“Ainda que haja exceções, a expressão de conteúdos de IDCs [influenciadores digitais católicos] analisados se detém na construção de estereótipos, baseados em premissas moralistas, fundamentalistas, dogmáticas, psicologistas, doutrinais”, diz o bispo auxiliar de Belo Horizonte (MG) dom Joaquim Mol, ex-presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil na apresentação do livro Influenciadores Digitais Católicos: Efeitos e Perspectivas.
“Emerge um cristianismo apenas de fórmulas e não de sentido, que leva à caracterização de grupos conservadores, com discursos excludentes e destrutivamente críticos em relação à linha institucional da Igreja, seja em nível mundial ou no Brasil, representada pela CNBB”, diz dom Mol na apresentação do livro, que foi publicada ontem (21) pelo site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU), da Universidade do Vale dos Sinos, mantida por jesuítas.
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O estudo que culminou no livro sobre influenciadores digitais católicos foi feito entre 2021 e 2023. A apresentação assinada por dom Mol é intitulada “Influenciadores digitais católicos ou evangelizadores digitais católicos?”
O bispo afirma que, “no âmbito brasileiro, há uma grande quantidade e diversidade de pessoas que atuam nas redes sociais digitais em nome da fé católica”. Para ele, o tema dos influenciadores digitais “afeta direta e seriamente o desenvolvimento pastoral e da evangelização, da teologia e da comunicação eclesial”.
Entre os influenciadores digitais católicos no Brasil há padres, religiosos e leigos, com milhões de seguidores em suas redes sociais.
O padre e cantor Fábio de Melo, da diocese de Taubaté tem 26,1 milhões de seguidores só no Instagram; frei Gilson Azevedo, religioso da Congregação dos Carmelitas Mensageiros do Espírito Santo, também conhecido por suas músicas, pregações e que tem reunido milhares de pessoas em transmissões da oração do rosário nas madrugadas, tem no Instagram 3,8 milhões de seguidores e 4,5 milhões de inscritos no canal do Youtube.
O padre Paulo Ricardo, da arquidiocese de Cuiabá, conhecido por seus cursos de formação, tem 1,8 milhão de inscritos do Youtube e 1,9 milhão de seguidores no Instagram. O padre Patrick Fernandes, da diocese de Marabá (PA), que ficou conhecido por responder perguntas com humor no Instagram e depois criou o espetáculo “Fora da Caixinha”, tem na rede social 6,1 milhões de seguidores.
Entre os leigos, há nomes como Alam Carrion, com 598 mil seguidores no Instagram; Amanda Buttchevits, com 556 mil seguidores na mesma rede; Bernardo Küster, com 529 mil seguidores no Instagram; o casal Tiba e Dea Camargos, com mais de 300 mil seguidores cada um em suas páginas de Instagram; Laura Pessina, da página Una Santa Católica, tem 293 mil seguidores.
Para dom Joaquim Mol, o grande número de influenciadores digitais católicos e de seguidores mostra “que há um amplo e diversificado público interessado em exercer sua fé em ambientes digitais”.
Para o bispo, porém, “a valorização da autoridade clerical e a autorreferencialidade dos IDCs analisados podem evidenciar um tom altamente narcísico, promovendo um distanciamento do sentido do Evangelho e da comunidade”.
Segundo ele, a pesquisa mostra que, “do ponto de vista político”, as ações dos influenciadores “estão ligadas, de modo geral, à radicalização de movimentos de extrema direita, à disputa política pela moralização ideológica das arenas de debate no Brasil e ao crescimento de ativismos digitais em favor de causas sociais”.
O bispo acha que, do ponto de vista teológico-eclesial, a presença católica nas mídias digitais “requer alinhamento com os elementos básicos de sua práxis: Bíblia, Tradição e Magistério”, interpretados “em comunhão com a comunidade eclesial hodierna e com o atual pontífice, Francisco, a partir do reconhecimento das transformações da sociedade e de suas demandas presentes”.
Em alguns influenciadores católicos, afirma, “o discurso e a práxis denotam efetivamente um sentido do Evangelho e comungam com a Igreja proposta pelo Papa Francisco”. Mas, “há uma influência digital apologético-moralista, que, embora apresente elementos vinculados à devoção e à fé populares, é marcada por uma pretensão formativa e moralista, a partir de leituras pessoais e particulares acerca da verdade, mediante uma autoridade de ensino manipuladora”.
“Promove-se uma formatação da vivência cristã baseada em fórmulas de fé sem conexão com a realidade, centrada fortemente em moralismos permeados por elementos ideológicos e políticos. Soma-se a isso a crítica desmedida e infundada à estrutura institucional e à hierarquia eclesiais”, afirma.
Dom Mol diz que manifesta-se ainda “uma influência digital marcada pela neutralidade da mensagem ou pela proposição light do Evangelho, em perspectiva psicologista-humorística”.
Dom Mol enumera “desafios e perspectivas pastorais”. Ele cita que a influência digital pode se configurar como “profissão”, na qual os influenciadores “devem obedecer a estratégias algorítmicas das próprias plataformas”, que “privilegiam elementos personalistas, de conflitividade, de valor sensacionalista e de dissonância do diálogo”. Por isso, o “IDC profissional […]possivelmente terá grandes dificuldades para estruturar suas ações a partir dos valores evangélicos da escuta e do amor, pelo menos em seu aspecto mais profundo e integral”.
O bispo faz ainda uma diferenciação entre “influenciadores digitais que são ministros ordenados” e “ministros ordenados que são influenciadores digitais”. No caso dos primeiros, diz que muitas vezes suas práticas “estão baseadas em vieses narcísicos, usando a própria vida eclesial como elemento peculiar e de ativação da curiosidade do público, e acionando o humor como instrumento de engajamento, simplificação dos conteúdos religiosos, visão reducionista de catequese”.
Dom Mol defende a necessidade de o superior episcopal “orientar a atuação de tais IDCs, em comunhão com a Igreja e no respeito às diversas sensibilidades e vivências sociais, e em corrigir eventuais desvios”.
O bispo também chama atenção para o fato de que são os seguidores que “legitimam” um influenciador digital, o que “revela valores, padrões, angústias e expectativas da sociedade, mesmo que de forma subjetiva”. “Ao elegerem os próprios interlocutores da Igreja Católica com quem querem dialogar, os públicos evidenciam aspectos de distanciamento e aproximação com relação aos objetivos e perspectivas da instituição religiosa”, diz.
Fonte: ACI Digital