O Código de Direito Canônico de 1917, no cânon 1262, obrigava as mulheres a cobrirem a cabeça especialmente quando se aproximam da mesa sagrada.
Tal cânon, contudo, foi suprimido pelo CDC de 1983, razão pela qual muitos disseram que o uso do véu dentro do espaço sagrado hoje é meramente opcional.
Esse raciocínio, todavia, esbarra no cânon 20 do atual Código:
A lei posterior ab-roga a anterior ou derroga-a, se assim o determinar expressamente, ou lhe for diretamente contrária, ou ordenar integralmente a matéria da lei anterior; mas a lei universal não derroga o direito particular ou especial, a não ser que outra coisa expressamente se determine no direito.
O uso do véu é uma norma especial do CDC 1917, porque dirigida particularmente às mulheres, e sua matéria simplesmente não foi regulada pelo CDC 1983. Como não existe no atual Direito Canônico revogação tácita de normas particulares, mas apenas expressa, então a lei anterior, neste tópico, continua vigente.
Neste sentido, comenta John P. Beal no “New Commentary on the Code Law” (2000):
“Uma nova lei universal não revoga nem as normas particulares nem as especiais, a não ser que a lei as revogue ou derroga expressamente, como, por exemplo, no cânon 5, §1 a respeito dos costumes contrários e no cânon 6, §1, 2°-3° com respeito às leis particulares contrárias e às leis penais particulares. A revogação de normas particulares e especiais por lei universal não pode ocorrer tacitamente.”
Como a lei do uso do véu não contraria nenhuma norma do CDC 1983, tal como seria se ele normatizasse que o véu é opcional, então ela continua vigente.
Uma objeção que se levanta é a afirmação da Declaração Inter Insigniores de 1976:
“Importa acentuar, porém, que essas disposições paulinas, provavelmente inspiradas pelos usos de tempo, quase não abrangem senão práticas disciplinares de pouca importância, como por exemplo a obrigação imposta às mulheres de usarem o véu na cabeça (cfr. 1 Cor. 11, 2-16); tais exigências hoje já não têm valor normativo.”
Contudo, devemos lembrar que uma declaração meramente argumentativa não constitui norma em si mesma. Ademais, o Código de 1917 ainda era vigente em 1976. Logo, o texto não pode ser interpretado contra legem. Ele deve entendido dentro de uma “hermenêutica da continuidade”, isto é, no sentido de que
(1) o véu não era normativo nas circunstâncias em que o CDC dizia que não era normativo
ou que
(2) o uso obrigatório dele era norma facilmente flexibilizável, pois em muitos lugares havia costume em contrário consolidado.
Por fim, recorda-se que a Congregação para a Doutrina da Fé não tinha competência para interpretar textos legislativos. A aprovação papal in genere do texto não é suficiente para derrogar uma lei que o mesmo Papa nunca revogou expressamente por algum motu proprio. Portanto, a declaração Inter Insigniores é uma prova fraca da revogação da obrigatoriedade do uso do véu.
Ademais, o modo de revogação das leis atuais pelo Papa é feito por institutos jurídicos conhecidos. Não se deve presumir a revogação de leis por declarações atípicas dele em outros documentos. Nesse sentido, o próprio cânon 20 do atual Código define:
“…a lei universal não derroga o direito particular ou especial, a não ser que outra coisa expressamente se determine no direito.”
Em todo caso, se ainda existir dúvida entre a Declaração e a norma nunca revogada do uso do véu, deve-se aplicar o cânon 21, que determina:
“Em caso de dúvida não se presume a revogação de uma lei preexistente, mas as leis posteriores devem cotejar-se com as anteriores e, quanto possível, conciliar-se com elas.”
A Declaração Inter Insignores não é lei, mas o CDC 1917 é. Então, dado que o Papa manifesta sua vontade ordinariamente por meios jurídicos, deve-se presumir a prevalência da norma de 1917 e harmonizá-la com o CDC 1983.