Esta semana um afamado veículo de imprensa brasileiro publicou uma matéria sobre a expansão do catolicismo tradicional no Brasil. O enfoque, além do aumento numérico dos fiéis adeptos da tradição, foi o fenômeno dos jovens que, mesmo tendo nascido já sobre os baldrames de uma Igreja modernizada, se sentem atraídos pelos ensinamentos e costumes católicos tradicionais e pelo rito extraordinário da Santa Missa. A abordagem do tema foi feita pela (frequentemente capciosa) revista Veja, mas o resultado final não foi tão desfigurador e maledicente quanto seria de se esperar.
O mais surpreendente no texto é que, embora repleto de imprecisões e mal disfarçadas tentativas de ridicularizar ou criticar certas práticas de piedade dos fiéis, o tiro parece que sai pela culatra no final das contas. O que quero dizer é que a reportagem acabou por se converter em um instrumento de propaganda fide, de modo que ela contribui para divulgar a espiritualidade, as convicções e as boas práticas católicas que andam em desuso nas paróquias e comunidades eclesiásticas mais modernosas. Tanto que foi curtida e compartilhada nas redes sociais por diversos fiéis da tradição como os que são relatados na matéria.
Porém, compete-nos tratar de desfazer alguns equívocos grosseiros que o texto jornalístico assinado por Maria Clara Vieira e Sofia Cerqueira traz em si:
1) O silêncio orante dos templos católicos onde se guarda o devido respeito e reverência não é “sepulcral”, como escreveram as repórteres.
Ele denota não algo de fúnebre, mas sim uma profunda consciência da sacralidade do espaço consagrado e do rito litúrgico. Deste silêncio reverente diante do mistério da presença de Jesus Eucarístico ou da atualização do Seu sacrifício na Missa, se diria melhor “celestial”, “espiritual” ou simplesmente “orante”.
2) Ao voltar-se para o altar, o sacerdote que celebra a S. Missa no rito extraordinário não o faz com o intuito de estar simplesmente “de costas para a congregação”.
Essa distorção reducionista, embora já muito desmentida, continua a ser incessantemente ecoada pelos detratores da Missa tridentina, e convém que procuremos sempre esclarecer as pessoas de que, no rito extraordinário, o padre celebra versus Deum, isto é, voltado para Deus, e não simplesmente “de costas para o povo”. Convém afirmar sempre também que faz muito mais sentido que assim seja. Ora, o sacrifício de Cristo atualizado em cada Missa deve ser oferecido a Deus, não ao povo. É em expiação dos pecados da humanidade que o padre oferece a Vítima, a Hóstia pura, Jesus sacramentado como sacrifício propiciatório ao Pai.
3) Associar o ressurgimento do apreço dos fiéis pela tradição católica à ascensão de um genérico “conservadorismo” em voga é de um simplismo subginasiano.
Por acaso não foi justamente quando o progressismo esquerdista estava em alta que o boom de Missas tridentinas pelo Brasil começou? A Providência Divina independe das circunstâncias históricas.
Outrossim, insinuar que a valorização do que sempre foi próprio da Fé católica tem relação com um tipo de medo do futuro, como parece sugerir um dito “cientista das religiões” consultado pelas repórteres, é uma bobagem maior ainda. Pior: as autoras do texto chegam a dizer que o fenômeno “tem raízes no burburinho incessante de informações que cria e derruba certezas absolutas a cada segundo e exacerba os ânimos e as inquietações das pessoas”. É o velho psicologismo de boteco que se crê apto a dar explicações sobre qualquer coisa vinculando-a a paixões e necessidades primitivas do psiquismo humano.
Ora, se fosse por mera sede de certezas absolutas e uma inquietação perante o futuro, os jovens da tradição poderiam ter aderido a qualquer uma das ideologias materialistas totalizantes modernas. Certezas econômicas e sociológicas, bem como promessas de um futuro paradisíaco, não faltam no comunismo ou no libertarianismo, só pra citar dois exemplos que, no espectro ideológico, até se situam em extremos opostos. O que os jovens realmente sentem e o que os têm levado à Fé católica tradicional é a sede do Bem, do Belo e do Verdadeiro; em outras palavras, a sede de Deus.
4) Nenhum verdadeiro católico crê em um “iminente colapso da Igreja”, como alegam as autoras do artigo.
Todos nós confiamos na promessa de Nosso Senhor que assegurou que as portas do inferno jamais prevalecerão contra a sua Igreja (S. Mt. XVI, 18). O que apontamos como fato inegável é que há uma lastimável e arrasadora crise disciplinar, moral e doutrinal que em nossos dias atinge principalmente o clero, inclusive nos altos escalões da hierarquia eclesiástica, causando grande prejuízo à salvação das almas e dificultando tremendamente a missão dos bons católicos que continuam a fazer jus à verdadeira Igreja de Cristo.
5) O Concílio Vaticano II não inseriu guitarra e bateria nos ritos da Igreja.
Pelo menos, não oficialmente. O que a constituição Sacrossanctum Concilium prevê é uma primazia do canto gregoriano nas Missas (§ 116), o que acabou não acontecendo na prática, provavelmente em razão do funesto “espírito do Concílio”, que provocou alterações e deturpações que foram muito além dos textos conciliares.
6) Nós não “idealizamos o passado”.
Apenas evitamos superestimar a modernidade e as coisas do presente ou cometer a tolice de desprezar o que nos foi ensinado pelos profetas, os sábios e os santos que nos precederam na feliz e bem-aventurada via do temor a Deus, das busca das virtudes e da salvação.
7) Tampouco pretendemos “entender o mundo moderno em latim”, como sugerem as repórteres na conclusão da matéria.
Até porque tentar assimilar as peculiaridades do mundo atual praticando orações e ritos em uma língua antiga seria um completo disparate. Esta afirmação não faz sentido algum e parece cumprir uma função meramente estética que em nada contribui para explicar o tópico explorado.
Nós católicos apenas compreendemos que o latim e o silêncio ajudam sobremaneira o espírito do homem que deseja se apartar um pouco da azáfama do mundo moderno para se voltar mais tranquila e ordenadamente para o seu âmago mais profundo, onde ele se encontra com o próprio Deus, que é o sustentáculo, o bem supremo e fim último de nossas vidas.