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Comentários à Exortação Pós-Sinodal “Querida Amazônia” do Papa Francisco

Foi publicada hoje a Exortação Apostólica “Querida Amazônia”, onde o Papa Francisco faz suas considerações após o Sínodo da Amazônia. Segue abaixo alguns destaques do documento:

7. [a] Sonho com uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida.

[b] Sonho com uma Amazônia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana.

[c] Sonho com uma Amazônia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas.

[d] Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazônia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazônicos.

Conseguimos imaginar a Teologia da Libertação usando de [a] para fazer seu proselitismo marxista, de [b] para seu relativismo cultural, para seu falso ecumenismo de não-conversão [ver Neomissiologia: a sinistra raiz do “Sínodo da Amazônia”]; todavia, para uma alma católica, [a] e [b] só fazem sentido com [d], isto é, que a conversão das comunidades ao catolicismo aperfeiçoe as culturas já existentes, tal como vimos como ocorreu no Paraguai, onde a graça aperfeiçoou a cultura indígena sem destrui-la [Ver A Arte Barroco-Guarani como refutação à Neomissiologia]

10. Isto favoreceu os movimentos migratórios mais recentes dos indígenas para as periferias das cidades. Aqui não encontram uma real libertação dos seus dramas, mas as piores formas de escravidão, sujeição e miséria. Nestas cidades caracterizadas por uma grande desigualdade, onde hoje habita a maior parte da população da Amazônia, crescem também a xenofobia, a exploração sexual e o tráfico de pessoas. Por isso o clamor da Amazônia não brota apenas do coração das florestas, mas também do interior das suas cidades.

Quanto a isso, vale a pena relembrarmos o caso da Raposa do Sol. Uma área de produção agrícola, próspera, com vigor econômico e respeito às matas, mas que o STF decidiu tornar uma reserva intocável. Resultado: desemprego e miséria aos indígenas da região. Se a esquerda for usar este trecho para fingir que são amigas dos indígenas, não esqueçamos do caso Raposa do Sol, pela qual a esquerda militou, e seus efeitos funestos: antes atividade econômica; hoje favelão. Justamente o que vai contra o que o Papa deseja.

Na sequência, em 11, 12, 13, 14, o Papa critica o capitalismo liberal, cuja característica é colocar a economia acima da dignidade humana. Infelizmente é possível que católicos liberais enxerguem nisso “o comunismo do Papa”, o que é simplesmente a Doutrina Social da Igreja sustentada sob sua antropologia cristã, que diz que a economia serve ao homem e não o inverso. De fato: a sanha exploratória sem respeito aos indígenas e seus direitos é injusta. Naturalmente que neste caso, a Teologia da Libertação usará dessas injustiças para tentar emplacar seu discurso marxista como solução, mas não é isso que o Papa propõe. Não é com espírito marxista que o Papa faz as criticas contra o liberalismo. Vejamos o que está em 20:

20. A luta social implica capacidade de fraternidade, um espírito de comunhão humana. Então, sem diminuir a importância da liberdade pessoal, ressalta-se que os povos nativos da Amazônia possuem um forte sentido comunitário. Vivem assim «o trabalho, o descanso, os relacionamentos humanos, os ritos e as celebrações. Tudo é compartilhado, os espaços particulares – típicos da modernidade – são mínimos. A vida é um caminho comunitário onde as tarefas e as responsabilidades se dividem e compartilham em função do bem comum. Não há espaço para a ideia de indivíduo separado da comunidade ou de seu território» (…)

Eis novamente o espírito da Doutrina Social da Igreja, e não o marxista. Sendo o homem ao mesmo tempo indivíduo e homem social, o que deve vigorar a luta social é a busca do bem comum. E critica tanto à visão liberal quanto à comunista. Ao comunismo quando diz: “sem diminuir a importância da liberdade pessoal”; ao liberalismo quando diz: “Não há espaço para a ideia da indivíduo separado da comunidade ou de seu território”.

27. O diálogo não se deve limitar a privilegiar a opção preferencial pela defesa dos pobres, marginalizados e excluídos, mas há de também respeitá-los como protagonistas. Trata-se de reconhecer o outro e apreciá-lo «como outro», com a sua sensibilidade, as suas opções mais íntimas, o seu modo de viver e trabalhar.

Outro trecho que a Teologia da Libertação provavelmente vai tentar subverter, pois usa do seu slogan “opção preferencial pelos pobres”, todavia, aqui o contexto de tal ideia (que em si de fato não é falsa) não é o marxista, pois o Papa complementa “mas há de também respeitá-los como protagonistas”. O assistencialismo barato e escravizador dos esquerdistas não é lícito. O que está de fundo é a ideia cara e inegociável da Doutrina Social da Igreja chamada princípio de subsidiaridade. A instância superior deve contribuir com a inferior, mas sem parasitá-la, buscando sempre dar autonomia aos que estão abaixo.

33. Quero lembrar agora que «a visão consumista do ser humano, incentivada pelos mecanismos da economia globalizada atual, tende a homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa variedade cultural, que é um tesouro da humanidade». Isto afeta muito os jovens, quando se tende a «dissolver as diferenças próprias do seu lugar de origem, transformá-los em sujeitos manipuláveis feitos em série». Para evitar esta dinâmica de empobrecimento humano, é preciso amar as raízes e cuidar delas, porque são «um ponto de enraizamento que nos permite crescer e responder aos novos desafios». Convido os jovens da Amazônia, especialmente os indígenas, a «assumir as raízes, pois das raízes provém a força que [os] fará crescer, florescer e frutificar». Para quantos deles são batizados, incluem-se nestas raízes a história do povo de Israel e da Igreja até ao dia de hoje. Conhecê-las é uma fonte de alegria e sobretudo de esperança que inspira ações válidas e corajosas.

Novamente uma forte critica ao liberalismo, que provavelmente a Teologia da Libertação vai utilizar para posarem de bonzinhos. Mas sua neomissionaridade também não está bem na foto, pois aos que são batizados devem incluir nas raízes culturais a história do povo de Israel e da Igreja, ou seja, deixar que o Evangelho purifique sua cultura, sem contudo destrui-la.

41. Numa realidade cultural como a Amazônia, onde existe uma relação tão estreita do ser humano com a natureza, a vida diária é sempre cósmica. Libertar os outros das suas escravidões implica certamente cuidar do seu meio ambiente e defendê-lo e – mais importante ainda – ajudar o coração do homem a abrir-se confiadamente àquele Deus que não só criou tudo o que existe, mas também Se nos deu a Si mesmo em Jesus Cristo. O Senhor, que primeiro cuida de nós, ensina-nos a cuidar dos nossos irmãos e irmãs e do ambiente que Ele nos dá de prenda cada dia. Esta é a primeira ecologia que precisamos. (…)

Nada de neomissionariedade querer inverter as coisas, colocando a defesa do meio-ambiente acima da missão evangelizadora. É preciso, primeiro, “ajudar o coração do homem a abrir-se confiadamente àquele Deus que não só criou tudo o que existe [nada de panteísmo, sorry adoradores de pachamama], mas também Se nos deu a Si mesmo em Jesus Cristo”, ou seja, não qualquer Deus, mas abrir os corações a Nosso Senhor Jesus Cristo. É a partir disso que o cuidado do meio-ambiente passa a ter um real significado. Novamente, progressistas, parem de inverter a lógica. Primeiro Cristo e depois, por Cristo, os devereis sociais e ambientais. Isso é ser católico.

50. Com efeito, além dos interesses econômicos de empresários e políticos locais, existem também «os enormes interesses econômicos internacionais». Por isso, a solução não está numa «internacionalização» da Amazônia, mas a responsabilidade dos governos nacionais torna-se mais grave. Pela mesma razão, «é louvável a tarefa de organismos internacionais e organizações da sociedade civil que sensibilizam as populações e colaboram de forma crítica, inclusive utilizando legítimos sistemas de pressão, para que cada governo cumpra o dever próprio e não-delegável de preservar o meio ambiente e os recursos naturais do seu país, sem se vender a espúrios interesses locais ou internacionais».

Se o Bolsonaro for esperto, usará este trecho para reforçar sua luta contra o desejo globalista de internacionalizar a Amazônia e para conquistar legitimidade na guerra contra as ONG’s internacionais que, sob falso pretexto ambiental, na verdade são exploradores da região, praticando toda sorte de injustiça que o Papa tão duramente critica nesta exortação.

51. Para cuidar da Amazônia, é bom conjugar a sabedoria ancestral com os conhecimentos técnicos contemporâneos, mas procurando sempre intervir no território de forma sustentável, preservando ao mesmo tempo o estilo de vida e os sistemas de valores dos habitantes. A estes, especialmente aos povos nativos, cabe receber, para além da formação básica, a informação completa e transparente dos projetos, com a sua amplitude, os seus efeitos e riscos, para poderem confrontar esta informação com os seus interesses e com o próprio conhecimento do local e, assim, dar ou negar o seu consentimento ou então propor alternativas.

O tribalismo tão desejado pelos comunistas, alimentados pela falsa crença do “bom selvagem” de Rousseau, sofreu um grande ataque aqui.

57. Jesus disse: «Não se vendem cinco passarinhos por duas pequeninas moedas? Contudo, nenhum deles passa despercebido diante de Deus» (Lc 12, 6). Deus Pai, que criou com infinito amor cada ser do universo, chama-nos a ser seus instrumentos para escutar o grito da Amazônia. Se acudirmos a este clamor angustiado, tornar-se-á manifesto que as criaturas da Amazônia não foram esquecidas pelo Pai do céu. Segundo os cristãos, o próprio Jesus nos chama a partir delas, «porque o Ressuscitado as envolve misteriosamente e guia para um destino de plenitude. As próprias flores do campo e as aves que Ele, admirado, contemplou com os seus olhos humanos, agora estão cheias da sua presença luminosa»[77]. Por todas estas razões, nós, os crentes, encontramos na Amazônia um lugar teológico, um espaço onde o próprio Deus Se manifesta e chama os seus filhos.

Evangelho sim; panteísmo não. A beleza como meio de contemplarmos a sabedoria divina (foi ressaltada no 56) do Deus criador e, a partir disso, reanimar no seguimento do Evangelho para o aperfeiçoamento individual e social. Muito alheio à visão simbiótica do panteísmo, onde a “contemplação” seria meio para se dissolver na “Grande Alma” da natureza.

60. A Igreja, com a sua longa experiência espiritual, a sua consciência renovada sobre o valor da criação, a sua preocupação com a justiça, a sua opção pelos últimos, a sua tradição educativa e a sua história de encarnação em culturas tão diferentes de todo o mundo, deseja, por sua vez, prestar a sua contribuição para o cuidado e o crescimento da Amazônia.

Destaca-se para o trecho “história de encarnação em culturas tão diferentes”. Novamente se faz menção a noção de inculturação católica, ou seja, que o Evangelho, em sua prática, não destrói cultura, mas antes a aperfeiçoa! Isso vai na contramão das considerações da Teologia da Libertação, que considera o catolicismo como força destruidora, por ser portadora dos valores da “superestrutura burguesa” (o gramscismo e o marcusianismo são indissolúveis desse falso pressuposto), e também dos liberais, que confundem progresso com homogeneização, com o bem sendo sinônimo de igualitarismo, produzindo um estilo de vida consumista e padronizado.

Tudo isso será reforçado dos 61 a 80 no documento, mas vamos dar destaque ao 66 (que corrige a falsa noção de diálogo dos progressistas, que usam para se abster da missão de conversão) e ao 68 (que faz a relação teológica de graça e cultural).

66. Ao mesmo tempo que anuncia sem cessar o querigma, a Igreja deve crescer na Amazônia. Para isso, não para de moldar a sua própria identidade na escuta e diálogo com as pessoas, realidades e histórias do território. Desta forma, ir-se-á desenvolvendo cada vez mais um processo necessário de inculturação, que nada despreza do bem que já existe nas culturas amazônicas, mas recebe-o e leva-o à plenitude à luz do Evangelho. E também não despreza a riqueza de sabedoria cristã transmitida ao longo dos séculos, como se pretendesse ignorar a história na qual Deus operou de várias maneiras, porque a Igreja possui um rosto pluriforme, vista «não só da perspectiva espacial (…), mas também da sua realidade temporal»[85]. Trata-se da Tradição autêntica da Igreja, que não é um depósito estático nem uma peça de museu, mas a raiz duma árvore que cresce[86]. É a Tradição milenar que testemunha a ação divina no seu povo e cuja «missão é mais a de manter vivo o fogo, do que conservar as suas cinzas».

68. Vale a pena lembrar aqui o que afirmei na Exortação Evangelii gaudium a propósito da inculturação: esta baseia-se na convicção de que «a graça supõe a cultura, e o dom de Deus encarna-se na cultura de quem o recebe». Notemos que isto implica um duplo movimento: por um lado, uma dinâmica de fecundação que permite expressar o Evangelho num lugar concreto, pois «quando uma comunidade acolhe o anúncio da salvação, o Espírito Santo fecunda a sua cultura com a força transformadora do Evangelho»[92]; por outro, a própria Igreja vive um caminho de recepção, que a enriquece com aquilo que o Espírito já tinha misteriosamente semeado naquela cultura. Assim, «o Espírito Santo embeleza a Igreja, mostrando-lhe novos aspectos da Revelação e presenteando-a com um novo rosto». Trata-se, em última instância, de permitir e incentivar a que o anúncio do Evangelho inexaurível, comunicado «com categorias próprias da cultura onde é anunciado, provoque uma nova síntese com essa cultura»

A grande polêmica, receio para os católicos, “esperança” para os modernistas, da dispensa do celibato sacerdotal não esteve presente. O que o documento faz, do número 85 ao 90, é reforçar a doutrina do sacramento da ordem, lembrando que não o próprio do sacerdote, em caráter indelegável (sorry partidários da igreja democrática e relativista) é o sacramento da Eucaristia e Confissão. “Nesses dois sacramentos, está o coração da sua identidade exclusiva” (n. 89).

A partir disso, sem abordar diretamente a questão, o Papa rejeita o fim do celibato sacerdotal. De modo geral, até o fim do documento, o Papa rejeitará “gambiarras missionárias” (como o fim do celibato sacerdotal para ordenação de casados ou a ordenação de mulheres), mas pedirá o esforço para maiores vocações para atuar naquela região, junto com leigos e religiosos.

90. Esta premente necessidade leva-me a exortar todos os bispos, especialmente os da América Latina, a promover a oração pelas vocações sacerdotais e também a ser mais generosos, levando aqueles que demonstram vocação missionária a optarem pela Amazônia. Ao mesmo tempo, é oportuno rever a fundo a estrutura e o conteúdo tanto da formação inicial como da formação permanente dos presbíteros, de modo que adquiram as atitudes e capacidades necessárias para dialogar com as culturas amazônicas. Esta formação deve ser eminentemente pastoral e favorecer o crescimento da misericórdia sacerdotal.

Destacamos o trecho “favorecer o crescimento da misericórdia sacerdotal”, ou seja, como o estado celibatário é mais digno (conforme atesta São Paulo), subentende-se que a formação de novos sacerdotes não os privem dos votos de castidade. Sobre isso, recomendamos o vídeo do Padre Javier Ravasi

100. Isto convida-nos a alargar o horizonte para evitar reduzir a nossa compreensão da Igreja a meras estruturas funcionais. Este reducionismo levar-nos-ia a pensar que só se daria às mulheres um status e uma participação maior na Igreja se lhes fosse concedido acesso à Ordem sacra. Mas, na realidade, este horizonte limitaria as perspectivas, levar-nos-ia a clericalizar as mulheres, diminuiria o grande valor do que elas já deram e sutilmente causaria um empobrecimento da sua contribuição indispensável.

Por fim, para tristeza da ala progressista e alegria da ala católica, explicitamente houve a rejeição da ideia de ordenação de mulheres (recomendamos novamente o Padre Javier Ravasi, que fez um vídeo sobre isso). A ideia dos modernistas nesta questão é a criação de “diaconisas”, usando de má interpretação histórica. Na história da Igreja as diaconisas não eram mulheres ordenadas, mas mulheres dedicadas ao serviço. E é justamente isso que o papa esclarece acima.

Seria isso machismo? Parece que já antecipando aqui a histeria dos teólogos feministas (sim, isso existe), está no 101: “(…) As mulheres prestam à Igreja a sua contribuição segundo o modo que lhes é próprio e prolongando a força e a ternura de Maria, a Mãe. Deste modo não nos limitamos a uma impostação funcional, mas entramos na estrutura íntima da Igreja. Assim compreendemos radicalmente por que, sem as mulheres, ela se desmorona, como teriam caído aos pedaços muitas comunidades da Amazônia se não estivessem lá as mulheres, sustentando-as, conservando-as e cuidando delas. Isto mostra qual é o seu poder característico”.

E no 103, também diz que tais mulheres são merecedoras de reconhecimento público, que “tenham incidência real e efetiva na organização, nas decisões mais importantes e na guia das comunidades” – poderia soar feminista, se não fosse o complemento: “mas sem deixar de o fazer no estilo próprio do seu perfil feminino”.

Aqui foram apenas alguns apontamentos do documento, recomendamos sua leitura completa para meditação. Destacamos, para fugir da tentação ideológica, que seja lido com espírito católico, com a hermeneutica da caridade. Conforme escrevemos alguns comentários, trechos desconexos de seus complementos podem ser usados para fins ideológicos e contra a Doutrina Católica, mas fazer isso é antes falsificação do que zelo evangélico ou preocupação real com os pobres.

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Augusto Pola Júnior

Vice-presidente do Instituto Santo Atanásio, seu maior interesse de estudo é psicologia (em especial a tomista) e espiritualidade. Possui especialização em Logoterapia e Análise Existencial e em Aconselhamento e Orientação Espiritual.
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