Recentemente, o editor do conhecido site católico progressista “Where Peter Is“, Mike Lewis, publicou um artigo chamado “The bizarre and dangerous views of a celebrity exorcist“, no qual tece críticas ao Pe. Chad Ripperger sobre sua visão sobre demônios, outras religiões e doenças mentais.
Lewis busca manifestar em seu artigo crenças potencialmente “perigosas” do Pe. Chad Ripperger. Como veremos, nenhuma delas é perigosa e Lewis é desonesto, como de hábito, ao abordar intelectualmente o padre.
Sobre a hierarquia dos demônios
A primeira crítica de Lewis se dirige ao ensinamento do Pe. Chad Ripperger sobre a hierarquia dos demônios. Segundo Ripperger, abaixo de Satanás há cinco demônios generais:
- a) Baal, demônio da impureza;
- b) Asmodeu, demônio da homossexualidade masculina;
- c) Lilith, demônio da homossexualidade feminina;
- d) Leviatã, demônio da homossexualidade feminina, mas de tipo masculinizado;
- e) Baphomet, demônio do sacrifício de crianças.
Lewis então diz:
“Vários católicos, incluindo clérigos e teólogos, criticaram sua apresentação como bizarra e estranha à teologia e tradição católicas.
De acordo com um desses padres-teólogos, Pe. Matthew Schneider, LC, os ensinamentos do Pe. Ripperger sobre a hierarquia dos demônios parecem se desviar das visões tradicionais, que frequentemente retratam os demônios como caóticos sem uma hierarquia clara ou os alinham com os sete pecados capitais. Ele escreveu sobre as alegações do Pe. Ripperger neste vídeo: “Até onde eu sei, ele está inventando coisas do nada.”
Aqui Lewis e Pe. Matthew Schneider (Regnum Christi) simplesmente falam bobagens e causa espécie que afirmem que a hierarquia dos demônios não pertence ao ensino da Tradição católica quando ela é endossada por inúmeros Padres e Doutores da Igreja, sendo o principal Santo Tomás de Aquino, que assim ensina:
“Assim, pois, a disposição natural mesma dos demônios exige que haja entre eles superior. E isto também convém à divina sabedoria, que nada deixa desordenado no universo, e que atinge fortemente desde uma extremidade à outra, e dispõe todas as coisas com suavidade, como diz a Escritura (Sb 8, 1).” (S. Th. Ia pars, q. 109, sol.)
Respondendo à segunda objeção, o Doutor Angélico afirma que há concórdia entre os demônios e que ela se orienta contra a humanidade:
“A concórdia, pela qual uns demônios obedecem a outros, não nasce da amizade que tenham entre si, mas da nequícia comum com que odeiam os homens e repugnam à justiça de Deus. Pois, é o próprio aos homens ímpios unirem-se e submeterem-se aos de forças superiores, para executarem a própria nequícia.”
O mesmo ensinamento é reforçado pelo famoso exorcista espanhol Pe. José Fortea em seu livro “Summa Daemonica“:
“Algo que fora comprovado através dos exorcismos é que, entre eles, há uma supremacia dos superiores sobre os inferiores. Em que consiste tal poder? É impossível sabê-lo, pois não se sabe como um demônio [por isso mesmo, feito livre] pode obrigar outro a fazer algo, pois não há corpo para ser compelido ou coagido. Não obstante, pude comprovar que um demônio superior pode proibir um inferior de sair de um corpo durante um exorcismo. Ainda que o demônio inferior esteja sofrendo e queira sair, o superior pode impedir-lhe. Como um demônio pode obrigar outro a fazer algo [ou proibi-lo], sendo este imaterial, repito, continua sendo um problema que escapa à nossa compreensão.”
Lewis e Pe. Matthew simplesmente ignoram uma das principais fontes da teologia católica, Santo Tomás de Aquino, e acusam Pe. Chad Ripperger de estar “inventando coisas”. No entanto, a ignorância de Lewis e do Pe. Matthew sobre o assunto depõe decisivamente contra si mesmos.
É preciso dizer ainda que Lewis e Pe. Matthew não apenas ignoram a Teologia, mas também a Revelação divina que claramente chama o mundo dos demônios de reino do qual Satanás é príncipe (Mt. 12, 25-26).
Lewis faz, portanto, reivindicações bizarras sobre a demonologia, mas finge que afirma algo normal e ainda atribui maluquice ao próximo.
Lewis é um desonesto intelectual de marca maior.
Sobre opressão/obsessão demoníaca e bipolaridade
Em seguida, Lewis traz uma “preocupante crença” do Pe. Ripperger, que seria a crença de que casos de transtornos de bipolaridade são, na verdade, opressões/obsessões demoníacas:
“O padre Ripperger frequentemente fala sobre questões de ciência e saúde mental. Ele também escreveu extensivamente sobre esses assuntos, como em seu tomo de 826 páginas sobre The Science of Mental Health. Ele também rejeita a evolução como “contrária à razão” e vê a pesquisa empírica com ceticismo. Uma visão potencialmente prejudicial que ele mantém é sua crença aparente de que o transtorno bipolar é realmente uma opressão demoníaca (Fonte. O trecho citado começa por volta das 26:00):
“Não houve um único indivíduo que tenha vindo até mim com diagnóstico de transtorno bipolar, que esteja tomando medicamentos e que eu não tenha conseguido parar completamente de tomar os medicamentos e melhorar em três meses se eles fizessem certas coisas.
[…]
E basicamente é por causa da contradição principal de uma pessoa, ou algum tipo de contradição na vida de uma pessoa. […] A contradição leva a psicologia da pessoa a extremos maiores. E eventualmente chega a um ponto em que os demônios se inserem no processo e ele se torna realmente extremo.
É chamado de estado maníaco e depressivo. E a pessoa não tem controle sobre isso. Bem, geralmente isso pode ser quebrado bem rápido. Geralmente elas param de tomar os remédios em três semanas. Eles geralmente estão normais, se endireitam, se sentem normais depois de dois ou três meses. O que isso significa? Toda forma de doença mental pode ser causada por demônios.”
Este arquivo de áudio específico foi difícil de encontrar porque foi removido do site do Ripperger. A princípio, pensei que essa alegação sobre transtorno bipolar poderia ser única, porque ele frequentemente parece inventar coisas conforme avança. Mas então me deparei com um pequeno clipe de uma palestra diferente na qual ele novamente afirma que o transtorno bipolar é realmente uma “obsessão demoníaca”. Ele diz:
“Casos de bipolaridade são, na verdade, casos de obsessão demoníaca. Eu sempre, toda vez que ouço a explicação ou o diagnóstico de psicólogos modernos sobre um, hum, bipolar, eu simplesmente, bem, mando o cara para um exorcista.
Em outras palavras, eu tive um sucesso fenomenal em realmente usar essa bênção que a Igreja tem no antigo ritual — que expulsa o demoníaco — em pessoas que são bipolares. Elas realmente param de tomar seus remédios como resultado disso. O que apenas confirma para mim, e eu acho que a explicação por trás disso é, é o fato de que elas geralmente estão fazendo algo errado para começar, ou algo em suas vidas as desestabilizou emocionalmente ou psicologicamente.”
Esta é uma crença preocupante, para dizer o mínimo. O transtorno bipolar é uma condição de saúde mental bem documentada, com extensa pesquisa apoiando a eficácia de medicamentos e psicoterapia. Ao atribuí-lo a demônios e alegar que é o resultado da pessoa “geralmente fazer algo errado para começar”, Ripperger descarta a compreensão científica da saúde mental e desencoraja os indivíduos de buscar tratamento médico apropriado. Suas opiniões podem levar a resultados perigosos, como pacientes descontinuando sua medicação sem supervisão médica, resultando potencialmente em mudanças de humor severas ou recaída. Além disso, igualar as condições de saúde mental com influência demoníaca perpetua o estigma e o mal-entendido. As opiniões de Ripperger levantam preocupações éticas (para dizer o mínimo) e potencialmente colocam as pessoas em grande risco.”
A primeira coisa que se nota é que Lewis trata como verdadeiro absurdo alguém pensar que alguns casos de bipolaridade possam ter causa sobrenatural.
Todavia, os exorcistas são unânimes em atestar que muitos sintomas de transtornos mentais são idênticos ou semelhantes aos casos de influência demoníaca. Todos também são consensuais em afirmar que demônios podem causar doenças e transtornos mentais ou agravá-los.
Nesse sentido, recorramos, novamente, ao Pe. José Fortea em seu livro “Summa Daemoniaca“:
“Pode o Demônio causar uma doença mental?
Se o Diabo pode tentar, também pode fazê-lo contínua, intensa, incansável, e tratar de conseguir, portanto, instilar uma obsessão, fobia, depressão ou outras enfermidades. Se já dissemos que [o Diabo] pode transmitir espécies inteligíveis, poderia fazê-lo com tal frequência que perturbasse a vida diária da pessoa até que estivesse desequilibrada [mentalmente]. Fazer isso, ele pode. Mas, Deus impede sua livre atuação sobre nós. Toda ação do Demônio sobre os seres humanos deve ser permitida por Deus.
A resposta, para a pergunta de se o Demônio pode provocar doenças mentais, é sim, se Deus o permite. Resposta essa que vale para tudo mais.
Inclusive se perguntarmos se podemos contrair uma perturbação mental sem o dedo do Diabo. Sim, se Deus o permite, sim! Trata-se de uma resposta que tem um caráter quase universal. No entanto, por mais abrangente que seja ━ sendo que ela é adequada a quase todas as situações ━, temo que não haja qualquer outra alternativa a essa pergunta.
Tendo nós conhecido o mecanismo interno pelo qual o Demônio nos tenta ━ a introdução de espécies inteligíveis em nossa inteligência, memória e imaginação ━, este modus operandi pode também ser usado de forma tão intermitente que venha a desequilibrar [a nível psicossomático] a pessoa.
Está ao alcance do Demônio tal faculdade. A única coisa que pode embargá-lo nesse expediente é a Vontade de Deus. Mas, vejamos: o impede sempre? Sem dúvidas que não! Se Deus não impede sempre a atuação das causas naturais que provocam a enfermidade [aliás, quase nunca], tampouco impedirá sempre a atuação do Demônio. Assim sendo, tanto neste âmbito como no campos das causas das patologias físicas e psíquicas, a atuação do Demônio é excepcional. Toda enfermidade mental provém de causas naturais, até que se prove o contrário.
Por outro lado, se colocarmos, lado a lado, uma pessoa perturbada mentalmente por causas naturais e outra por atuação demoníaca, não teríamos condições de distinguir uma da outra, pois só veríamos o efeito externo.”
Pe. Ripperger em seu livro de saúde mental citado por Lewis afirma que alguns casos de bipolaridade (não todos como desonestamente afirma Lewis) podem ter como causa a opressão demoníaca:
“Esses extremos indicam que a pessoa está sendo movida para um lado e para o outro. O bipolarismo é frequentemente confundido com essa atividade demoníaca. Embora nem todas as formas de bipolarismo sejam demoníacas em causa, já que podem ter a nós mesmos como causa, no entanto, não se deve presumir imediatamente que tenha uma causa física.” (p. 568)
Portanto, a Ripperger reflete a mesma crença do Pe. José Fortea de que as doenças psíquicas podem ter como causa o demônio. A diferença entre ambos é que Pe. Ripperger enxerga na bipolaridade um sinal bastante decisivo de atuação demoníaca, a ponto de dizer que não se deve presumir uma explicação natural para ela.
Então perguntemos: Por que Pe. Ripperger pensa assim?
Bom, a resposta está no próprio livro do padre e na natureza desse transtorno.
O padre ao tratar da opressão e da obsessão demoníaca as insere no campo das causas externas da doença mental. Ambas são descritas da seguinte forma:
Opressão diabólica
A opressão diabólica se manifesta em sintomas de doenças muito sérias a muito leves: “Não há possessão, perda de consciência ou ação e palavra involuntários.” A opressão afeta a saúde, o emprego e os relacionamentos de alguém e seus sintomas incluem “raivas inexplicáveis e uma tendência ao isolamento completo”. Jó (no Livro de Jó) é um exemplo claro desse tipo de influência demoníaca. Pode resultar em doenças físicas que não podem ser curadas por meios médicos. Pode afetar relacionamentos, por exemplo, quando inexplicavelmente há uma “briga” entre membros da família. Também pode afetar o emprego das pessoas, por exemplo, quando são demitidas repentinamente e sem motivo.
Obsessão diabólica
A compreensão dessa forma de influência demoníaca é particularmente importante para psicólogos e psiquiatras: Os sintomas incluem ataques repentinos, às vezes contínuos, de pensamentos obsessivos, às vezes até racionalmente absurdos, mas de tal natureza que a vítima é incapaz de se libertar. Portanto, a pessoa obcecada vive em um estado perpétuo de prostração, desespero e tenta suicídio. Quase sempre a obsessão influencia os sonhos. Algumas pessoas dirão que isso é evidência de doença mental, exigindo os serviços de um psiquiatra ou psicólogo. O mesmo poderia ser dito de todas as outras formas de fenômenos demoníacos. Alguns sintomas, no entanto, são tão inconsistentes com doenças conhecidas que apontam com certeza para suas origens malignas. Apenas um olho especialista e bem treinado pode identificar as diferenças cruciais.
Assim, a demonologia assenta certos sinais comuns da atuação diabólica, sendo estados mentais depressivos e maníacos sem uma causa aparente e nenhuma cura médica apenas alguns deles.
Ora, quando se analisa a bipolaridade, se verifica que ela possui todos esses sintomas, mas que não tem uma causa definida. E, embora tenha tratamento para sintomas imediatos, o transtorno não tem cura, como atesta a literatura médica a respeito.
Pe. Ripperger não está aqui cometendo a imprudência de “ver o diabo em tudo”, mas analisando a natureza da doença e considerando suas possíveis causas. Para este tipo de transtorno mental ainda não há uma aparente causa natural, mas há uma possível causa sobrenatural que funda-se no vasto conhecimento a respeito do comportamento diabólico.
Portanto, o padre está apenas considerando todas as causas possíveis, como ele próprio ensina em seu livro:
“Certas formas de psicologia moderna serão inerentemente inadequadas em relação a esses tipos de causas. Por exemplo, o behaviorismo, que por sua natureza trata o homem não de forma diferente de um animal, nega o papel do imaterial. Portanto, em seus esforços para “modificar o comportamento,” os behavioristas encontrarão o fracasso, já que a modificação do comportamento não resolve o problema da obsessão demoníaca nem qualquer doença mental que tenha sua raiz no voluntário. Qualquer psicologia que tire suas principais conclusões sobre saúde mental de um ponto de vista puramente materialista será inerentemente inadequada.
Somente uma psicologia enraizada no tomismo dará uma resposta adequada às dificuldades mentais das pessoas, pois somente o tomismo leva em consideração TODAS as causas possíveis, bem como uma delineação adequada da constituição ontológica do homem e, portanto, pode entender como as causas funcionam.
Com essa forma de atividade diabólica, duas abordagens do psicólogo devem ser mantidas em mente. A primeira é que o psicólogo deve esgotar as possibilidades naturais e auxiliar no aconselhamento do dirigido sobre o que fazer. Isso não implica que os psicólogos tenham que passar um por um pelas várias possibilidades naturais. Significa apenas que ele deve ter conhecimento delas e não encontrar nenhuma possibilidade natural em sua avaliação do dirigido. Além disso, ele deve garantir que os meios que o dirigido e ele, como psicólogo, podem empregar no nível espiritual sejam usados. Se a obsessão for uma que pode ser quebrada meramente pelas orações de alguém em estado de graça, psicólogos notarão, em casos onde esta forma de influência demoníaca está presente, melhora definitiva. Se depois que os vários meios forem usados e o dirigido tiver feito fielmente sua parte, tanto no nível espiritual quanto no natural, pode ser prudente enviar o dirigido a um padre ou exorcista.” (p. 559)
Lewis é desonesto, pois deixa a impressão de que o padre sugere simplesmente largar o tratamento médico e ir a um exorcista quando é exatamente o contrário do que o padre pede. O que o padre sugere é: Avalie as causas naturais. Se não existirem, procure um padre ou exorcista.
No caso específico da bipolaridade, a causa natural é desconhecida e seus sintomas se confundem com sinais da atuação angélica. Por isso, a origem natural do transtorno não é presumida. A forma de atestar se a causa é decisivamente angélica ou não é combater a doença sobrenaturalmente (por meio de orações, bênçãos ou exorcismo) e verificar se ela cessa de existir.
A raciocínio do padre é perfeitamente lógico e prudente, pois considera todas as causas possíveis.
Lewis, contudo, raciocina o contrário. Por causa do seu progressismo teológico, o escritor, apesar de ser católico, pensa como um ateu. O demônio, embora não seja formalmente negado por ele, passa alhures do seu pensamento. Ou seja, ele não considera todas as causas possíveis. Se a doença é curada por meios sobrenaturais, o escritor não vê nisso uma decisiva intervenção divina. Afinal, como a doença “não tem cura”, o perfeito estado mental da pessoa, nestes casos, só pode significar algum intervalo enganoso de ausência de sintomas da doença, mas não sua dissipação total. Assim, mesmo estando bem, a pessoa deve continuar tomando antidepressivos e antipsicóticos a vida toda mesmo não existindo causa médica para tomá-los.
Este raciocínio, claramente, presume materialismo, pois rejeita o remédio espiritual quando há sinais de que ele deve ser tomado, mas aceita a continuação de pesados tratamentos farmacológicos, mesmo sem qualquer evidência da sua atual necessidade, bastando que se afirme que a doença é incurável.
Do ponto de vista moral, esse materialismo presumido leva à imprudência. Porque não usar os meios adequados para resolver um problema ou dissipar recursos com problemas inexistentes é uma nota característica do homem imprudente. Porém, Lewis está tão afundado no seu progressismo teológico que não consegue ver isso. Ele não consegue enxergar a imprudência da mentalidade ateia e materialista nessas situações.
Mais uma vez, o ataque de Lewis ao Pe. Ripperger apenas depõe contra si mesmo e revela profundas convicções suas que, no fundo, são anticatólicas.
Sobre os não católicos
Lewis alega que Pe. Ripperger faz afirmações heterodoxas sobre os não católicos:
“O padre Ripperger tem muitos títulos acadêmicos em teologia e filosofia e é padre há muitos anos, mas aparentemente ele dormiu durante a palestra sobre a declaração do Vaticano II Nostra Aetate sobre a “Relação da Igreja com as Religiões Não Cristãs“. Parece que ele pode ter pulado o seminário sobre ecumenismo também.”
Segundo Lewis, Ripperger, nesta conferência, contraria o ensinamento do Concílio Vaticano II nos seguintes pontos:
- a) Ao afirmar que cristãos e muçulmanos não adoram o mesmo Deus;
- b) Ao dizer que não se pode rezar com protestantes;
- c) Ao asseverar que fora da Igreja qualquer ato religioso é ofensivo a Deus.
Quanto a “a”, Pe. Chad Ripperger apenas constata que nunca foi uma reivindicação dos teólogos que muçulmanos e cristãos adorassem o mesmo Deus.
Aqui, obviamente, Pe. Chad Ripperger também refere-se ao Deus revelado em cada uma das religiões, não ao Deus Criador ou monoteísta alcançado pela razão natural e afirmado por cristãos e muçulmanos.
Esta obviedade fica ainda mais patente quando o padre diz que nem o Deus concebido pelos protestantes é o Deus católico. E, de fato, no plano da Revelação, o Deus católico é muito diferente de Allah ou do Deus “revelado” dos protestantes que predestina as pessoas ao inferno ou que aceita o divórcio, contracepção, etc.
Ademais, a crítica tradicionalista a respeito de Nostra Aetate sempre apelou ao plano da Revelação. Não é uma crítica herética ou heterodoxa, mas que revolve a uma falha de precisão textual do documento conciliar. Afinal, o corpo predicativo comum do “Deus uno” de cristãos e muçulmanos só vai até certo ponto, conforme o esquema abaixo:
Quanto a “b”, Lewis diz:
“Ripperger contradiz diretamente o Papa São João Paulo II, que (como todos os papas recentes) rezou com protestantes e outros cristãos não católicos em muitas ocasiões. Em sua encíclica Ut Unum Sint, ele explicitamente encorajou isso: “Quando irmãos e irmãs que não estão em perfeita comunhão uns com os outros se reúnem para rezar, o Concílio Vaticano II define sua oração como a alma de todo o movimento ecumênico. Esta oração é ‘um meio muito eficaz de pedir a graça da unidade, uma expressão genuína dos laços que até agora unem os católicos aos seus irmãos separados” (UUS 21).”
Lewis, contudo, mais uma vez, se mostra desonesto, pois o “orar”, no contexto indicado pelo padre, refere-se à participação de cultos protestantes, não às orações ecumênicas. Pe. Ripperger inclusive indica, no min 18’47”, o artigo “The Holy Office on Worship with Non-Catholics from 1622 to 1939” de Craig Allen, para reforçar seu ponto.
Quanto “c”, o contexto é, novamente, deturpado por Lewis. O padre buscava explicar justamente porque a participação de católicos em cultos protestantes é ofensiva a Deus. Vejamos o que o padre diz:
“Somente aqueles em união com aqueles Apóstolos e sucessores podem fazer uso legítimo deles [elementos de santificação], porque se não o fizerem, se usarem esses elementos fora dos apóstolos e seus sucessores eles cometem um pecado de injustiça contra os apóstolos ou seus sucessores cujos direitos são os de ser guardiões desses elementos de santificação.
O que significa que, se você não está na Igreja, qualquer coisa religiosa que você faça — como batizar alguém — é na verdade ofensiva a Deus porque é contrária ao fato de que deveria ser feita em união com aqueles que têm direitos sobre esses elementos de santificação.
Os bispos basicamente têm o direito de fazer determinações de quando os sacramentos são aplicados, etc., e isso inclui orar sobre as pessoas ou com elas.”
Ora, Pe. Ripperger não mais está fazendo do que uma bela apologia da necessária união com a Igreja (tão cara a Lewis, um continuísta) que devemos ter e explicando como isso é uma obra de justiça para com Deus.
E, de fato, um católico sabedor da verdadeira religião não pode realmente participar de cultos protestantes ou outras religiões, ainda que elas façam uso de sacramentos e de outros elementos de santificação, sob pena de pecar contra a virtude da religião.
Embora possam existir elementos de santificação em outras religiões, como ensina o Concílio Vaticano II, a Igreja não ensina a bondade dessas religiões enquanto tais. Afinal, elas são inspiradas em erros metafísicos crassos (Ex: Animismo, Hinduísmo, Budismo, Espiritismo), revelações falsas (Islamismo), revoltas contra a Igreja (Ex: Ortodoxia e Protestantismo), em suma, em pecados contra a verdade e em obras de injustiça contra Deus.
Nesse contexto, um ato religioso, como o ato de batizar ou de conferir sacramentos, pode não configurar um ato de pecado pessoal do indivíduo, a depender do seu grau de consciência sobre a verdade sobre a Igreja, mas é, por assim dizer, um pecado daquela religião que administra sacramentos usurpando a autoridade de quem tem direitos sobre eles.
Ademais, a Igreja “nada rejeitar o que é santo em outras religiões” é apenas uma outra forma de dizer que ela não pode rejeitar o que é naturalmente sagrado e, portanto, seu. Ela definitivamente não está defendendo o uso ilegítimo desses elementos por outras religiões, pois, se assim fosse, Lewis teria que adotar uma posição incômoda para o seu continuísmo de esquerda, a saber, que não haveria qualquer irregularidade na dispensação de sacramentos por ortodoxos, sedevacantistas e padres da FSSPX, afinal, a Igreja em nada rejeita o que é santo…
Por fim, é preciso dizer que, ao contrário da oração entre católicos, a oração de católicos com não católicos não se presume lícita. Não é simplesmente livre a oração conjunta de católicos com adeptos de outras religiões. Ela precisa ser regulada pela autoridade competente da Igreja para ser devidamente autorizada, conforme define o Diretório para a Aplicação do Ecumenismo, para evitar o perigo do indiferentismo religioso:
“No nosso tempo há, aqui ou ali, uma certa tendência à confusão doutrinária. Portanto, é muito importante que, no campo do ecumenismo como em outros, evitemos abusos que possam contribuir ou levar ao indiferentismo doutrinário. Se as diretrizes da Igreja sobre este assunto fossem desconsideradas, o progresso da autêntica busca da plena unidade entre os cristãos seria prejudicado. Compete ao Ordinário local, às Conferências Episcopais ou aos Sínodos das Igrejas Orientais Católicas garantir que os princípios e normas contidos no Diretório Ecumênico sejam aplicados fielmente e garantir que qualquer possível desvio seja evitado com cuidado pastoral.
(…)
108. Se for caso disso, os católicos devem ser encorajados a reunir-se para rezar com os cristãos pertencentes a outras Igrejas e comunidades eclesiais, segundo as normas ditadas pela Igreja. Estas orações em comum são, sem dúvida, um meio eficaz de implorar a graça da unidade e são uma manifestação genuína dos laços com os quais os católicos ainda estão unidos a estes outros cristãos. A oração em comum é, em si, um caminho que conduz à reconciliação espiritual.
(…)
110. Contudo, a oração comum deve ter como objetivo, antes de tudo, a recomposição da unidade dos cristãos. Pode centrar-se, por exemplo, no mistério da Igreja e na sua unidade, no batismo como vínculo sacramental de unidade, ou na renovação da vida pessoal e comunitária como caminho necessário para tornar perfeita a unidade.”
Ao que tudo indica, Lewis vê problema nas declarações do Pe. Ripperger, muito provavelmente, pelo fato da sua mente já não raciocinar com perfeita ortodoxia nesses temas.
Espíritos Geracionais
O próximo ataque de Lewis ao Pe. Ripperger refere-se à conferência feita pelo padre sobre “espíritos hereditários”.
“Os exemplos acima, por mais perturbadores que sejam, podem não ser as ideias mais potencialmente prejudiciais e espiritualmente perigosas de Ripperger. Central para sua visão de mundo e abordagem do demoníaco é a noção de “maldições geracionais” ou “espíritos ancestrais” e coisas do tipo. Este conceito não tem lugar na doutrina católica.
(…)
Aparentemente, de acordo com o Padre Ripperger, espíritos malignos astecas ou maias podem afligir pessoas de herança latino-americana, e outros espíritos afligem nativos americanos — mesmo que suas famílias tenham adotado o cristianismo há séculos. Seria interessante saber se Ripperger alguma vez sugere ao seu público (na maioria branco) que eles podem estar sendo afligidos inconscientemente por demônios associados aos deuses nórdicos ou ao panteão romano.
Essa noção popular de espíritos e maldições geracionais merece uma análise mais aprofundada e uma crítica detalhada. Mas devo salientar que a maneira como Ripperger trata disso com seus contos sensacionais cheira a superstição e histórias de fantasmas tecidas para cativar seu público crédulo, feito de pessoas com apetite por contos fantásticos.”
Aqui vemos um perfeito exemplo de como criticar sem dizer absolutamente nada.
Lewis afirma que os “conceitos de espíritos ancestrais e de maldições hereditárias não tem lugar na doutrina católica”, mas também não esclarece se é algo contrário a ela. Afirma ainda que a noção popular de maldição hereditária merece ser criticada, mas não expõe a crítica. A única coisa que Lewis faz é sugerir “racismo” do padre, ainda que o Ripperger tenha afirmado em sua palestra que nunca viu uma família sequer que não padecesse do problema dos espíritos geracionais.
Não estamos aqui concordando ou discordando da tese do Pe. Ripperger, mas apenas pontuando a completa incapacidade de Lewis de demonstrar as “bizarrices” do padre, como promete no título do seu artigo. Até aqui Lewis só bateu pezinho, mas não demonstrou absolutamente nada.
Quanto à tese em si mesma, apesar de não termos nenhuma opinião sobre ela, não parece irrazoável. Diz o padre que espíritos geracionais são demônios que influenciam famílias, raças ou sociedades por gerações inteiras aproveitando-se dos pecados, inclinações ou maldições feitas naquela família ou nação.
Pe. Rippeger afirma que um espírito geracional entra numa família de três formas:
1. Pecado mortal cometido pela autoridade da família. Quando um chefe de família comete um tipo específico de pecado mortal e ainda coopera com as sugestões do demônio a respeito desse pecado, ele sujeita a família inteira à influência despótica desse demônio.
2. Maldições. Quando uma pessoa amaldiçoa outra. Pe. Ripperger afirma que isso pode afetar inclusive bebês desde o útero e conta casos de crianças abaixo da idade da razão que sofreram possessões demoníacas. O padre diz que esta é a razão da Igreja fazer exorcismos no batismo e cita o caso bíblico de Marcos 9, em que Jesus expulsa um demônio que possuía um rapaz desde a infância.
3. Permissão de Deus. Deus pode permitir por um motivo desconhecido por nós que um demônio geracional tente ou influencie uma família por gerações inteiras.
Por mais que estas ideias não integrem formalmente a doutrina católica, elas parecem ser uma realidade fática constatada por muitos padres e exorcistas tais como o Pe. John Hampsch, Pe. Gabriele Amorth, Pe. Robert DeGrandis, Pe. Lou Cerulli, etc., e estão longe de ser uma “bizarrice” teológica perigosa como faz parecer Lewis.
Conclusão
Lewis é um perfeito exemplo de como o progressismo teológico simplesmente detona com o sensus fidei de uma pessoa.
O que se nota nas críticas dirigidas ao Pe. Ripperger é um profundo ateísmo ou agnosticismo que permeia toda a sua mentalidade.
Sabemos que essa mentalidade é oriunda de uma adesão, ainda que implícita, ao modernismo teológico, que é profundamente agnóstico.
Acreditamos que o progressismo de Lewis é oriundo de uma certa paixão desordenada antitrad. Há certos continuístas que se inflamam tanto em sua batalha antitradicionalista que se enveredam de vez para o modernismo/progressismo teológico, como ocorreu com Paul Fahey, colunista do site.
Está nítido que o ataque ao Pe. Ripperger, um dos mais eruditos e respeitados dos EUA, não foi gratuito. Lewis quer demonstrar a seu público que absolutamente nenhum católico ligado ao catolicismo tradicional é digno de confiança. Por isso faz ataques virulentos ao sacerdote, ainda que com isso só deixe mais claro sua própria ignorância teológica.
O problema é que esse tipo de empresa, isto é, de não olhar o que se diz, mas quem diz, destrói a busca natural pela verdade e, ulteriormente, o senso da fé. Nesse sentido, Lewis já olha com desconfiança doutrinas completamente ortodoxas da Igreja (hierarquia dos anjos, unicidade da Igreja como meio de salvação, atuação demoníaca no mundo, etc) e as confunde com “bizarrices trads”.
Esse modus operandi também faz Lewis tornar-se cada vez mais desonesto. Por que Lewis menciona o livro de saúde mental do Pe. Ripperger, mas não cita os trechos em que o padre orienta a buscar primeiro a solução médica para os transtornos mentais ou que afirma que nem todos os casos possuem causa sobrenatural? Por uma razão óbvia: ou Lewis não leu o livro ou omitiu deliberadamente. Ou ele critica sem ler ou ele omite informação para denegrir o adversário. Em ambos os casos está sendo desonesto.