Bundalelismo, bundahorismo e bundamolismo: os fenômenos que explicam a cultura brasileira nas suas facetas mais deprimentes e a tragédia das nossas recorrentes decepções na política.
Pouca gente hesitaria em afirmar, junto com o senso comum, que há muita coisa de errado em nosso país. De fato, não seria preciso ser nenhum gênio para constatá-lo, e isto nem precisa vir acompanhado da nossa famosa síndrome de vira-lata. É certo que existem muitos problemas no Brasil, que normalmente são identificados com a “Lei de Gerson”, ou o império da malandragem. Mas, para além desta ideia corrente, eu gostaria aqui de sugerir a existência de três patologias fundamentais do brasileiro, ou, ao menos, três vícios muito comumente identificáveis no nosso povo.
Este elenco de três temas não é gratuito. Ele se baseia na ideia mesma da filosofia clássica acerca da existência de três espécies de bem: o deleitável (prazeroso), o útil e o honesto. Meu argumento central é que o brasileiro desconhece o que seja o bem e, por isso, interpreta mal o que seja alcançar o bem, fazer o bem ou ser bom.
O primeiro e mais conspícuo desses vícios, que abarca o senso comum manifestado em ideias como a Lei de Gerson, poderia ser denominado bundalelismo: o brasileiro quer levar vantagem em tudo. Para isto, vale a pena quebrar regras, passar os outros para trás, ser esperto, fazer os outros de otário. É o que o humorístico Hermes & Renato representou na TV sob o epíteto de “Cultura Quilingue”, sintetizado na tríade: oportunidade + má-fé + um pouquinho de falcatrua. É o vício tipicamente atribuído ao carioca. É a idolatria do prazeroso e da anarquia.
O segundo desses vícios, ao contrário, é aquele tipicamente relacionado com o paulistano: o bundahorismo. Trata-se da crença tecnocrática que a finalidade da vida é ganhar dinheiro, produzir e que, para tanto, vale a pena passar tantas horas quanto for necessário com a bunda na cadeira. É o vício típico da mentalidade de gestor, que acredita piamente no brocardo “pecunia non olet”, e na neutralidade moral do mercado e do estado. No âmbito deste último, manifesta-se não tanto no rito da produtividade, quanto no do cumprimento do horário. É a idolatria do bem útil e da formalidade vazia.
O terceiro desses vícios é o bundamolismo. Tipicamente representante daquele homem cordial de que falou Sérgio Buarque de Holanda, este vício faz certos brasileiros confundirem “ser bom”, com “estar bem com todo mundo”. Isto os impede de se revoltarem e lutar contra aquilo que está errado, por medo “do que vão dizer”, “do que vão pensar”, enfim, por medo de “cara feia”. Ele consiste numa apreensão errônea do que seja o bem honesto, pois deriva a honra da opinião e juízos alheios, e não de um sentido objetivo do que é certo ou errado. No fundo, ele é também hedonista, mas de uma maneira comodista.
No Brasil, interação destes três vícios, ou melhor, o conjunto de interações entre eles, que inclui uma interação particular entre estes dois últimos vícios e uma segunda interação com o primeiro, consubstancia-se na estratégia das tesouras.
O bundahorismo, associado ao bundamolismo, com sua ideia errônea de que ser bom é ser neutro e eficiente, traduz-se no cenário político nacional na postura social democrata: é a privataria, misturada com gestão e uma pitada de democracia cristã, cujo centro de gravidade é o “medo do que vão dizer”. Estes dois, por sua vez, preparam o terreno para o bundalelismo típico da extrema-esquerda, com sua anarquia e suas pautas transsexualistas e transhumanistas.
A recuperação do Brasil depende de que os três grupos tomem consciência de que sua concepção de bem é equivocada. Mas isto é muito difícil com o segundo e com primeiro.
Cabe em primeiro lugar, a você, do terceiro grupo, aprender o seguinte: ser bom não é ser bonzinho, e enquanto você fica mendigando atenção dos ricos e dos depravados, morrendo de medo de ser abertamente rejeitado por gente que, no fundo, já nutre um profundo desprezo por você e por tudo aquilo que você mais preza, o Brasil segue sendo partido em pedaços, pela estratégia das tesouras.