Um pouco antes do conclave, Frei Tiago de São José declarou sua torcida por um pontífice mau. Não por maldade, mas, digamos, por estratégia mística: segundo ele, apenas um papa escandalosamente indigno poderia despertar o povo católico para o fato, segundo sua tese sedevacantista, de que já não há mais verdadeiros pontífices. É um homem que sopra a brasa esperando que Deus apareça na fumaça. E, sendo o que é, é quase compreensível que pense assim.
É um raciocínio sombrio, mas ao menos é coerente com seu erro. Ele pensa como quem já abandonou o navio e deseja que afunde, para provar que estava certo ao saltar.
Mas o espanto maior não está nos que abandonaram a barca, e sim nos que ainda nela estão — e já torcem para que fure. Há entre os que estão nas trincheiras da Tradição quem repita o mesmo desejo: que venha um Papa pior, que o mal se revele sem maquiagem, que o engano mostre os dentes. Dizem que um Papa mais tradicional confunde, pois tem o odor da ortodoxia. Um Papa modernista, ao contrário, facilita o despertar — porque ninguém sonha num incêndio.
E assim temos um novo paradoxo: o sucessor de Pedro transformado em isca. Um Papa desejado não para santificar, mas para escandalizar. Como se o sacerdote fosse mais útil como espantalho do que como pastor.
É um erro — um erro vestido de zelo, que é o mais venenoso dos trajes. Porque desejar um pontífice mau é desejar o escândalo como catequese. É pedir um Herodes com a Bíblia na mão. É torcer para que Pedro negue o Cristo mais vezes, para que a Paixão ganhe novo brilho.
Só que a Igreja, mesmo em seus séculos mais cansados, nunca rezou por pedras de tropeço. Ela sempre rogou por santos. Sempre esperou que Pedro fosse pedra, não areia movediça. Mesmo quando foi fraco, ela nunca desejou que fosse traidor.
Se ainda crêem que há Papa, então desejar sua queda é desejar que Cristo sofra de novo na Casa de Caifás. É amar o Corpo de Cristo e, ao mesmo tempo, querer que seja açoitado. É rezar como os fariseus: com os lábios voltados ao Céu e o coração ansioso pelo apedrejamento. É desejar um exorcismo enquanto se alimenta o demônio.
Um mau pontífice pode ser instrumento de provação, mas nunca pode ser objeto de desejo. A Cruz, quando desejada, redime. O escândalo, quando desejado, corrompe. O diabo também opera por permissão divina, mas só os tolos oram para que ele reine, esperando com isso santidade.
Desejar um pastor infiel é desejar o escândalo das ovelhas, e desejar o escândalo das ovelhas é desejar a perda das almas. É pedir a Deus que o Filho seja traído de novo — só que desta vez por motivos estratégicos.
Ademais, mesmo se fosse verdade — e é — que a Tradição precisa ser restaurada, um Papa mais próximo dela é, por definição, preferível. Pois é mais fácil acender uma vela em quem já tem o pavio. Um homem de fé tradicional pode, pela graça, corresponder à Verdade. Um modernista militante pode até cair do cavalo — mas o caminho de Damasco é mais estreito para quem não sabe que existe cavalo algum.
E então chegamos ao Monte Carmelo atual: muitos esperam um fogo do céu que consuma o Concílio Vaticano II. Esperam um Papa com espada flamejante como Miguel Arcanjo, que declare tudo nulo e sem efeito. Mas esquecem-se de que Deus não fala apenas no trovão, mas também no sussurro. Esquecem-se de que nem mesmo Trento anulou os concílios anteriores — e que nenhum verdadeiro concílio ecumênico foi jamais apagado como se fosse o nome de Jezabel escrito na areia.
A Igreja não apaga seus próprios caminhos: ela os supera caminhando. Como uma árvore que deixa de dar frutos em certo galho, mas o conserva, porque por ali ainda passa a seiva. Se o Concílio for superado, será pelo silêncio do tempo. Não será por decreto, mas por maturação. Como se supera um inverno: não destruindo a neve, mas esperando a primavera.
E enquanto isso, o que nos resta? Rezar pela santidade do Papa. Mesmo que ele nos contrarie. Mesmo que ele nos decepcione. Torcer para que ele seja como Pedro, que afundou, mas gritou “Senhor, salva-me!”. Torcer para que o Espírito Santo o sopre como vela na barca.
Torcer por um Papa mau é como desejar que o cálice sagrado se quebre, para que se redescubra o valor do Sangue. É querer que o Templo seja profanado, para que se valorize o véu rasgado. É torcer por Judas, esperando Pentecostes.