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“Bem-aventurado aquele que não se escandaliza de mim”

Chegado o Advento, a figura de São João batista emerge como a de uma ilhota no meio das tempestades. E emerge no dia de hoje com uma aparente dúvida.

João, que havia ouvido falar no cárcere das obras do Messias, mandou-lhe perguntar por meio de seus discípulos: «Sois vós aquele que deve vir, ou devemos esperar por outro?» (Mt 11,2).

O Batista, como sabemos, encontrava-se em prisão; detido por haver denunciado o pecado de Herodes, casado com a esposa de seu irmão. Havia perdido a cabeça por uma mulher; e essa mesma mulher seria a culpável de João perder a sua.

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Pois bem – alguém poderia perguntar – por que São João Batista fez essa pergunta? Por acaso duvidava de Cristo?

1. Desde o ventre de sua mãe, com apenas seis meses, já o havia reconhecido, saltando de gozo no seio de Santa Isabel, sua mãe.
2. Desde pequeno havia se retirado ao deserto para fazer penitência, comer mel silvestre e gafanhotos.
3. Tinha visto descer o pombo desde o céu no dia do batismo de Cristo.
4. Havia reconhecido o “cordeiro de Deus”, que tira os pecados do mundo…

E agora, prestes a perder a vida, duvidava…?

Claro que não. Estava, mais uma vez, assinalando ao Cordeiro de Deus, para que seus próprios discípulos, antes de sua partida, vissem-no por si mesmos. A resposta de Nosso Senhor não os fez esperar:

Ide anunciar a João o que estais vendo e ouvido: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, o Evangelho é anunciado aos pobres.

São as palavras do profeta Isaías (Is 26,19; 19,18 ss; 35,5 s; 61,1).

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Bastou este testemunho para que os discípulos de São João seguissem não ao profeta, senão ao Cordeiro anunciado pelo profeta.

Mas nesse mesmo diálogo, Nosso Senhor acrescenta aos discípulos de João:

E Bem-aventurado aquele que não se escandaliza de mim!

Por quê? Escandalizar-se de quê? Ora, de seu modo de ser; de sua doutrina, de sua própria apresentação. Para muitos – mesmo para os discípulos de João – seguir ao Messias esperado era seguir ao Grande libertador dos judeus, ao Rei dos reis carnais, que viria em majestade para salvar o Povo de Israel; não a este aparente filho de carpinteiro.

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Bem-aventurado aquele que não se escandaliza de mim; como se dissesse: Felizes aqueles que não têm vergonha de seguir a Cristo; de ser cristãos coerentes. Felizes aqueles que não têm “respeito humano”.

“Respeito humano? – pergunta alguém – O que é o respeito humano?”

É o temor mundano que alguns católicos têm pelo “o que dirão”. Um veneno poderoso que hoje se encontra na maioria dos católicos do ocidente; é a atitude que, por temor ou por vergonha, faz com que muitas vezes, diante da sociedade, tentemos mimetizar com seus critérios, com seus juízos, com seus costumes. É o católico camaleônico. A antítese do que sucede no Egito com os cristãos que, já desde bebês, recebem de seus próprios pais uma tatuagem no pulso direito para que nunca reneguem sua Fé.

O “respeito humano” é um veneno sutil, tão sutil que se vai tomando pouco a pouco até nos deixar paralíticos: é um dos meios mais eficazes que o demônio tem para impedir a santidade no mundo moderno. É a causa de muitas paralisias espirituais.

E por quê?

Porque o demônio quer que muitos acabem indo ao inferno, por isso se gloria de suas maldades e persegue aos fiéis com zombarias mundanas ou comentários ofensivos.

– Como podes te vestir assim?

– Como assim não vais deixar teus filhos irem a tal lugar?

– Por que não te modernizas?

– Se todo o mundo faz isso?

Mas não é possível ser de Cristo e do mundo. Ou se é de Cristo ou se é do mundo.

Tampouco é possível somente ser católico na esfera privada. Isso se chama “catolicismo liberal” e é um pecado funesto de nossa época.

É que hoje existe uma espécie de “complexo do católico”; fazem-nos acreditar que, histórica, espiritual e até socialmente, um católico é um ser de segunda categoria…

– “Sou católico, mas…”.

– “Creio em Deus, mas…”.

Exemplo: “Sou católico, mas…, vou aos mesmos lugares dos mundanos, faço as mesmas coisas que os mundanos, me visto igual aos mundanos, falo igual aos mundanos, educo meus filhos igual aos mundanos, escuto a mesma música, mas…”

Menos errado seria dizer de maneira contrária: “sou mundano, mas…, mas…, aos domingos vou à missa e rezo um pouco…”.

Não! Chega disso! Ou de Cristo ou do mundo!

Aquele que hoje em dia se diz católico “aberto”, “pluralista”, “tolerante”, etc., é, simplesmente, uma trapaça; isso não é ser católico… Se não concordas, leiamos então as Atas dos mártires. Sentiríamos vergonha ao ver como viviam e por que morriam os primeiros cristãos…

Esquecemos até que o termômetro de nossas boas obras, muitas vezes, é a própria perseguição; o próprio “ser apontado pelo mundo”, porque ali está a bem-aventurança:

Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, quando vos expulsarem e proscreverem vosso nome como mal por causa do Filho do homem. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus (Mt 5,11).

É que quanto tudo vai bem, algo vai mal… Porque não se pode ser Cristo e do mundo.

O católico, para o mundano, deve ser claramente um sinal de contradição; sinal de contradição ao ponto de acusar o modo de viver daqueles que não são de Cristo, para que, incomodados, cheguem a dizer, como assinala as Escrituras:

Armemos ciladas ao justo, porque com sua conduta reprova nossa forma de viver (Sb 2,12).

Terminemos com a anedota que Douglas Hyde, um ex-militante comunista, conta sobre sua vida no marxismo. Ele se encontrou com um companheiro de militância, já em sua velhice, e nos mostra como não tinham vergonha de se mostrarem como eram:

Nossa conversa se centrou vivamente na época em que nós dois estávamos plenamente dedicados à causa do partido (…) Então muito nostalgicamente me disse: recordas realmente o que era nossa vida no partido?, te levantavas e ias fazer a babar pensando nas coisas que poderias fazer pelo comunismo naquele dia. Ias almoçar e lias o Daily Worker, nosso jornal comunista, para sintonizar-te e respirar o ar da luta na qual estavas envolvido. Lias cada artigo do jornal que te entusiasmava e pensavas como poderias ser tu útil à causa.

Lembro que nunca tiveste interesse nos esportes, mas lias as páginas de esporte para seres capaz de discutir mais tarde e dizer aos demais: “lestes isso no Daily Worker?” Então lhes dava o jornal esperando que, além das folhas de esportes, também dessem uma olhada nos comentários de política.

“No ônibus ou no bonde, quando ia ao meu trabalho, lia o Daily Worker tão ostentosamente quanto podia, segurando-o no alto, na esperança de que os que me rodeavam pudessem ler as manchetes e pudessem ser influenciados por elas. Sempre carregava dois exemplares comigo, deixava um sobre o assento na esperança de que mais tarde alguém o pegasse para ler.

Quando chegava ao meu trabalho, fazia o meu Daily Worker circular; um trabalhador depois do outro o pegava, levava por alguns minutos e devolvia. Na hora do almoço, na cantina ou no restaurante, tentava puxar conversa com os companheiros de mesa. Pus em prática a estratégica de sentar-me com vários grupos diferentes para que minha influência fosse o mais extensa possível. Não lhes falava de comunismo a toda hora, mas guiava a conversa de modo a terminar falando de política, e, se possível, das campanhas que o partido havia lançado.

Antes de deixar o meu trabalho, tínhamos pela noite uma rápida reunião com o grupo da fábrica ou da célula. Discutíamos os processos e êxitos do dia; e discutíamos também o que seríamos capazes de fazer no dia seguinte.

Ia correndo para casa, jantava rapidamente, e então ia dar algumas aulas ou ser moderador de alguma discussão, talvez me unir a alguma campanha comunista, indo de porta e porta e tentando convencer as pessoas, ou ficando em um lado da rua para vender jornais comunistas. Ou seja, fazendo algo para o comunismo. Quando ia para a cama à noite, sonhava sobre o que faria para o comunismo no dia seguinte (Douglas Hyde, Cómo formar dirigentes, Ed. dig., S/L 1968, 28-30).

*     *     *

Neste tempo do Advento por que agora passamos, peçamos a coerência de nossa Fé; a fortaleza no bom obrar e a proclamação, através de nossas vidas, de que Cristo é o Único Senhor que merece ser servido.

Ave Maria Puríssima, sem pecado concebida.

Padre Javier Olivera Ravasi
05/12/2021

Fonte: Que no la te cuenten

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