Adorador de Pachamama, Evo Morales renunciou à presidência da Bolívia após as revoltas populares que ocorreram por conta da gritante fraude que houve nas eleições do país. Isso é o que todo mundo está sabendo, mas o que mais nos chama a atenção é que há um fundo religioso nesta crise boliviana, um conflito entre a fé católica e Pachamama.
Se no Vaticano, em decorrência do Sínodo da Amazônia, Pachamama teve os holofotes em evidente escândalo para a fé católica, na Bolívia ocorreu o contrário: Pachamama perdeu o glamour e o que se destacou foram símbolos da fé carregados pelo oposicionista Luis Fernando Camacho Vaca.
Para maiores explicações, traduzimos o artigo da Aciprensa. Segue:
Que papel tiveram a Bíblia e a Pachamama na Crise da Bolívia?
A crise que afeta a Bolívia nesses dias e que culminou na renúncia do ex-presidente Evo Morales não está isenta de polêmica e trouxe como dois de seus “protagonistas” a Bíblia e a Pachamama. Neste artigo explicaremos a questão.
No domingo, dia 10 de novembro, pouco antes da renúncia de Morales, o líder opositor de Santa Cruz, Luis Fernando Camacho; Marco Pumari, opositor de Potosí e o advogado Eduardo León ingressaram no Palácio Quemado (do Governo) e rezaram diante de uma Bíblia colocada sobre uma bandeira da Bolívia.
Em uma mensagem publicada em sua conta de Facebook, Camacho escreve:
Deus retornou ao palácio e 15 minutos depois teve-se inicio as renúncias de todos os delinquentes deste país! Para quem não crê muito nisso, digo-lhes que Deus existe e que agora vai governar a Bolívia para todos os bolivianos!
Amanhã processaremos os senadores, deputados, ministros, vice-ministros e a todos que humilharam nosso povo… Não é ódio nem vingança, é justiça! Que Deus abençoe a Bolívia! Que Deus abençoe nossa juventude!
Não derrubamos o governo, libertamos um povo de fé. Só foi levada uma Bíblia ao palácio, uma Bíblia e uma carta de renúncia (…) depois de quinze minutos, o presidente renunciou (via twitter)
Este governo renunciou sem uma bala por parte do povo, renuncio só pela fé posta em Deus, com o pedido clamoroso do povo boliviano para levar nossa nação a caminhos melhores” (Este discurso foi proferido com o Rosário erguido na mão direita)
Nos últimos dias, o líder opositor animava seus compatriotas bolivianos a protestar de maneira pacífica por causa da “humilhação que estamos sofrendo há 14 anos”.
Segundo informa AFP, no domingo dia 10, logo após sair do Palácio do Governo, um pastor cristão, seguidor de Camacho, disse que
a Bíblia está retornando ao Palácio do Governo. Nunca mais a Pachamama voltará. Hoje é Cristo que está retornando ao Palácio do Governo. Bolívia é de Cristo.
A alusão à Pachamama refere-se às crenças do ex-presidente Evo Morales, que em seus atos públicos promovia a cosmovisão que considera que existem deidades na natureza, como a Mãe Terra ou o Tata Inti (pai sol), em um país onde a maioria da população é indígena.
Em agosto deste ano, o ex-mandatário presidiu um pago a la tierra, um ritual em que se agradece os frutos à Pachamama.
Iniciamos o mês da Pachamama com uma oferenda de agradecimento. Durante cada sexta-feira do mês de agosto, realizamos este ritual para agradecer a generosidade da Mãe Terra. Estas oferendas são parte da identidade de nosso povo” (Twitter de Evo Morales do dia 1 de agosto)
Iniciamos el mes de la #Pachamama con una ofrenda de agradecimiento. Durante cada viernes del mes de agosto, realizamos este ritual para agradecer la generosidad de la #MadreTierra. Estas ofrendas son parte de la identidad de nuestro pueblo. pic.twitter.com/HHE0TXRa0u — Evo Morales Ayma (@evoespueblo) 1 de agosto de 2019
Mesmo que se definisse como “católico de base”, em um discurso de janeiro de 2015, quando assumiu suas funções, o recém nomeado Conselho de Ministros, Morales respondeu aos que disseram “oxalá Deus” evite que a Bolívia seja como a Venezuela:
Se o império norte americano nos atacar politicamente e economicamente, não é Deus que vai nos salvar. Deus não vais nos salvar. O povo vai nos salvar, companheiras e companheiros, na força política
Na mesma ocasião, acrescentou que “do céu só cai a chuva, não é do céu que virá nossa salvação”.
Durante seus anos de governo, Evo Morales foi crítico ferrenho da Igreja Católica e denunciou em diversas ocasiões a “dominação” desta instituição para com os indígenas da Bolívia e da América.
Em Maio de 2010, reuniu-se com Bento XVI no Vaticano e uma coletiva de imprensa posterior ao encontro protestou pela “democratização” da Igreja, pediu pela abolição do celibato e que as mulheres pudessem ser ordenadas sacerdotes.
No ano de 2009 foi promulgada a Constituição do Estado Plurinacional da Bolívia na qual a fé católica deixou de ser a oficial do país, declarando que o Estado é “independente de religião”. O novo texto também assegurou a liberdade de culto.
AFP destaca que até a chegada de Morales ao poder (janeiro de 2006), os presidentes e os demais funcionários bolivianos prestavam juramento diante de uma Bíblia. Atualmente prometem com o punho esquerdo no alto e com a mão direita no peito, ainda que alguns não façam assim.
Nos últimos dias, Morales disse que os opositores “usam a Bíblia, usam Jesus Cristo, para injustiçar as irmãs em Santa Cruz, fazem homens e mulheres se ajoelharem. Dá raiva o modo como usam a Bíblia, a oração, as rezas, para discriminar os mais humildes”
Luis Fernando Camacho respondeu em diferentes ocasiões às acusações de Morales e disse que “não há racismo” em suas ações.
Que Deus os abençoe e lhes asseguro que nós bolivianos vamos recuperar a democracia, a soberania, e vamos construir uma nova nação de paz, de unidade, uma nova Bolívia de amor, sem divisão, sem radicalismos, sem radicais e totalmente sem racismo. Por favor, contribuam para a paz de um povo que tem sido humilhado por 14 anos (Twitter de segunda-feira, 11 de novembro)