; pela força das coisas e a lógica dos princípios, ele é cada vez menos católico e cada vez mais liberal (Pe. Augustin Roussel, Liberalismo e Catolicismo)
Dizem com razão os laxistas que as circunstâncias específicas de uma pessoa influenciam na forma como ela deve lidar com os preceitos da religião. Os princípios são gerais, mas a aplicação de tais princípios podem variar caso a caso. Eles têm razão. Porém, jamais se deve usar as circunstâncias específicas para relativizar ou minimizar os princípios gerais. E nisto, erram. Xô liberalismo.
Uma segunda observação importante de ter-se em mente na hora de analisar a bolha laxista é o princípio de que o superior é quem deve iluminar o inferior. Quando uma prática A é moralmente superior a B, não se pode querer equipará-las em legitimidade em nome de um suposto “equilíbrio” ou “bom senso”. Os amigos do laxismo, ao não reconhecerem a hierarquia e os graus de perfeição da realidade, erram nisto também. Xô igualitarismo.
Por último, estratagema habitual dos laxistas é acusar o radicalismo (radical é o que atua desde a raiz) do fervor católico de “neurose”. O pressuposto implícito deles (na verdade o é de quase todas as escolas da psicologia moderna, incluindo a psicanálise) é que o distanciamento dos costumes sociais gera neurose, sendo o meio mais eficaz de evitar isso é o que eles chamam de “equilibro”, “bom senso”, “prudência”, obtido quando se pratica a Religião sem que se faça radicais rupturas com os costumes sociais mundanos. Seria esta neurose a responsável pelos exageros e pelos ímpetos condenatórios dos católicos tradicionais, que rompem com os costumes e fazem apologética da religião simplesmente com o fim de quererem aparecer como sendo “mais santos ou virtuosos que os outros”. É possível que a crítica contra os costumes mundanos seja motivada por vaidade, sendo o catolicão criticador, no fundo, um hipócrita neurótico. Mas também é possível que a crítica e a apologética sejam feitas não por hipocrisia, mas por convicção e contemplação intelectual, tendo no fundo uma sólida argumentação teológica (fé) e filosófica (razão) e um vigor da vontade orientada contra o mundo (pecado ou ocasião de pecado). Seja qual for o caso, permanece o fato de que a tentativa laxista de conciliar a pureza da fé com as más modas mundanas é simplesmente absurda. Xô fraternidade.
Neste sentido, vale o comentário de São Beda ao Evangelho de Marcos:
João diz a Jesus: Mestre, vimos um homem que expulsava demônios em teu nome, e não o permitimos porque não é dos nossos. João que amava com extraordinário fervor ao Senhor, e por isso era digno de ser amado por Ele, pensava que devia ser privado do benefício aquele que não tinha o ofício. Porém, o Senhor lhe ensinou que ninguém deve ser afastado do bem que em parte possui, mas deve ser convidado para aquilo que ainda não possui. E prossegue dizendo:
“Não o proibais. Ninguém que realize milagres em meu nome falará mal de mim. Quem não é contra nós, está a nosso favor”. O mesmo afirma o sábio Apóstolo: Contanto que Cristo seja anunciado, como pretexto ou como fidelidade, disso me alegro e me alegrarei. Porém, ainda que se alegre por aqueles que anunciam a Cristo de forma não sincera, e se inclusive algumas vezes fazem milagres pela salvação de outros, aconselhando que não sejam impedidos, contudo, não podem ser justificados por tais milagres.
Ainda mais, naquele dia dirão: Senhor, Senhor, acaso não profetizamos em teu nome, e não expulsamos demônios em teu nome, e não realizamos milagres em teu nome?, e receberão esta resposta: Não vos conheço, apartai-vos de mim, vós que operais a iniquidade! Portanto, a respeito dos hereges e maus católicos devemos solenemente rejeitar não aquelas crenças e aqueles sacramentos que têm em comum conosco, não contra nós, mas as divisões que se opõem à paz e à verdade, pelas quais estão contra nós e não se mantêm em unidade com o Senhor.
Portanto, mesmo na crítica hipócrita, se ela é verdadeira e pertinente, não devemos censurá-la enquanto crítica. Podemos até fazer apontamentos quanto à prudência de tal aplicação (São Paulo, por exemplo, distingue os que bebem leite dos que comem alimento sólido), mas não quanto ao mérito da questão. Contudo, como já foi dito, os laxistas não se aprofundam no mérito, preferindo focar na neurose (suposta ou verdadeira) do crítico.
De fato, mais presente do que violão em Missa Nova, a acusação de “neurose” por parte dos laxistas é a nota mais repetitiva de sua mentalidade. É até irônico observar que ver “neurose” em tudo, inclusive na busca da virtude, pode ser uma manifestação da neurose, não? Aliás, usarei a live mencionada justamente para apontar possibilidade de neurose da bolha laxista. Este será o meu divertimento. Se a regra permite a “livre” suposição de neurose, por que não ver se há neurose nos caçadores de neurose?
Mas antes de ir para a análise da live em questão, é importante fazer ainda uma última observação preliminar. Assim como Rudolf Allers distingue a aridez-sintoma da aridez-etapa, sendo a primeira uma patologia realmente psicológica e a segunda uma etapa normal presente no amadurecimento e desenvolvimento espiritual, assim podemos distinguir a neurose-sintoma, quando a pessoa é realmente neurótica e, ao adentrar na religião, neurotiza a religião, da neurose-etapa. Esta, ao contrário da anterior, pode ser uma etapa esperada no desenvolvimento moral e espiritual de uma pessoa. São Francisco de Sales, por exemplo, alerta quanto a isso usando o exemplo do escrúpulo.
Diz muito opinadamente Santo Agostinho que muitos principiantes da devoção fazem coisas que julgando-se estritamente segundo as regras da perfeição, seriam censuráveis e que só se louvam neles como presságios e disposições, que são duma grande virtude. Aquele temor baixo e excessivo que produz escrúpulos fúteis na alma dos que saem do caminho do pecado, é considerado como uma virtude e presságio certo duma perfeita pureza de consciência no futuro; mas esse mesmo temor seria repreensível nos mais adiantados na perfeição, que se devem guiar pela caridade, a qual vai expulsando aos poucos o temor servil (Filotéia).
Ou seja, a neurose (o escrúpulo é um tipo de neurose) pode ser presságio e disposição para uma pureza de consciência no futuro. É a isto que estou chamando de neurose-etapa. Ordinariamente, não se sai do vício à virtude de uma só vez, há todo um combate que o penitente terá que fazer contra si mesmo, contra o mundo e contra o demônio. Por ser ainda imaturo espiritualmente, poderá, para autoafirmar-se durante esta batalha, manifestar comportamentos exagerados e rigorosos. Contudo, a solução para essa alma vencer essas neuroses-etapa e amadurecer na vida espiritual não será dada pela receita do laxismo liberal, mas sim pelo aprofundamento nas próprias virtudes, conhecendo-as mais a fundo e praticando-as com mais afinco. Passado esta inquietação e turbulência, etapa de purificação necessária para vencer o pecado, esta alma – livre de neuroses sobretudo existenciais – poderá com mais maturidade e tato lidar com problemas próprios e alheios. É que a paz de espírito é um dos frutos que se colhe quando se persevera na devoção. Agora a alma terá mais paciência para com os próprios erros e para com os pecados dos demais. O pecado alheio não ressoará como sombra dos próprios pecados. Entretanto, enquanto essa paz não chega, a alma combatente deve ser podada em seus exageros e esclarecidas quanto a seus equívocos espirituais (saber, por exemplo, discernir entre temor servil e temor filial, entre respeito humano e obediência, entre prudência da carne e prudência do espírito, etc.). Não à toa, uma das curas para o escrúpulo (e para muitas outras neuroses) é a vitória contra a ignorância. Quanto mais os exercícios e práticas espirituais fazem sentido e ganham cor, menos neurótica a pessoa fica.
O livro “A arte de aproveitas as próprias faltas”, inspirado nos ensinamentos de São Francisco de Sales, é um grande remédio para curar muitas das neuroses que aparecem nessa etapa de turbulência dos imaturos espirituais. Prefira São Francisco de Sales a qualquer influencer, seja da bolha obreira, seja da bolha laxista.
Em síntese, antes de vermos neurose no olho do irmão, devemos tirar a neurose dos nossos olhos.
Sem mais delongas, vamos à diversão.
Antes mesmo de dar play no vídeo, notemos a thumbnail: “Eles não querem que você saiba disso“. Em determinado momento da live, afirmará com razão Ana Paula Perci que a bolha não é uma seita, mas tem elementos de seita. Todavia, o que dizer da thumb? Não se está subcomunicando um conhecimento especial e secreto que será capaz de libertar a muitos? Obviamente que tal gatilho visa fazer o internauta clicar porque desperta curiosidade, mas, curiosamente, não deixa de ter alguma semelhança com promessas de seitas. De fato, muitas técnicas do marketing digital são elementos de seita. Rinha de influencers tem dessas coisas…
Agora sim, apertemos o play.
Até os 15 primeiros minutos, nos deparamos com as críticas pertinentes contra a “bolha obreira”. Os influencers dessa bolha geram escrúpulo porque, usando de puritanismo, aplicam a moral como o método de cagação de regra. Apenas acrescentaria o princípio teológico de que “a letra mata e o espírito vivifica”, ou seja, além da lei moral (letra) é necessário o discernimento que faça esta lei moral fazer sentido e ser bem aplicada (espírito). Não se pode, como já dissemos, relativizar a lei moral por causa do espírito (como gostam de fazer os modernistas e, de modo prático, como veremos, os liberais).
Nesse meio tempo Marques chega a falar que a Igreja permite que a pessoa se afaste dos sacramentos para caso de tratamentos e, uma vez tratada, então voltasse à frequentação. Obviamente, em casos graves e de saúde, isso é permitido. Contudo, porque tais privações são previstas, isso não significa que os princípios são relativos, mas apenas confirma o que já dissemos antes: a aplicação pode variar caso a caso, mas os princípios se mantêm absolutos. No caso deste tipo de afastamento, o princípio de zelo pela própria vida é superior à frequentação dos sacramentos, por uma razão muito simples: só pode frequentar os sacramentos quem está vivo. Por isso nesses casos graves é possível ausentar-se dos sacramentos.
Digo isso porque em seguida eles entram no tópico sobre como a Religião pode ser usada para neurotizar as pessoas. Próximo ao minuto 19, Marques faz sua explanação. Diz ele que a Religião gera neurose quando tais influencers usam a Religião afastando-a da individualidade e realidade da pessoa. Por sorte (ou será por azar?), ele nos dará um exemplo. Ele conhece “inúmeros casos” de mulheres abertas a vida (a bolha laxista costuma torcer o nariz contra o princípio da abertura à vida no matrimônio) e que, chegando ao quinto filho, o médico diz que se ela engravidar, morrerá. Trágico. E Marques diz que neste caso ela tem duas opções (na verdade ela teria outra opção, mas sai do escopo deste artigo): “colocar um DIU, um método contraceptivo, ou encarar o negócio porque o influencer semi-deus disse que algum santo fez assim, do contrário você é uma covarde, uma herege e está indo contra a Igreja”. Após pintar tal cenário, diz Marques na cara de pau:
Não estou aqui para relativizar dogmas da Igreja. Para a Igreja estará errado, pronto e acabou. Mas [sempre tem aquele “mas” maroto] eu não posso me colocar no lugar de Deus e julgar aquela mulher, pois ela não está com medo de morrer, o medo dela é o de não ver os seus filhos crescerem. Como você vai julgar essa mãe que está no quinto filho e quer ver todos eles crescerem? Acaba então que ela coloca o DIU, então vai ter que deixar de comungar, fazer comunhão espiritual, e depois vai se ver com Deus. Mas eu garanto para você, Ana, [ele não julga, mas garante] que lá no julgamento final é mais fácil essa mulher ser salva do que muitos aí que parecem estar fazendo tudo certo, mas existe uma coisa na Bíblia que se chama ‘reta intenção’, será que esses que estão fazendo tudo certo têm reta intenção no coração? A maioria não [e isso que ele faz não é de julgar], são muito soberbos, e a soberba é o pior dos pecados.
A coisa é absurda nesse nível. É verdade, como bem explicaram nos primeiros 15 minutos, que a aplicação puritana das regras morais (a lei pela lei) sem levar em consideração a individualidade e realidade particular das pessoas pode ser fonte de neurose, especialmente de escrúpulo. Porém, a validade das leis morais enquanto princípios para o bem agir não muda. Por mais trágico que possa ser uma situação, a contracepção artificial é pecado de matéria grave, se a pessoa não se arrepender e não se emendar, é condenação.
É assim que se responde a pergunta capciosa que Marques levantou num exemplo de falsa-humildade: “Como você vai julgar essa mãe (…)? A resposta é simples: julga-se a mãe segundo os princípios morais da Doutrina Católica. É muito mais certo o pecado grave e o risco elevadíssimo (de fato, a última resposta é de Deus e sempre tem a possibilidade de arrepender-se no último minuto) de condenação dessa mãe do que a garantia que Marques dá em relação aos que não têm reta intenção.
Ora, já vimos que, mesmo quando a boa ação não é feita com sinceridade, isto é, sem reta intenção, nem por isso deva a ação feita ser censurada. Ademais, Marques acha que a mãe do exemplo age com reta intenção, quando objetivamente não o faz, mas quanto aos que agem bem externamente , mas sem reta intenção, pega o porrete do juízo, sendo que é precisamente neste caso que o juízo é temerário, pois não há elementos objetivos para fazer tal julgamento (só Deus perscruta os corações).
Em outras palavras, Marques, tão apreciador da realidade, inverte a mesma realidade: deixa de julgar quando há elementos objetivos para fazer o julgamento, e quer julgar a ‘reta intenção’ quando isso não é possível.
A falsa-humildade do terapeuta neste caso é evidente, e falsa humildade é uma roupagem mais discreta da soberba. O que o levou a tais sofismas e inversão da realidade? Não poderia ter sido uma neurose causada por uma repulsa excessiva da bolha obreira, de modo que, para contrastar com eles, diz às 29:59 que não vai relativizar os dogmas da Igreja, e, à meia-noite, relativiza a aplicação prática do dogma católico quanto à contracepção artificial? A bolha obreira não perdoa nada, mas Marques perdoa tudo. Cara bom.
Em seguida ele emenda um outro exemplo, bem ilustrativo da psicologia do laxismo:
Você tem que olhar o contexto em que a pessoa está vivendo (…). [Numa live disse que] As pacientes que eu tenho que querem restaurar [o casamento], mas o marido é um canalha, sem-vergonha, está lá com garota de programa, etc., e digo que elas têm que namorar de novo. O pessoal fica lá hateando nos comentários dizendo que eu disse que a mulher pode adulterar nesse caso. Não. Eu disse que a mulher tem que namorar de novo com o próprio marido SE ela quiser restaurar. Se ela quiser. Então, Alexandre, você não está lutando a favor do casamento? Queridos, quem tem que decidir é ela. Essa safra de terapeutas que quer tomar decisões pelos pacientes, e usam a religião para isso, também gera neurose.
Convenhamos que o termo “namorar de novo” abre brecha para interpretação a favor do adultério, então o escândalo das pessoas que estavam assistindo à live onde o terapeuta deu esse exemplo não é injustificado, ainda mais quando ele gosta de namorar com o relativismo quando apela para a “individualidade e realidade” da pessoa.
Felizmente Alexandre conserta a imprecisão: é para namorar de novo o marido! Menos mal: ele não está defendendo o adultério. Mas o que me estranha é Alexandre acusar de ‘hateragem‘ o que é fruto de uma imprecisão. Teria ele alguma neurose depreciativa contra pessoas que têm convicções profundas a favor do casamento e que, para elas, com a segurança da autoridade infalível da Igreja, o adultério é tão grave que, diante de uma imprecisão, logo levantem críticas e objeções?
Na sequência, Marques tem razão quando diz que o terapeuta não deve tomar a decisão pelo paciente. De fato, uma das coisas que o paciente deve adquirir através dos encontros terapêuticos é o senso de responsabilidade. Todavia, para construir este senso, o terapeuta tem que se esforçar, geralmente usando a dialética e a maiêutica, para alargar a consciência de seu paciente, de modo que o paciente entenda tanto as realidades visíveis quanto às invisíveis, a fim de vislumbrar a consequência de seus atos e/ou enxergar melhor a realidade circundante. Com efeito, a decisão final deve ser do paciente e o terapeuta não tem direito algum de ir contra ela (eis o livre-arbítrio), contudo, o terapeuta não pode em respeito ao livre-arbítrio do paciente não tentar alargar a consciência dele para que enxergue (não pelo carteiraço, mas por um gradual processo de terapia e pedagogia) o valor da indissolubilidade do casamento? Ora, numa terapia é possível fazer as duas coisas: lutar a favor do casamento e respeitar, seja qual for, a decisão do paciente, não são excludentes. Por que Marques deixa implícita essa oposição? Será que tem uma aversão neurótica tão grande à bolha obreira que, se eles por um lado, explicam pouco e impõe muito, ele, por outro, explica pouco e impõe nada?
Depois disso, Ana fala de uma realidade preocupante. Influencers que usurpam a doutrina da Igreja, de modo que ela deixa de ser a Doutrina da Igreja para ser a doutrina do influencer, segundo a visão de mundo deste. Isso é realmente preocupante. Mas o que é engraçado é que no no meio desse discorrimento (em torno de 23:30), Ana solta um: “desses [influencers] que eram muito carismáticos e agora são da Missa Tridentina 100% e nada mais”.
É engraçado porque, na medida em que o rito da Missa Tridentina é superior à Missa Nova, na mesma medida a primeira é perseguida em favor da segunda. Não dá para abstrair este cenário concreto da “guerra litúrgica”. Ademais, o debate teológico quanto licitude ou ilicitude do rito de Paulo VI é complexo, o que faz a coisa ser curiosa. Eles são rápidos em criticar a bolha obreira porque tem mania em querer simplificar casos que são complexos, mas quanto à liturgia, que é o caso teológico bastantíssimo complexo, aí a defesa 100% da Missa Tridentina soa como absurdo, simples assim, dane-se o mérito. Enfim, qual é a birra neurótica que está por trás desse desprezo por ser 100% de Missa Tridentina? Sendo a missa por excelência, ir somente ao rito tridentino não configura nenhum tipo de problema espiritual. Concedamos, porém, que querer impor a missa de sempre aos que estão alheios ao debate é contraproducente. Mas censurar quem está por dentro do debate e tem consciência da excelência do rito, decidindo ir somente nele, é igualmente contraproducente. Ainda que por motivos aparentemente opostos, a neurose nesses dois erros parece ter a mesma origem.
As caixinhas do instagram entram então em debate. E aqui temos uma coisa engraçada da rinha de influencers.
Às 23:59, Alexandre critica os influencers da bolha obreira por usarem as caixinhas do instagram para colocar em seus seguidores numa tendência de os idolatarem, de modo que façam perguntas para possam receber a validação deles, sendo que as respostas sempre serão genéricas. À meia-noite, ele diz “eu particularmente faço assim, sempre quando vou responder, coloco um “depende”, um “pode não ser bem assim”, ou mesmo nem respondo quando vejo que é algo é muito delicado, porque às vezes as pessoas querem trocar terapia por caixinha do instagram, então eu prefiro nem responder, porque aí não vai funcionar”.
Todo influencer usa a ferramenta “caixinha de instagram” para 1) adquirir engajamento e 2) obter autoridade sobre algum assunto. Mas é aquela coisa, uns usam com mais “consciência social” do que outros. É como o próximo Alexandre reconhece: nessas caixinhas só dá para dar resposta genérica, não dá para resolver problemas complexos que precisam de terapia. De fato, caixinha de instagram carrega consigo um dos problemas gerais da internet: a superficialidade. Seja como for, todo mundo a utiliza. Resta o quê? Um criticar o estilo do outro, e a superficialidade genérica das redes – que contribui para o agravamento de neuroses, sobretudo de ansiedade – fica de lado.
Em 31:00, num contexto onde estão falando sobre o isolamento físico, que é uma técnica usada por seitas, Ana vai alfinetar:
[31:13] Até tem [o isolamento físico], mas ele é mais velado. É o físico nesse grupo da Igreja, é o físico naquele outro grupo, é o físico naquela paróquia que só celebra o rito daquele jeito [de que será que ela está falando?], e por isso essas pessoas são mais santas do que as outras… Eu acho que tem, mas [esse isolamento], é um pouco mais velado.
Como mostram pesquisas, as pessoas que frequentem a missa tridentina têm maior ortodoxia em comparação com as que frequentam o Novus Ordo. Além disso, proporcionalmente mais vocações ao sacerdócio são despertadas (o que sempre foi tido como sinal manifesto da graça operando). Isso não quer dizer que sejam mais santas, senão que levam mais a sério a doutrina católica e estão mais dispostas a contrastar com o mundo. Se isso as torna mais santas (vai saber quais pecados as pessoas carregam), é outra questão. Aqui Ana quer pegar o propósito maior de busca por santidade que encontramos nos ambientes tradicionais e reduzir tudo a neurose. Típico do laxismo.
Agora, porque Ana faz esse reducionismo? Teria algum trauma devido a alguma experiência que teve em ambiente tradicionalista, e isso fez com que projetasse neurose nesses ambientes?
Em 32:30, ela retorna:
De vigilância de um com o outro, porque quando eu estabeleço um padrão, as outras pessoas que estão ali viram vigias. Então se eu estabeleço que ali só pode ir para a Missa com a roupa de camponesa [olha o deboche] (não estou aqui falando que a pessoa não tem que ter modéstia para ir a Missa), o resto ali fica fazendo essa vigia. Eu recebi relatos de pessoas que foram abordadas – não estavam com roupa imodesta – pelas mulheres da paróquia dizendo: ‘você não deveria estar aqui com esta roupa, você não deveria estar aqui de calça’. E aí você pensa, a quem foi dada autoridade a essas pessoas por terem a porta de toda moral e comportamento que tem mais de 2000 anos?
Ao contrário do que sugere Ana, o estabelecimento de padrões virtuosos é benéfico para um grupo, comunidade ou sociedade. Em sentido contrário, padrões desordenados ou falta de padrão (que inevitavelmente levam aos padrões desordenados) geram diversos malefícios sociais.
E para a tristeza da neura de Ana, o padrão de modéstia, desde que realmente modesta, o qual deve existir por causa da mancha na concupiscência após a queda pelo pecado original, é um desses padrões benéficos. Contrariamente, as modas do mundo, e isso inclui – em certa medida – as calças (das quais não se pode presumir a modéstia por si), degradam a dignidade.
Ora, o uso de saia (camponesa, segundo o léxico debochante de Perci) é superior ao uso de calça porque o critério de julgamento da modéstia não são as modas do mundo, mas a doutrina católica, apesar do deboche que possa receber do mundo (ou dos laxistas/liberais).
Deste atrito entre a modéstia e a imodéstia, ou da modéstia católica (beneficiada pelas saias) e da falsa modéstia (facilitada pelas calças), permanece ainda o dever de o católico dar testemunho de sua fé, e, neste caso específico, a abolição do uso de calça em favor da modéstia é mais conforme aos ditames da Religião do que o relativismo apologético pelo direito de usar calça. É louvável a crítica contra a imodéstia ou falsa-modéstia, e que o mundo fique ressentido por isso, faz parte da realidade, porque é próprio do testemunho da fé contrariar e desagradar ao mundo.
O católico tem o dever, e é meritório que o faça, de tentar elevar os padrões morais da sociedade – e por isso parabéns às mulheres da paróquia que criticaram as mulheres que não tem bom senso de modéstia (a ponto de terem apego pela calça) -, já o mundo fará o contrário: ridicularizará a modéstia católica para que sejam impostos os seus maus costumes.
Ana se ressente das críticas que as católicas com melhor senso de modéstia fazem das que têm pouca ou nenhuma noção, e projeta nestas uma neurose que mais claramente se vê nas mulheres apegadas às calças. Ora, onde há mais neurose? Na pessoa de maior modéstia que admoesta a que tem menos, buscando elevar esta para um padrão mais virtuoso (a despeito das vaias mundanas), ou a que pratica menos modéstia que se ressente da admoestação?
Via de regra, a neurose está mais presente em quem é menos humilde. Aplicando à questão da modéstia, lamento aos laxistas, a “camponesa” tem vantagem neste parâmetro. A que quer negociar o direito de usar calça para a alegria do mundo (e contra a radicalidade – no sentido de raiz – evangélica) perde neste quesito. Portanto, uma vez que – como dissemos – o inferior não tem o direito de julgar o superior, mais neurose está contida na mulher que resiste a deixar de usar calça (mesmo que supostamente fossem legítimas, eu mesmo não tenho uma opinião moral absoluta sobre essa querela). De fato, se eu tenho um padrão superior alcançável (veja bem, padrões inalcançáveis geram neurose, mas a mulher usar saia ou véu está longe de ser um desse tipo), mas permaneço no padrão inferior e me ressinto dos que estão no patamar superior, então, sim, os inferiores estão em neurose e só poderão racionalizar ou projetar neurose nos outros.
Sobre a pergunta: “com que autoridade fazem isso?”. É fácil responder. Geralmente as mulheres do ambiente tradicionalista estudaram a questão da modéstia, e conseguem defender sua causa em fidelidade à Doutrina da Igreja (não da moda do mundo). Elas sabem, por exemplo, que Pio XII escreveu:
“Não importa quão ampla e mutável possa ser a moral relativa dos estilos, há sempre uma norma absoluta a ser mantida depois de ter ouvido a advertência da consciência alertando contra o perigo que se aproxima: o estilo nunca deve ser uma ocasião próxima de pecado” (Discurso no Congresso Latino de Alta Costura, 08.11.1957)
“A vestimenta não deve ser avaliada de acordo com a avaliação de uma sociedade decadente ou já corrupta, mas de acordo com as aspirações de uma sociedade que valoriza a dignidade e a seriedade do seu traje público.” (08.11.1957)
A constante desta live não tem sido: “para não ser neurótico, temos que respeitar a individualidade e a realidade”? Pois bem, a realidade é que a modéstia deve fazer parte do arcabouço moral do católico e que o uso da saia ou vestido é mais perfeito e decoroso do que o uso de calça. Cabe à individualidade jamais negar ou relativizar este princípio, goste ou não goste. O desrespeito a este princípio geral, a tibieza, é que é o quadro neurótico. De fato, sentir-se ofendida ou ressentida disso não é critério julgamento, é neurose.
Outro momento curioso da live também foi protagonizado do Ana Perci. A crítica contra a bolha obreira está girando no fato de os influencers se aproveitarem da carência afetiva de seus seguidores, muitas vezes porque não tiveram contato com o pai, para criar dependência afetiva e aumentar seus engajamentos. E eis o que ela diz (em torno de 42:30):
Esses problemas afetivos, da questão da culpa e de a pessoa não ter tido uma relação com o pai, faz o influencer virar essa figura de autoridade. E aqui gente, uma alerta (não estou dando indireta a ninguém). Eu até recebi uma época em minha audiência as pessoas falando: ‘Nossa Ana, você é como uma mãe para nós’. E eu disse: ‘Não, eu não sou mãe de ninguém aqui não. Estou aqui fazendo um trabalho de professora, de mentora, e não estou aqui para fazer essa função. [Alexandre começa a aplaudir]. Se você não teve sua mãe ou seu pai na sua infância, aí é terapia e direção espiritual.
Como a própria Ana diz em sua fala, ela é professora e mentora. Ensinar e mentorear são atividades educativas, as quais informam e ajudam as pessoas a resolver problemas. Não se trata de maternidade ou paternidade, mas é inegável que compartilha alguma semelhança com elas por causa deste caráter orientativo e educativo.
Ora, se diante de sua professora ou mentora a pessoa a elogia dizendo “você é como uma mãe para mim”, por que não interpretar simplesmente como: “Ana, você está me orientando bem, as coisas que você me diz são muito importantes e estão me ajudando a progredir. Obrigada”? Ou seja, uma metáfora válida dado a semelhança que ensino e mentoria têm com a maternidade. Por que já se espantar grosseiramente com um “não sou sua mãe!”, interpretando literalmente o que pode facilmente ser compreendido como metafórico? Que neurose, que fobia é essa?
Ademais, se ela é mentora e professora, ela tem, sim, posição de autoridade. Claro, não é a mesma que a paterna e a materna, mas é a autoridade do tutor dentro da sua área, onde cabe por princípio que o inferior (seus alunos e mentoreados) respeite o superior (ela mesma). E, sendo assim, rejeitar que ela possua certa autoridade sobre seus clientes – dado que se trata de um certo labor instrutivo e educativo – não é humildade, mas falsa-humildade.
Mas a Ana se explica (46:26):
Porque (…) quando você é produtor de conteúdo e as pessoas chegam com tantas demandas (…), é muito tentador que você queira se colocar como centro da vida dessa pessoa e começar a ser essa pessoa de querer dar pitaco sobre tudo, quando muitas vezes não é sua vocação nem sua função fazer isso (não estou dizendo que a gente deve se eximir de um amigo que procura ajuda e a gente pode ajudar), mas é essa a tentação que eu acho que muitos influencers caíram.
Que as pessoas cheguem com suas demandas à Ana, só é um reflexo natural de que ela, sendo tida por boa mentora e professora, tem uma posição de autoridade.
A tensão entre a autoridade de ensinar e orientar e a tentação de querer dar pitaco sobre tudo na vida da pessoa que vem buscar ajuda se resolve com um princípio indispensável: humildade. Sem contar que, entre dar uns conselhos pontuais e querer dirigir toda a vida de uma pessoa, há um gap bem grande. A tentação pode existir, mas não é daquelas sutis.
A questão é simples. Tendo eu uma posição de autoridade e um inferior vem pedir meu auxílio, por princípio, devo ajudá-lo (eis o princípio geral). Porém, só o posso fazer, obviamente, se eu tiver condições reais de ajudá-lo (eis a prudência para analisar o entorno circundante). Assim, naquilo que foge de minha competência, devo simplesmente dizer que infelizmente não posso ajudá-lo.
Com efeito, dar bons conselhos é uma louvável obra de misericórdia espiritual. Eximir de dá-los quando pode e é procurado para isso, soa estranho. Será neurose?
Aos 1:08 aproximadamente, entra o tópico de “criticam o Papa”. Dirá Marques:
Isso pode julgar, né? Aquele negócio que o Papa disse das bênçãos dos gays. O que foi aquilo para quem leu mesmo? [Bom, eu li] É aquela bênção normal, ‘Deus abençoe’, não é que está endossando o casamento gay na Igreja. Mas aí você pensa: ‘Mas isso já existia, Alexandre, então ele meio que choveu no molhado’. Sim, mas ele não falou nada demais. Não foi como o pessoal e a mídia colocou por aí (…). Mas aí veio os chatólicos [influencer tem a sua maniazinha de grandeza, mas soberbo são os outros] e detonou. Então aí pode.
Aqui estamos beirando a surrealidade. Alexandre Marques, o vociferador do equilíbrio, do bom senso, do apreço pela individualidade e realidade, afirma contra o texto e contra as consequências práticas (escândalos em várias partes do mundo) que Fiducia supplicans foi um “chover no molhado”. Além disso, inicia sua fala escandalizado por pessoas julgarem o Papa.
Como o assunto não é Fiducia supplicans, basta dizer que prelados com autoridade intelectual e moral criticaram o documento e provaram, sem grande dificuldade aliás, que não foi chover no molhado.
Quanto a este assunto, o terapeuta está claramente anestesiado. Seria um mecanismo de defesa neurótico de negação? Se só foi um chover no molhado, então de fato somente um chatólico, por birra de neurose, julgaria tal documento do Papa como blasfemo. Agora, e se o documento autoriza de fato a bênção blasfêmica mediante a invencionice de uma bênção de tipo pastoral (modernismo nas alturas)? Neste segundo quadro, que é o real, a crítica passa a ser pertinente, e o chatólico passa a ser um católico que deve ser elogiado por seu zelo doutrinário.
Quanto ao querer julgar o Papa simpliciter (em si), isso de fato é grave. Ninguém tem autoridade para isso, somente Deus. Por isso é de grave temeridade acusá-lo de heresia formal. Pode-se, no entanto, julgá-lo secundum quid (de certo modo), ou seja, materialmente quando se tem evidências suficientes de seu erro. Neste sentido, o termo mais apropriado não é julgamento, mas crítica. E se a crítica não se afasta da justiça e da reverência que devemos ter com nosso Pai espiritual, tal ato, antes de ser rebeldia ou desobediência, é caridade.
Os laxistas têm dificuldade com a hierarquia de valores, mas é importante dizer que a fidelidade doutrinal é superior à fidelidade ao Papa, porque a primeira é a causa e a medida da segunda. Só podemos ser fiéis ao Papa na medida em que este é fiel guardião do deposito da fé. Mas não nos alonguemos nisso. É necessário ter o mínimo de estudo sobre a Crise da Igreja, e não achismo fideísta, para debater esse tipo de assunto. O problema é que os influencers têm aquela tentação de querer palpitar sobre tudo, não é?
Em 1:10, diz Ana:
Eu sinto que enquanto a gente vive essa religião de aparências, que não tem essa profundidade, que não tem esses frutos mais reais de uma vida de oração que se alega ter por aí, a gente não esteja buscando viver uma vida mais profunda, tanto uma vida espiritual mais profunda, quanto uma vida mais coerente, num sentido de vida mais comum, uma vida onde a pessoa acorda de manhã e nem sempre está maquiada, uma vida em que ela acorda e tem que levar o menino para escola e o menino está com remela no olho, o menino está chorando, e aí o marido tem que ir e já está atrasado, o chefe dele vai encher o saco, e aí corre com o menino para escola, volta, tem que fazer o almoço… Sabe, essa vida comum (…).
Se estamos falando de vida espiritual mais profunda, algumas orientações são importantes: 1) A vida espiritual é combate contra a carne, mundo e demônio. Portanto, deve-se dar preferência ao uso da saia em detrimento da calça. 2) Independente da vida comum, o centro da vida espiritual é a Eucaristia. Portanto, é salutar a preferência pela Missa Tridentina. 3) A vida espiritual é uma vida de amor à verdade, portanto, mesmo quando o Papa erra, não se pode fechar o olho para isso. 4) A vida espiritual é uma vida de penitência, portanto é salutar sacrificar até coisas lícitas e jamais se contentar com a tibieza mundana (querer fazer o estritamente necessário). Enfim, muito mais coisas poderiam ser ditas, mas o ponto é que o laxismo vê exagero onde há busca legítima por maior santidade, e se ressente de coisas importantes como é a questão da modéstia e da liturgia. Aí não dá para tankar.
Imbuído de liberalismo, complementa Marques logo em seguida:
O exemplo da mulher médica. Eu vou dizer o que muitos falariam para ela: ‘se você for trabalhar, você vai ficar longe de seus filhos e você vai se arrepender de não ver eles crescerem’, e coisa do tipo. Faz um terrorismo [nessas horas, bom senso vira terrorismo]. Beleza. Eu já atendi muitas mulheres que de fato se arrependeram. Mas precisa ser esse extremo? Se ela quer ver os filhos crescerem, por que ela não pode encontrar um meio de exercer a profissão de medicina – porque ela vai conseguir ser bem remunerada, trabalhar meio-período e ficar com os filhos. E às vezes ela junto com o marido trabalhando têm uma qualidade de vida muito melhor e vão proporcionar coisas muitos melhores para os filhos fazendo assim. Por que o extremo?
É aquilo que já falamos da tendência do liberal de querer se colocar no meio, mas sempre de algum modo em favorecimento ao mundo.
O princípio geral quanto ao trabalho externo da mulher é o seguinte: não é benéfico que a mulher prejudique o bem da família por causa de sua profissão/carreira. É o que atesta as Escrituras e o Magistério
“Assim também as mulheres de mais idade mostrem no seu exterior uma compostura santa, não sejam maldizentes nem intemperantes, mas mestras de bons conselhos. Que saibam ensinar as jovens a amarem seus maridos, a quererem bem seus filhos, a serem prudentes, castas, cuidadosas da casa, bondosas, submissas a seus maridos, para que a Palavra de Deus não seja desacreditada.” (Tt 2,3-5)
“Quero, pois, que as viúvas jovens se casem, cumpram os deveres de mãe e cuidem do próprio lar, para não dar a ninguém ensejo de crítica.” (1 Tm 5,14)
“Com o declínio da religião, as mulheres cultas perderam o sentimento de vergonha e a piedade. Muitas, para assumirem ocupações inadequadas ao seu sexo, começaram a imitar os homens. Outras abandonaram os deveres de dona de casa, para os quais foram formadas, para se lançarem de forma imprudente na corrente da vida.” (Bento XV, Natalis Trecentesimi)
“À mulher cabem aquelas diligências numerosas, particularizadas, aquelas imponderáveis atenções e cuidados cotidianos, que são os elementos da atmosfera interna de uma família, e, conforme agem retamente, ou ao contrário, alteram-se, ou mesmo faltam totalmente, tornam segundo o caso: sã, confortável, ou agressiva, viciada, irrespirável a convivência familiar.” (Pio XII, Discurso aos esposos, 25 de fevereiro, 1944)
Portanto, sendo o princípio superior que ilumina essa questão, é preferível que a mulher fique em casa. Não há nenhum extremismo nisso.
Quando isso não é possível por causa de uma REAL precariedade do salário do marido, então a Igreja, com a pena de Pio XI e João Paulo II respectivamente, lamenta e denuncia um sistema econômico INJUSTO:
As mães de família devem trabalhar em casa ou nas suas adjacências, dando-se aos cuidados domésticos. É um péssimo abuso, que deve a todo o custo cessar, o de as obrigar, por causa da mesquinhez do salário paterno, a ganharem a vida fora das paredes domésticas, descurando os cuidados e deveres próprios e sobretudo a educação dos filhos. Deve pois procurar-se com todas as veras, que os pais de família recebam uma paga bastante a cobrir as despesas ordinárias da casa.
Uma justa remuneração do trabalho das pessoas adultas, que tenham responsabilidades de família, é aquela que for suficiente para fundar e manter dignamente uma família e para assegurar o seu futuro. Tal remuneração poderá efectuar-se ou por meio do chamado salário familiar, isto é, um salário único atribuído ao chefe de família pelo seu trabalho, e que seja suficiente para as necessidades da sua família, sem que a sua esposa seja obrigada a assumir um trabalho retribuído fora do lar.
Uma das facetas dessa injustiça é bem expressada por Stephanie Gordon:
Em vez de reagirem defensivamente, todas as mães deveriam sentir-se imensamente orgulhosas do quão insubstituíveis são. Mas, infelizmente, aqui estão elas a tentar convencer o mundo de que são totalmente substituíveis em casa, mas insubstituíveis no trabalho. Ninguém pode substituí-las em casa! É verdadeiramente diabólico e ilógico.
A mentalidade carreirista produz uma inversão da realidade. A mulher se sente insubstituível onde ela é de fato substituível e substituível onde ela não é, ou seja, enquanto mãe daquele(s) filho(s) e esposa daquele marido. Além disso, pela própria natureza feminina, é benéfico que fique em casa. É uma ilusão do mundo, especificamente do feminismo, querer fazer crer que é melhor para a mulher trabalhar fora do que ficar em casa.
Quanto à suposta melhor qualidade de vida que favorecerá aos filhos (materialmente, provavelmente, espiritualmente, é temerário afirmar) levantada por Alexandre, podemos replicar com Pio XI:
Todavia, esta emancipação da mulher não é verdadeira nem é a razoável e digna liberdade que convém à cristã e nobre missão de mulher e esposa; é antes a corrupção da índole feminina e da dignidade materna e a perversão de toda a família, porquanto o marido fica privado de sua mulher, os filhos de sua mãe, a casa e toda a família de sua sempre vigilante guarda. Pelo contrário, essa falsa liberdade e essa inatural igualdade com o homem redundam em prejuízo da própria mulher; porque, se a mulher desce daquele trono real a que dentro do lar doméstico foi elevada pelo Evangelho, depressa cairá na antiga escravidão (se não aparente, certamente de fato), tornando-se, como no paganismo, mero instrumento do homem.
O “terrorismo” do Papa Pio XI é categórico: não é bom que a mulher desça daquele trono dentro do lar doméstico para ser instrumento no mercado de trabalho. E fundamenta isso na índole feminina e na dignidade materna da mulher, ou seja, na própria natureza feminina, como recém apontamos. Se a realidade é esta, quanto mais se negocia com o mundo para mudança desse modelo, mais extremista se fica. Quanto mais se defende a mulher no mercado de trabalho, mais terrorismo se faz contra a natureza da mulher.
Portanto, não é benéfico namorar com o mundo. Ele é como o homem cafajeste que promete amor e entrega traição com garota de programa. Fiquemos, pois, com a recomendação da Igreja, que diz que a mulher, na medida do possível, fique em casa, lamentando quando isso não é possível e lamentando ainda mais quando ela se vê obrigada a fragilizar o contato com a família por dispensar muito tempo em trabalhos externos (ficando inevitavelmente o marido e os filhos de lado).
Sedo assim, as esposas católicas que têm possibilidade de ficar em casa, ainda que isso possa resultar em relativo desconforto material (extremismo seria defender que isso fosse feito mesmo quando isso significasse colocar a família na miséria), devem ser incentivadas a fazê-lo. Mas o feminismo reinante, um dos tentáculos do mundo moderno junto com suas modas, deixará? Não, não deixará. Então cabe ao influencer da bolha laxista inverter a realidade, o que pode ser sinal de neurose: a defesa para que a mulher fique em casa e dedique-se ao marido e filhos passa a ser extremismo e terrorismo, e não doutrina prudencial da Igreja.
Para finalizar este artigo, quero elogiar um critério sugerido por Alexandre Marques para distinguir os influencers incoerentes e picaretas. O critério é ver se tal produtor de conteúdo, ao mostrar seus “bastidores” ou realidades do dia-dia, faz isso de maneira roteirizada ou de maneira espontânea.
O argumento dele é irretocável. Salvo casos onde a pessoa é realmente mais introspectiva, a necessidade de roteirizar tudo é um forte indicativo de que, se ele fosse espontâneo, a máscara cairia.
Termina dizendo que, ao contrário deles, ele tenta ser autêntico. Por mais que eu os tenha criticado neste texto, não duvido da sinceridade dos mesmos em suas colocações, mas é possível errar com sinceridade.