Comumente, ouvimos a expressão “temos que pensar no coletivo acima do individual”. Quando ouço isso, me vem à cabeça “promoção do Bem Comum”, o que é algo agradável. No entanto, quando se combina esses discursos com as ações, a coisa fica um pouco estranha. Aparentemente, o Bem Comum não é tão contemplado de fato. A questão é: agir para o Bem Comum é a mesma coisa que agir para o bem coletivo?
Estava lendo esses dias a Suma Contra os Gentios e me deparo com a seguinte frase: “o bem das artes é o cumprimento de sua finalidade”. Bonito… Bem e finalidade estão interligadas, e têm relação com as designações de seu criador. O ser humano, dotado de alma racional, mesmo não conhecendo o criador “pessoalmente”, pode abstrair a finalidade de sua criatura. A finalidade tem um ponto central nessa exposição.
Santo Tomás nos dá critérios, quando distingue preceitos comuns (ou primários) e preceitos adequados (ou secundários). Os preceitos comuns devem ser respeitados, não importa a época, o local e as circunstâncias, devido a estarem mais próximas ao fim natural do ser humano. Os preceitos adequados, como o próprio nome aponta, se adequam às circunstâncias. Para a base de raciocínio ao Bem Comum, utilizo os preceitos comuns pelo fato de sua observância ser necessária até mesmo nas mais extremas condições, e por todos, independentemente de “etnia, sexo, cor, cultura e religião” (sim, religião, vale para todos, não só católicos). Partindo disso, alguns atos sempre serão proibidos para proteger determinados bens inalienáveis, como por exemplo, as prescrições contra o assassinato, o adultério e o furto. Os 10 mandamentos são preceitos comuns também.
Papa Bento XVI disse que há 3 coisas inegociáveis na Igreja: a) direito à vida desde a concepção, b) Matrimônio indissolúvel entre homem e mulher, e c) responsabilidade pela educação das crianças caber aos pais.
Isso coaduna com os preceitos comuns, já citados. Para esta análise, consideremos:
a) Defesa da Vida e proibição do assassinato: relação direta com o direito à vida desde a concepção, a nível pessoal. Uma vez que os gametas (óvulo e espermatozoide) se unem, uma nova pessoa tem início. O assassinato neste caso teria como finalidade privar, injustamente, a pessoa do seu direito à vida, ferindo assim o Bem Comum. Também se insere no assassinato o aborto voluntário (que eu chamo de assassinato intrauterino) e a eutanásia.
b) Defesa da Família e proibição do adultério: à nível social, protege o Matrimônio, que constitui a parte formal da família. Uma vez que homem e mulher se uniram em Matrimônio, a sociedade conjugal tem início, com cada um assumindo seus respectivos deveres e direitos. Tem por finalidade a reprodução (formação da sociedade familiar) e proporcionar o ambiente adequado à educação dos filhos. O adultério, em primeiro lugar, fere a justiça, pois priva um dos cônjuges (ou ambos) de seu direito de exclusividade unitiva com o outro, colocando assim em risco a sociedade conjugal e, consequentemente, a sociedade familiar. Referência direta ao Matrimônio indissolúvel, assim o é, pelo caráter permanente da sociedade familiar.
Na categoria Defesa da Família está também a promoção da Castidade (esta palavra faz com que quem diz “temos que pensar no coletivo” se sinta ofendido por se estar “atacando seus direitos individuais”). Tendo por finalidade a reprodução seguida de união dos cônjuges (uma só carne), o ato sexual (o prazer sexual como adendo) só é lícito dentro de uma situação matrimonial. A utilização do ato sexual (ou erótico, como um todo) fora desta ordem, propicia que as pessoas usem umas às outras para satisfação de seus desejos individuais, ferindo a finalidade do ato. Portanto, tanto o adultério como as faltas contra a Castidade, ferem o Bem Comum.
c) Defesa da Família e proibição do furto: quando se fala em furto, muitos pensam em privação da propriedade privada. Como estamos falando de Finalidade e Família, a proibição do furto refere-se aqui à proteção do Patrimônio. O Patrimônio tem por Finalidade fornecer o suporte material para cumprimento das necessidades familiares. Possibilita que os pais forneçam alimentação, vestimenta, educação, entre outras necessidades, tanto aos filhos quanto aos cônjuges. Inclusive possibilita à família praticar atos caritativos quando doa parte de seu Patrimônio. Deste modo, o furto (nessa categoria, inclusa também a cobrança abusiva de impostos, o incentivo abusivo dos vícios, mercados imorais, etc.) priva a sociedade familiar de suporte material, colocando-a em risco e, portanto, ferindo o Bem Comum.
Sendo a sociedade familiar, a base para a sociedade civil (aconselho ler o Código Social e Familiar de Malines), quando aquela começa a degradar-se, esta desagregará junto.
Acrescento como adendo a obrigatoriedade que Santo Tomás coloca nas Virtudes Morais (Coragem, Temperança, Justiça e Prudência) para o cumprimento da Finalidade natural humana, e consequentemente, o Bem Comum. Pessoas virtuosas cumprem seus deveres, favorecem as sociedades e honram melhor a Deus.
Tratemos agora do bem coletivo. A parte que me estranha quando ouço falar de bem coletivo são as características deste bem coletivo. Não são princípios que o regem, mas as vontades e desejos de pessoas que participam de determinado grupo. Outro detalhe: Qual coletivo? Pelo fato dos coletivos não se formarem por princípios comuns, mas por afinidade de metas, objetivos e desejos dos seus membros, há vários coletivos, uns até dentro de outros, muitas vezes, conflitantes entre si. Sendo assim, o bem coletivo não é Bem Comum, nem mesmo coletivo, é apenas bem individual (subjetivo) sendo conquistado por meio de um grupo.
Além disso, vários desses grupos defendem atos que ferem o Bem Comum, como apoio ao aborto (assassinato intrauterino), apoio a todo tipo de conduta erótica desordenada, apoio à vícios que escravizam as pessoas (o que destrói o próprio Patrimônio). Enfim, interesses individuais opostos ao Bem Comum.
Em suma, o Bem Comum é a promoção dos preceitos comuns; e o bem coletivo, promoção dos interesses individuais por meio de grupo.
Outro detalhe interessante é observar como a Democracia favorece os “bens coletivos”. Ora, na democracia, o “princípio” é apenas a força de grupo, porque não há princípios comuns. Ela não guarda princípios, guarda a si própria. Todas as pautas contrárias ao Bem Comum podem passar por maioria de votos. É um sistema que casa bem com a descrição de “interesses individuais conquistados por meio do grupo”, isto é, casa bem com a noção de “bens coletivos”. De fato, o que se tem são os vários grupos brigando entre si (os lobbys), não para guardar os preceitos que fundamentam o Bem Comum, mas seus próprios interesses contra o Bem Comum.
Fiquemos espertos para não cairmos nessas armadilhas. Não confundamos Bem Comum com “bem” coletivo!