Parece-me que entre eu e meus amigos, e provavelmente também entre todos os católico de hoje, há uma espécie de competição tácita que é particularmente macabra. Todos os dias há uma expectativa de que encontremos a notícia mais de decepcionante e que mais dê desgosto, para compartilharmos em nossos grupos.
É tanto bizarro quanto estimulante: ver o clamor e o estarrecimento e participar deles; é como um stand-up invertido, para fazer chorar, e não rir. Tais fatos que queremos ter o prestígio de sermos os primeiros a divulgar são de fato piadas de mau gosto. Mas se a nossa época é tão pródiga em criar estas piadas de mal gosto, isto é porque o framework de nossa civilização é ele próprio uma piada de mau gosto. Mas qual seria ele?
Pergunto-te: as ações que tomamos em nosso dia a dia (jogar o lixo na lixeira, ajudar uma velhinha a atravessar a rua, etc.) são moralmente neutras? Se concordares que não o são (seja em si próprias, seja por sua relação ao quadro moral mais amplo), o que então poderíamos dizer de ações, ou melhor, preceitos mais amplos que regulam ações, como aqueles que devem servir para as constituições dos governos? Poderiam ser eles moralmente neutros, se sequer são neutras as nossas pequenas ações? E mais: é possível haver moral sem religião, este ponto de encontro entre o Um e o múltiplo, o finito e o Infinito, o imanente e o transcendente?
Algumas das piadas de mau gosto foram as primeiras colocadas no páreo do desgosto nesta última semana, particularmente uma entrevista de um “especialista” da ONU em direitos humanos que propõe de modo subliminar, entre outras violações da liberdade religiosa, a coerção sobre as instituições religiosas, e uma decisão de um tribunal mexicano pela condenação de sacerdotes que desaconselharam os seus fiéis a votar em candidatos defensores do aborto e da ideologia de gênero (coisa absurda…).
Vou confiar na inteligência do leitor, confiar que ele seja sensato e tenha na própria vida verificado a impossibilidade das antinomias que há pouco mencionamos (moral neutra e independente de quaisquer referenciais transcendentais). É possível então levar a sério tais piadas de mau gosto na vida quotidiana? É possível com honestidade confessar que vivemos numa sociedade laica, cuja justiça é imparcial e eficaz sem tutela de uma moral que se vincule a uma religião?
Na última reunião do Grupo de Estudo Jusnaturalismo e Cristandade, nosso camarada Luiz nos brindou com uma citação de um certo filósofo, que diz: “o que muda a história não são as filosofias, mas as filosofias que se tornam religião“. Agora rasgamos o véu da fantasia iluminista, que engana apenas os incautos que se permitem o disparate de levar a sério a piada de mal gosto supracitada (triste ironia que o tal apenas pareça ser uma parte significativa das pessoas).
Qualquer professor de departamento jurídico pode contestar à vontade no plano teórico, mas na prática a verdade inegável é que o Estado necessariamente, incontornavelmente se alinha a algum tipo de disposição moral e religiosa, de modo acidental ou consciente, mas invariável. Isto é óbvio, ou ao menos deveria ser para alguns. Se o indivíduo não pode fugir dessa constante, como o poderia o Estado, que nada mais é que a soma dos indivíduos? Porém, esta é uma reflexão para quem tem boa vontade e sensatez, não para quem acredite em quimeras como esta, ou a dos “freios e contrapesos”, ou a dos “vícios privados, virtudes públicas”, etc.
Falta responder a pergunta que as notícias citadas levantaram na nossa mente: qual a religião, ou melhor, filosofia travestida de religião que guia os Estados hoje? Se dermos o benefício da dúvida muito imerecido a nossos maus piadistas, podemos dizer muito acertadamente que é um certo Deísmo, como o expresso nos escritos de filosofia da história do MGTOW de Königsberg e nas palhaçadas (segundo o próprio autor) que um certo gigolô e soi-disant filósofo escreveu para fazer troça da filosofia de Leibniz. No outro caso, é apenas o bom e velho Panteísmo Espinoziano, sufocante e esmagador o bastante para levar a uma esquizofrenia paranoide qualquer coitado que o leve à sério.
Na primeira situação, um Demiurgo criou um cosmos autossuficiente e deixou o poder de instituir a moral nas mãos de quem for maquiavélico o suficiente para se impor no poder da comunidade humana (essa parte mais superior da criação mesmo no Deísmo); na segunda alternativa, não importa: tudo acontece como desdobramento necessário do ser, até mesmo o maior absurdo jurídico que a lógica possa comportar. Deus, autor habilíssimo da história, é realmente irônico: a tentativa de fugir da religião e suas superstições dos fouding fathers da modernidade foi criar uma nova religião (ou caricatura invertida dela) com superstições ainda mais absurdas e risíveis, como a ideia de que sodomia é uma fonte do direito ou de que todos têm liberdade de consciência, menos os cristãos que são a maioria na democracia mexicana moderna.
Com efeito, caro leitor, não se preocupe, a corrida macabra a que nos referimos no início não vai ficar menos divertida por ser desencantada por este ardil histórico-crítico. Ao contrário, ficando mais óbvio como a raison animaliza o homem, mais o leitor se sentirá seguro e satisfeito em expressar o seu desgosto com stickers de WhatsApp, dado que este será plenamente legítimo.