Amarás o Senhor teu Deus, de todo o coração…e ao próximo como a ti mesmo (Lc 10, 27)
Consideramos duas acusações que vão de encontro ao Catolicismo. A Primeira dirige-se para a excessiva indiferença, a outra ao exagerado zelo pelos acontecimentos referentes à vida futura. Alguns nos julgam muito mundanos e interesseiros, pouco dado às realidades espirituais; outros nos consideram demasiadamente preocupados com questões transcendentais e dogmáticas. Coloquemos essas acusações em um plano espiritual e bem definido e veremos que haverá quem nos julgue excessivos com nossas atividades em procurar o bem das almas, como também em nossa dedicação para com Deus.
Conforme uma queixa várias vezes repetida e difundida entre católicos, leigos e sacerdotes: somos acusados de demasiado zelo apostólico. A verdadeira religião é absolutamente interna, como é o amor entre casais, essencialmente individual e pessoal. Contestam: “Todos os homens de critério, consistem a sua fé no mais profundo de seu íntimo”. A tolerância em matéria de religião é a prova da mais alta espiritualidade. Um indivíduo verdadeiramente religioso professa pela fé do amigo, o mesmo respeito que tem pela sua e abstém-se de intrometer nas relações dele para com Deus e deseja o mesmo. Ao contrário, os católicos são notoriamente intolerantes, prova da mentalidade pequena e mesquinha.
Examinemos a questão dos missionários, é indiscutível e geralmente reconhecido que os missionários católicos, em comparação com os de outras confissões, fornecem prova de maior zelo e dedicação. Isto, se de um lado atesta a sinceridade de suas convicções, do outro mostra um vivo espírito de intolerância. Desde de que a religião é um dever essencialmente particular e individual, por que não deixar em paz os pagãos? Por que levar um elemento de discórdia ao seio das tribos da África Central, que antes do advento dos frades pregadores de dogmas demolidores, segundo fidedignos exploradores, viviam pacificamente felizes?
O ascetismo dos Brâmanes, os simbolismo significativos dos Hindus, o sistema filosófico de Confúcio, também são formas de relacionamento com Deus. Se os católicos fossem verdadeiramente espirituais, deveriam entender essas realidades e não tentar suplantar essas crenças, as quais admiravelmente adaptam-se à mentalidade oriental, com um sistema que corresponde a um pensamento essencialmente europeu.
Continua nosso crítico: “Pode-se objetar com razão, que as religiões orientais não alcançaram o grau de virtude e perfeição a que chegou o Cristianismo”. Talvez se argumente, que pela ação assídua e constante dos missionários, os Hindus puderam gradativamente elevar-se a um nível moral superior ao que as suas obscenidades permitiam; que a civilização propagada pelo Cristianismo, apesar das inevitáveis consequências é superior à dos canibais de Bornéu e dos selvagens africanos. Mas como justificar o zelo apostólico dos católicos em lugares estritamente privados da Inglaterra? Para ser franco, devemos reconhecer que não é prudente admitir um católico na própria individualidade. Logo usando a fraqueza de nossa fé, propagará idéias católicas, procurará ganhar a confiança de nossos filhos criando um ambiente favorável para expor sua doutrina, não hesitando em destruir a paz do lar. Resumindo, dará provas daquele espírito intolerante e dogmático que o mundo atual considera como perfeita antítese do verdadeiro espírito do cristianismo.
De outra parte, move-se uma acusação diametralmente oposto. Não é a verdadeira Igreja de Cristo, porque faz da religião algo muito íntimo, individual e pessoal, como prova temos a enorme importância que busca na Vida Contemplativa.
A Vida Contemplativa é que de preferência e insistentemente, se reprova no catolicismo. Arrogam-lhe um significado analítico, introspectivo, egoísta, doentio e irreal. Acusam de ser a antítese da atividade, demonstrada por Cristo no exercício de seu ministério na terra. A eloquência meticulosa desses críticos ociosos não se cansa de repetir os mesmo jargões: “O indivíduo não tem o direito de afastar-se do mundo para enclausurar-se num mosteiro, não pode preocupar-se somente com sua alma, mas deve também ocupar-se com o bem da sociedade; que uma pequena cela, não é o local digno, nem conveniente para a atividade de um bom cristão”. No entanto, se bem analisada, essa vida tem por base, precisamente os mesmo conceitos que o nosso crítico usou. De que maneira a religião poderia ter uma feição mais íntima, pessoal e particular, do que a manifestada pelos Frades Cartuxos e pelas Carmelitas?
Na realidade, o fato é que os católicos nunca possuem razão, qualquer que seja o modo de agir. O mundo sempre os acha excessivos em suas atividades: pouco discretos quando desenvolvem seu apostolado ou demasiadamente reservados e passivos entregando-se à Vida Contemplativa.
Tanto os elementos ativos, como os contemplativos, que sempre caracterizaram a vida da Igreja Católica encontram-se evidentemente na vida de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Por três anos consecutivos, com frequência e rapidez atravessou campos, montes, cidades, ocupado na pregação da Revelação e formando a base de sua Igreja. Apresentava as divinas credenciais nos ambientes mais diversos: praças públicas, bodas nupciais, estradas e residências particulares. Praticou todas as obras de misericórdia, corporais e espirituais, que serviriam de modelo para todos os seus seguidores futuros. Assim forneceu ensinamentos ascéticos e espirituais no Sermão da Montanha, instruiu em Cafarnaum e nas desertas regiões da Galiléia Oriental, pronunciou místicas orações no Cenáculo e no Templo. Não colocou limites à sua atividade e ao seu proselitismo.
Infringiu costumes quando chamou Mateus, o cobrado de impostos. Demonstrou o seu ilimitado direito sobre a humanidade a Procissão de Domingo de Ramos. No dia da Ascensão confiou a atividade de fazer discípulos entregado aos Apóstolos esta responsabilidade: “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28, 19-20). Porém, não nos esqueçamos que foi apenas uma parte da atividade.
Sabemos que passou 30 anos recolhido em Nazaré e só três anos na vida pública e mesmo nesses três anos houve vários períodos de recolhimento. Uma vez retirou-se por quarenta dia no deserto, nos momentos culminantes de seu ministério, aparece sempre orando solitariamente, no Horto das Oliveiras afastou-se para rezar, e exaltou a Vida Contemplativa como a mais elevado, dizendo à Marta que a atividade, mesmo em prol das coisas mais necessárias, não é o principal modo de usar o tempo e que Maria escolheu a melhor parte, que lhe será tirada (Lc 10, 42).
A crítica não deixou de lançar contra Jesus as mesma acusações, que temos percebido, continuam lançando contra sua Igreja: Quando se achava retirado no deserto, acusavam de não comparecer às festas, onde claramente poderia afirmar os seus direitos, justificar seus atos e a pretensão de ser o Messias. Quando participava, esconjuravam-no para que calasse os que os aclamavam, assim demonstraria sua humildade e espiritualidade. No entanto, com facilidade se conciliam esses dois lados da espiritualidade católica.
Antes de tudo, a Divindade da Igreja explica seu amor a Deus. A Igreja, mais do que ninguém na terra, tem a revelação do Altíssimo, que ultrapassa dos limites da criação; goza já aqui na terra da visão beatifica da sagrada humanidade de Cristo, visão que sempre entusiasmou os que tiveram a ventura de contemplá-la. Resiste porque pertence Àquele que é invencível.
Então não é de se admirar, que de tempos em tempos, alguns de seus filhos, por dom especial, consigam colher um reflexo daquele esplendor, que a Igreja contempla face a face; que almas católicas, escolhidas com assombroso privilégio, tenham a percepção da única, completa, perfeita e absoluta formosura de Deus e na paixão de um Deus adorável, afastem-se para lugares isolados, fechem a porta e orem ao Pai em segredo, tornando-se intercessores em favor da sociedade da qual são membros.
No silêncio do recolhimento de suas celas prostrem-se aos pés de Cristo, cuja face é como uma chama de fogo e com austeros jejuns e penitências encontrem a divina misericórdia de Deus.
Tudo isso naturalmente não passa de tolices e loucura, para aqueles que só conhecem Deus através da criação; que o consideram apenas como a Alma do mundo, como a essência da vida e do universo criado. Para esses a terra parece ser a obra prima de Deus, a mais nobre visão que se possa contemplar. Mas para um católico praticante, que compreende que o trono de Deus está sobre as estrelas, a Vida Contemplativa é extraordinariamente bela e elevada.
Ao primeiro grande mandamento, inevitavelmente segue o segundo Mandamento, mas o mundo não compreende, considera exagerado ambos.
Já vimos que a Igreja tem um conhecimento claro de Deus, porque é divina e ao mesmo tempo é humana, pois está estabelecida entre os homens. Enquanto esses dois lados não se conciliarem perfeitamente, não poderá haver harmonia.
Retirando os olhos de Deus, veremos almas imortais que em vez de colocarem as suas complacências no Criador, a depositam na criação. Escutando os rumores do mundo, veremos serem pregados a santidade dos hábitos, sob um ponto de vista individual, como se Deus não existisse e não houvesse uma Revelação feita. Observe como os homens, em vez de se conformarem com esta Revelação, escolhem alguns fragmento desta, como se Deus não tivesse feito ouvir sua vez entre os trovões do Sinai e nem por meio das doces palavras do Salvador, ouviremos desculpas como: verdade aparente, liberdade de pensamento, experiência de valores…
É compreensível que um mundo sem as qualidade do zelo que caracteriza o catolicismo, considere tão extravagante o entusiasmo pela Vida Contemplativa, à qual o desmedido amor aos homens, aparece tão grande quanto o amor sem limites a Deus, é de se admirar que o mundo não compreenda a atitude da Igreja, quando deixados os claustros e locais de retiro comecem a espalhar as exigências de Deus, seus Mandamentos e as recompensas prometidas.
Como poderia agir de outra forma, conhecendo a infinita capacidade de Deus em satisfazer as aspirações humanas e a nossa limitada disposição em procura-la? Como poderia ser de outra maneira, ante o espetáculo desolador de tantas almas que se fecham entre as gélidas e sepulcrais muralhas, sob o ponto de vista individual ou do próprio temperamento, enquanto fora, o Céu e o Deus-Criador de todas as coisas o esperam?
A Igreja, dizem, toma um excessivo interesse pelos homens e manifesta uma elevada dedicação a Deus. Nada mais verdadeiro, nada mais justo e natural, porque sendo Divina e Humana conhece o valor e a capacidade de ambos. Para o Catolicismo, a religião não é um acessório, uma amável filosofia, um agradável sistema de suposições, mas o inquebrável vínculo que une Deus ao homem.
Somente a Igreja, entende e concilia os termos do grande paradoxo da Lei, que é Antiga, mas sempre Nova. “Amarás o Senhor teu Deus, de todo o coração…e ao próximo como a ti mesmo” (Lc 10,27)
Fonte: Capítulo do livro Paradoxos do Catolicismo de Robert Hugh Benson