… lembrai-vos das palavras que vos foram preditas pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo; Os quais vos diziam que nos últimos tempos haveria escarnecedores que andariam segundo as suas ímpias concupiscências (Jd 17-18).
Em uma publicação anterior apontei alguns dos traços mais visíveis e escandalosos do progressismo “cristão” – segundo o que eu esmo observei no contexto dos protestos no Chile, desde 2019 até hoje. Aquela corrente fundamenta-se, em linhas gerais e sob véus “humanitários” e “religiosos”, em um manifesto e incontestável ativismo – quando não se trata de militância inscrita – partidário de um setor específico da cultura política presente.
O progressismo “cristão” reclama a “realização” dos Mandamentos de Cristo em seu “verdadeiro sentido”, prescindindo de todos os aspectos dogmáticos, doutrinais e místicos, onde busca uma ética supra governamental dos Direitos Humanos, como se neles residisse a perfeita observância da Lei de Deus para o “mundo de hoje”. Eles desprezaram o caminho estreito, preferindo marchar nas largas avenidas, vociferando os slogans das tendências mais pútridas do mundo.
Esses agitadores alegam interpretar uma realidade que, evidentemente, não creem que exista, valendo-se de trava-línguas capciosos para encher de indefinição toda instituição humana e, no caso da Igreja, divina. Além de renegarem o cristianismo baseando-se em epistemologias ateístas, balbuciam uma crítica simplista e monotemática que finca raízes no obsessivo.
Porém ainda guardam esta vigarice em sua reserva de dardos com ponta de plástico: o historicismo. E com base nesta cegueira materialista, atrevem-se a dizer que o cristianismo é fruto temporal de um contexto culturalmente determinado, criado pela Palestina do século I. Em seguida, eles dividem a Igreja ao distinguir e opor a teologia paulina a outra joanina e a outra petrina – fazendo dos apóstolos parceiros mundanos da religião ou preceptores de escolas -, contaminando com sua peste cismática o mesmíssimo cimento da Igreja ao evitar as palavras de Cristo dirigidas a Pedro: confirma na fé aos teus irmãos (Lc 22,32).
Diferentemente deste grandíssimo apóstolo, mestre do arrependimento e do martírio, os progressistas “cristãos” não querem confirmar nada, mas sim “revisar” e “reinterpretar” a Tradição Apostólica e as Sagradas Escrituras, como se só se tratassem de textos humanos.
Não nos deixemos enganar, os filósofos são crianças até chegarem a ser homens através de Cristo. Porque a verdade não é somente pensar. Nossos arrogantes “intelectuais” e suas imposturas, hoje progressistas, entregam-se ao hedonismo de uma falsa “libertação”, sem saber que, no entanto, o filósofo deve ser antes de tudo livre, devendo fugir de ser escravo das paixões [2]. São crentes de uma cultura que não reconhece a continência, a temperança nem a oração como essenciais. Não se tomam por criaturas.
Com o slogan “crise na igreja”, sustentam grande parte desses ânimos heréticos ao aproveitar as abominações sexuais protagonizadas pelos membros do clero como “cavalo de Tróia”, cujo interior se alimenta do ideário antirreligioso. A partir daqueles fatos notadamente demoníacos, o progressismo arroga-se por si mesmo a autorização para importar seu insuportável discurso sobre o “poder”. Em sua lógica expediente, afirmam que os ditos abusos seriam intrínsecos de uma Igreja que, por si, seria “patriarcal”, “misógina”, “repressiva” e “medieval”, onde o celibatário seria a encarnação mais evidente da sua malícia, porque seria, ao mesmo tempo, submisso e provável perpetrador.
Deste modo, o “Caminho Sinodal da Alemanha”, que começou criando protocolos de prevenção de abusos, hoje produz pérolas tais como querer ordenar mulheres ao sacerdócio, casar homossexuais e dar a Comunhão aos cismáticos incrédulos da Presença Real de Cristo na Eucaristia.
Porém, não precisamos ir tão longe. Aqui mesmo, no Chile, há exemplos vergonhosos de pecados contra o sexto Mandamento protagonizados por sacerdotes; hoje é possível assistir a “missas pela diversidade”, organizadas pela “Pastoral da Diversidade Sexual” (PADIS), afiliada à “Global Network of Rainbow Catholics” (Rede Global dos “Católicos” Arcoíris).
Enquanto isso se sucede, outro grupo pupula nas paróquias, universidades, instituições católicas e no seio de congregações religiosas: “Mulheres Igreja”, cuja última declaração pública, midiatizada pelo jornal digital anticlerical “Kairós News”, “solidarizava” com a “comunidade” LGBT, a qual havia se “sentido discriminada” pelo responsum que a Congregação para a Doutrina da Fé definiu a respeito da questão da Igreja ter ou não o poder de abençoar uniões homossexuais. Resposta que, naturalmente, foi um robusto “não”.
O progressismo “cristão no Chile não pode ser hoje entendido fora do contexto do “surto social”, episódio que invocam como um tipo de “cartase” social, pois também “interpelou” e “desafiou a Igreja”. A Plaza Baquedano, popularmente conhecida como Praça Itália, outrora epicentro de celebrações nacionais multifacetárias, desde o dia 18 de outubro de 2019 tem sido palco de enfrentamento entre Guardas e “manifestantes”, os quais, em seu afã iconoclasta, têm pretendido rebatizar o lugar como “Praça da Dignidade”, sem oferecer nenhuma pista do que eles poderiam entender por “dignidade”.
Sob o impulso deste marco, o progressismo acadêmico embarcou-se na “reflexão”, e eis que um de seus paladinos, Álvaro Ramis – “teólogo” membro do diretório da Kairós News e Reitor da Universidade Academia Humanismo Cristão, conhecido reduto de anarquistas e niilistas radicais, e onde há muito tempo não se vê nenhum cristão – concluiu uma “Teologia da Praça Dignidade”, “palpável em todos os lados”, argumentando que demandar “dignidade” era uma “apelação teológica”, uma ação sagrada em resposta aos abusos do “sistema”.
Produto do descalabro política e da debacle moral, hoje nos encontramos em um processo pelo qual se pretende redigir uma nova Constituição Política, com a qual as forças liberais, tanto de direita quanto de esquerda, contam para legalizar o aborto em todos os “casos”, e impor a ideologia de gênero junto com sua neo-linguagem “inclusiva” a partir do Estado.
Seremos falsamente imputados como fóbicos, como já costuma fazer a “tolerância” em voga, mas não são fobias e nem sentimentalismo passageiros o que nos motiva a seguir fiel, e sim Nosso Grande Deus e Salvador Jesus Cristo. Não temamos por nós, pequeno rebanho (Lc 12,32), mas por aqueles que ainda não compreendem a desumanização que tentam nos impor: atomizar o homem para retirá-lo de sua comunidade, de sua família e de Deus, que o criou. O progressista, ao vestir-se de sucessivas ideologias, acabará por não reconhecer seu próprio rosto.
Sejamos cristão, deixemos os fanáticos disputar a guerrilha. Conservadorismo, integrismo, humanismo e progressismo não são mais que rótulos profanos, além desses caberiam outros mais -, mas tais lutas profanas não impediram que a cristandade se desenvolvesse ao longo da história, com distintos resultados. Eles não são em si a essência perene da Palavra de Deus. Querer mudar a doutrina cristã segundo as vãs filosofias e sutilezas vazias (Cl 2,8) que hoje oprimem, dominam e destroem, é o maior dano que se pode fazer ao homem criado a imagem de Deus, pois o fim da vida cristã não é “desconstruir-se”, mas alcançar a semelhança com Aquele que nos amou primeiro (1Jo 4,19) e nos amou até ao extremo (Jo 13,1), até a morte, e morte de cruz! (Fl 2,8).
Stat Crux dum volvitur orbis [4]
De Pablo Sepúlvida (do Chile) para
Que no te la cuenten
Notas:
[1] São Clemente de Alexandria, citado em “El prólogo de Ohrid. Vida de los santos, reflexiones y sermones para cada día del año” por São Nicolai de Ohrid e de toda América. Editado pela Diócesis de Buenos Aires, Sudamérica y Centroamérica de la Iglesia Católica, Apostólica, Ortodoxa del Patriarcado Serbio. 2015.
[2] São Nilo de Ancira. “Tratado ascético”. Ed. Ciudad Nueva, Madrid (España), 1994.
[3] Declarações de Álvaro Ramis no evento “Renacer profético”. 1 de dezembro de 2019. Notícia realizada por Kairós News. https://kairosnews.info/nuevos-y-solidos-aportes-en-el-renacer-profetico-2019/ .
[4] Lema da Ordem Cartuxa. “A Cruz permanece em pé enquanto o mundo dá voltas”