Boa tarde,
Tenho aqui a missão de fazer a apresentação do I Seminário de Educação do Instituto Santo Atanásio, esperando que este seja o primeiro de muitos seminários não só sobre este tema específico, a educação, mas também sobre outros diversos assuntos que são importantes e urgentes.
Quero agradecer a presença de todos. Num universo que rodeia a cidade de Curitiba, somos poucos os que estamos aqui, porém, creio que os que aqui estão buscam respostas mais profundas para problemas importantes, e não mais se contentam com as explicações usuais sobre os diversos problemas que nos assolam. É necessário mergulhar em águas mais profundas para entender mais profundamente esses problemas, porém, não é todo mundo que tem coragem para isso. Portanto, não só agradeço novamente a presença de todos, mas os parabenizo pela coragem de estarem aqui.
Muitos são os nossos problemas, e, não obstante, todo mundo suspeita que um meio importante para resolvê-los reside numa boa educação. De igual constatação é o fato de a qualidade de nossa educação estar péssima, e eis a tormenta: precisamos de uma boa educação para podermos melhorar enquanto homens e sociedade, mas nossa educação é péssima. Assim, a pergunta de 1 milhão é: Por que a Educação no Brasil está ruim? E, dado o diagnóstico, o que fazer? Nota-se que, ao fazer essas duas perguntas, saímos da superficialidade e começamos a levar o problema mais a sério. São muitos os que dão respostas fáceis, mas uma resposta fácil não significa ser a resposta correta, e, não sendo a resposta correta, tampouco será a solução. Deste modo, de mentira em mentira, a educação afunda e, paradoxalmente, quanto mais afunda, mais se insiste nas respostas fáceis e ideológicas. Lembra muito a realidade do inferno, pois estamos diante de debates e estratégias que, se continuarem neste ciclo, resultará em sistemas de sofrimento sem fim. Daí que o objetivo mais geral desse seminário é realmente dar outras respostas; repostas estas que diferem, inclusive marcham em direção contrária, ao que se costuma abordar entre o mainstream e os especialistas. É que tanto a mídia quanto os especialistas também têm problemas educacionais e, sendo assim, são cegos guiando outros cegos.
Enquanto Associação Cultural de Leigos Católicos, nós do Instituto Santo Atanásio lançamos um projeto editorial chamado Luzes para Educação, na esperança não tanto de resolver o problema, mas de que algumas almas pudessem sair de todo esse debate infernal e, então, buscar alternativas realmente efetivas para lidar com o problema educacional.
Esclarecido o objetivo para este dia, queremos ainda nesta apresentação discorrer sobre o contexto de trevas sob o qual a educação atual está imersa. E aqui não só sob uma perspectiva nacional; trata-se de um problema que aflige com generalidade o mundo que conhecemos como Ocidente.
Quando eu estudava Logoterapia, ao ler as obras de Viktor Frankl, percebia que este sobrevivente do campo de concentração insistia em chamar a atenção para um detalhe da ciência psicológica, a psicologia. Diz Frankl, em várias de suas obras, que toda psicologia pressupõe uma visão de mundo e uma visão de homem. Consciente ou inconsciente, os “pais” de escolas de psicologia traziam suas visões prévias de mundo e de pessoa humana para suas teorias.
Se isto é correto quanto à psicologia, muito mais o é quanto à educação! Com efeito, é verdade que as teorias em psicologia têm, ainda que inconsciente, uma visão de mundo em seu arcabouço, mas sua ênfase e campo de observação se dá mais na pessoa humana. A educação, por outro lado, precisa equilibrar essa questão de ênfase: precisa da psicologia para ter uma visão de homem sobre a qual trabalhar e precisa de uma filosofia para ter uma visão mundo, pois, em sua própria etimologia, educação – que vem do latim educere – significa “conduzir para fora”, ou seja, conduzir o educando, uma pessoa humana, para agir no mundo. De fato, é fácil perceber que a consequência de uma educação ineficaz é “produzir” seres humanos que estarão perdidos no mundo, perdidos porque imersos numa vida mentirosa e sem sentido.
Contextualizemos, pois, quais são a visão de homem e de mundo deste nosso mundo moderno ou pós-moderno.
Quanto à visão de mundo, todo mundo é, consciente ou inconsciente, hegeliano. Não convém entrar em detalhes na filosofia de Hegel, quero apenas mostrar a evidência desta afirmação. O efeito do hegelianismo na alma das pessoas é perceptível porque, em maior ou menor grau, consciente e inconscientemente, as pessoas observam o mundo sob uma perspectiva evolucionista. Crê-se que o mundo está em constante evolução, e, portanto, o futuro sempre será de melhor qualidade que o passado. Tal perspectiva adentrou na biologia, na sociologia, na política e, o que é mais grave, até mesmo na religião Católica (a heresia modernista). Trata-se de uma usurpação da virtude da esperança e no absurdo metafísico de considerar o tempo uma substância, um ente dotado de “poder místico” sobre as consciências humanas.
À esquerda, o Hegelianismo produziu as ideologias coletivistas (comunismo, nazismo, fascismo, etc), cujo fundamento – o coletivismo – é crer que a vanguarda do futuro é o Estado. Ora, se estamos em constante evolução, quem deve administrar e até mesmo conduzir a “evolução” é o Estado. Assim, os retardatários – os conservadores, ou melhor, os ultraconservadores ou reacionários no jargão político – devem abandonar suas teimosias nostálgicas e serem diluídos na coletividade: toda mudança moral – se referendada pelo Estado – deve ser aceita e comemorada como progresso.
Mas o diabo trabalha como pinça. Diante de um problema real, ele não apresenta somente falsas soluções à esquerda, mas também à direita, para que, diante desses confrontos ideológicos aparentemente contraditórios (são contrários, opostos, mas não contraditórios), a verdadeira solução – aquelas inspiradas pela teologia e filosofia católicas – não seja vista e, inclusive, modernamente, seja expulsa do debate (inclusive dentro da Igreja Católica, pois o clero atual está assustadoramente contaminado de modernismo).
Pois bem, à direita o Hegelianismo nos traz as filosofias da existência, onde a natureza humana é desprezada, e o homem é visto como um “construtor da própria história”; não há mais valores morais universais, o homem é quem define seus próprios valores, cabendo ao outro, por um lado, um relativo direito de discordar (relativo, porque quando a discordância vem da Tradição católica, esse direito é “esquecido”, porque a cosmovisão Católica estaria ultrapassada) e, por outro, a obrigação de tolerar. Diante de um debate moral, o existencialista, no cume de sua moralidade, dirá: “Tudo bem se guiares por esses valores pós-modernos, mas não tens o direito de querer impô-los aos outros”. É mais ou menos assim o prompt do existencialista. Mais do que isso – defender a verdade, distinguir o bem do mal, o belo do feio – será extremismo, coisa de “radicais”. Em síntese: Hegelianismo à direita leva ao individualismo pós-moral, ao superhomem de Nietzsche que define seus próprios valores e não se deixa definir por ninguém (doce ilusão) porque – quem nunca ouviu essa frase? – é uma pessoa “crítica” e “empoderada”.
Coletivismo ou individualismo evolucionistas são visões impróprias de mundo e de sociedade. A isto devemos contrapor a visão de família como base da sociedade. Por um lado, cada ser humano é um indivíduo único, singular, mas, ao mesmo tempo, deve nascer e se desenvolver num seio social chamado família. Por isso publicamos o livro “A Família, Educadora do Ser Humano” da Dra. Mercedes Palet. Eis o que diz a autora no Prefácio para nossa edição brasileira:
“Escrevi o texto do livro que o leitor tem em mãos faz mais de vinte anos; na minha opinião, seu conteúdo não perdeu valor para a atualidade; ao contrário, o tema que aborda continua sendo atualíssimo e, além disso, se tornou ainda mais urgente. Que a família é o lugar natural e indispensável para a educação do ser humano continua sendo verdade; igualmente verdadeiro há vinte anos e igualmente verdadeiro no tempo de Aristóteles. A verdade urgente que é necessário afirmar é que a família, fundada no matrimônio entre um homem e uma mulher, tem uma vocação a qual não pode renunciar, porque lhe é natural: a educação e o bem dos filhos”.
Nem coletivismo, nem individualismo: o mundo constrói-se a partir das famílias. O indivíduo não deve ser dissolvido na coletividade, nem deve ser um indivíduo fechado em si: ele deve ser educado a partir da família para aperfeiçoar-se em sua natureza humana (e esta noção de natureza o evolucionismo nega) e ser benéfico aos demais (sociedade).
Saindo da visão do mundo e indo para a visão de homem, passando pela recém citada natureza humana, temos que o mundo moderno enxerga o homem sob o ponto de vista kantiano. Todo mundo é seguidor do filósofo Kant e não sabe: basicamente todas as psicologias modernas nutriram-se do kantianismo e, por isso, estão em maior ou menor grau envenenadas.
Novamente não convém detalhar uma filosofia, neste caso a kantiana, também chamada de criticismo, mas somente apontar uma evidencia que mostra que ela é hegemônica em nossos dias. A consequência da filosofia kantiana no homem é o imperativo do desejo. Acredita-se que, se for sincero, o homem não erra em seus desejos. Sendo assim, tudo o que atrapalha na consecução de seus desejos é ruim; tudo o que ajuda, é bom. Mas a coisa é ainda pior: Kant não só quer que o desejo seja critério seguro para ação humana, ele ainda quer que seja um imperativo: o que eu desejo deve ser aceito por todos, sob o risco de sermos “intolerantes” e “antissociais”.
Numa visão correta de homem, a boa ação é precedida por uma correta avaliação da realidade, sendo isto feito através da inteligência. Deste modo, conhecendo a realidade pela inteligência, o homem poderia agir de modo moralmente correto: buscar o bem, evitar o mal. Mas Kant inverteu isso: afirmou, por um lado, que o homem não é capaz de conhecer a realidade em si (crítica à razão pura) e, por outro, afirmou que o homem não erra quando age a partir de um desejo sincero (crítica à razão prática). Não é mais a inteligência, mas o sentimento a bússola moral. E para coroar todo esse criticismo, na crítica ao juízo, afirma que as ideias, os julgamentos, as estéticas, as ciências são formulações a posteriori daquele desejo inerrável: nossos juízos são, por assim dizer, ideologias criadas para justificar nossos desejos.
Em síntese, Kant vendeu a inteligência humana à imaginação; vendeu a boa vontade (que é agir segundo a reta razão em vistas ao aperfeiçoamento da natureza humana) pelo desejo; e vendeu a razão humana pela racionalização. Nas psicologias kantianas (quase todas), a ascese cristã é tida por neurose. Querer julgar nossos desejos (a boa e velha prática do discernimento) pelo crivo da inteligência é tomado como absurdo. O argumento final não é a contemplação da verdade, mas o que eu sinto ou, na mescla com o hegelianismo, o que é meu direito. Está proibido fazer juízo inteligente (portanto segundo a verdade e a universalidade) de valor.
Para contrapor esse inferno kantiano, temos novamente a Dra. Mercedes Palet com o seu “A Educação das Virtudes na Família”. Nesta obra, partindo da teoria clássica das quatro virtudes cardeais, Dra. Palet as analisa segundo o seu grau de importância. Deste modo, começa falando da Prudência, depois da Justiça – virtudes estas mais voltadas ao conhecer –, depois da fortaleza e, por fim, da temperança – estas duas últimas mais voltadas ao agir.
Ao tratar da temperança, observa Palet que, embora seja a virtude “menos nobre” do ponto de vista das potencialidades humanas, é uma virtude que, se for descuidada, impossibilitará o desenvolvimento de todas as demais. A temperança é a virtude que modera os prazeres sensíveis humanos. Se uma pessoa não desenvolve autodomínio sobre os prazeres, tampouco terá autodomínio sobre sua dimensão irascível e, portanto, não será forte, não terá fortaleza e será covarde. Se não tem fortaleza, não terá a força para fazer o que é certo e benéfico ao próximo e, portanto, terá dificuldade para ser justa, pois a justiça nos pede muitas vezes que façamos sacrifícios pelo bem, enquanto que uma pessoa escrava dos prazeres com frequência estará disposta a prejudicar o próximo para obter prazeres e vantagens para si. Por fim, se não for temperante, tampouco será prudente: não será capaz de eleger os melhores meios para atingir a perfeição humana segundo a razão porque, preso aos prazeres carnais e aos bens materiais, desprezará e terá dificuldade de amar os bens espirituais e superiores. Se falhar na temperança, o homem falhará em tudo o mais, pois, preso à matéria, viverá segundo a matéria, e se afastará dos bens espirituais.
Se colocarmos a perspectiva kantiana do lado da Tomista, isto é, da católica, percebemos que as psicologias kantianas, ao eleger o desejo como critério moral infalível (e não a inteligência e o sacrifício amoroso), formarão seres humanos intemperantes e, por esta razão, humanos que não agem humanamente. O resultado disso não é outro senão a bestialização da sociedade.
Isto o que eu disse pode estar soando confuso, mas podemos simplificar com um bom adágio popular: “Quem não vive como pensa, acaba pensando como vive”. Devemos agir segundo aquelas verdades que conhecemos, eis a psicologia tomista para bem educar o ser humano, sendo que, para agir com esta coerência, precisamos ser treinados nas virtudes; porém, outra é a sorte da visão de homem kantiana: como não vivem como pensam, mas como sentem (um sentir não segundo à reta razão, mas segundo seus desejos idiossincráticos), acabam pensando de modo a validar o seu modo de vida – trocam o raciocínio e a reflexão prudente pela racionalização, justamente o que fez Kant na crítica ao juízo. Trágico, não? Ao propagarmos uma visão de homem kantiana, produziremos homens que utilizarão sua inteligência não para contemplar a verdade e agir segundo a verdade conhecida, mas para justificar seus desejos mesquinhos oriundo de sua intemperança. Claro que a filosofia de Kant apresenta toda uma sofisticação para defender suas inversões, mas ao fim e ao cabo tudo será reduzido a “pensar com a cabeça de baixo”: se eu gosto é bom; se eu não gosto, ruim.
Se for para o Estado impor pela força da lei os seus caprichos, então a corrompida alma kantiana irá se portar como um hegeliano coletivista; se um católico-tomista provar que seus valores estão errados, então veremos uma alma hegeliana individualista em ação. Do coletivismo ao individualismo é um pulo emocional, porque tanto o hegelianismo quanto o kantianismo são correntes racionalistas. Em suma, estamos num mundo onde impera o “queremos mais educação e mais putaria”. A verdadeira educação passa longe.
Daí a importância de um humilde seminário como este organizado pelo Instituto Santo Atanásio: Tudo o que nos ajudar a furar as bolhas hegelianas e kantianas são bem-vindas, desde que suportadas pela Verdade, pelo Bem, pelo Belo supremo, isto é, por Deus.
Se parece que as visões hegelianas e kantianas de mundo e de homem são ridículas, não é porque eu as estou difamando ou distorcendo, mas sim porque as estou colocando lado a lado, ainda que de modo simplificado e breve, com a visão tomista. Mostra-se assim que a comparação é importante para o desenvolvimento de nossa inteligência. Com efeito, muito da inteligência humana funciona pela composição e decomposição de semelhanças e diferenças. O problema é que o lado tomista e católico está simplesmente censurado de antemão, porque, séculos atrás, houve o triunfo do racionalismo, cujo hegelianismo e kantianismo são expressões.
Juntos, Hegel e Kant formam um dos instrumentos mais eficazes para o avanço da Revolução. Não podemos agora nos aprofundar neste tema, mas foi com agradável surpresa que li o diagnóstico do filósofo Sebastian Morello:
Atualmente, o que estamos testemunhando no Ocidente secular é a frustração da religião natural, não satisfeita pela religião sobrenatural, sangrando dentro do paradigma fisicalista da modernidade [racionalismo]. O espírito do homem ocidental moderno é como uma panela de pressão defeituosa que vai explodir, e cada tentativa de consertar o problema o empurra ainda mais para as soluções falsas e malignas do individualismo, estatismo, transumanismo e todas as promessas enganosas da era tecnológica que criar uma divisão cada vez maior entre nossa condição e qualquer reconciliação com a criação de Deus – e, finalmente, qualquer encontro com Ele.
(MORELLO, Sebatian. Can Hermetic Magic Rescue the Church? Part II: Behold, The Kingdom of God is Within You. The European Conservative, 30 de julho de 2023).
São Pedro (2Pd 3,10) e São Paulo (1Ts 5,20) ensinaram que o dia do Senhor (isto é, o da Segunda Vinda de Cristo) virá como um ladrão. E isto também foi confirmado pelo próprio Cristo:
Quanto àquele dia e àquela hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas só o Pai. Assim como foi nos dias de Noé, assim será também a (segunda) vinda do Filho do homem (Mt 24, 36-37).
Não serão sinais sutis aqueles que preanunciarão os últimos dias, então por que poucos serão os eleitos dos últimos dias? Se considerarmos que o mundo estará mergulhado num racionalismo hegeliano e kantiano quanto à visão de mundo e de homem, faz sentido notar que só os “tomistas” verão os sinais. Claro, não emprego o termo tomista no sentido de que precisará ser intelectual, mas no sentido daqueles que, apesar da “ditadura racionalista” em nosso entorno, nunca deixaram de meditar e de cumprir as leis de Deus em suas almas:
Quem é, pois, o servo fiel e prudente, a quem o senhor constituiu sobre a sua família para lhe distribuir de comer a seu tempo? Bem-aventurado aquele servo, a quem o seu senhor, quando vier, achar procedendo assim (Mt 24, 45-46).
Novamente, agradeço a presença de todos e os parabenizo pela coragem de estarem aqui.
Viva Cristo Rei
Curitiba, 26/08/2023