A recente diretriz do Vaticano de que as paróquias não podem anunciar em seus calendários suas missas latinas tradicionais foi largamente recebida com zombaria nas redes sociais. Para quem já trabalhou em uma paróquia, a ideia de um burocrata da Cúria em Roma tentando dizer a Sra. Jones, na paróquia de St. Joseph, em Des Moines, o que ela pode colocar no boletim é cômica e ridícula. Carambolas, até mesmo alguns pastores não conseguem controlar o que vai no boletim!
Mas por trás da zombaria há um profundo insight sobre as diferenças entre poder e autoridade, apesar de no mundo de hoje essas duas ideias distintas serem frequentemente confundidas. Essa confusão ocasionou profundos mal-entendidos entre os católicos quanto à natureza da autoridade na Igreja.
Hoje, infelizmente, muitos líderes da Igreja têm poder por trás de seus comandos, mas não autoridade. Eles sabem que podem exigir obediência da maioria dos católicos às suas diretivas, e por isso exercem o poder para si próprios ou para a causa de sua ideologia, em vez de ser para o bem comum.
- Os bispos alemães que desejam normalizar o casamento gay podem ter o poder de fazê-lo entre os católicos alemães, mas eles não têm a autoridade.
- Os bispos dos EUA que permitem que políticos pró-aborto como Joe Biden recebam a comunhão podem ter o poder para fazer isso, mas eles não têm a autoridade.
- O Cardeal Cupich pode ter o poder de abolir o culto ad orientem , mas ele não tem a autoridade.
- O Papa Francisco pode ter o poder de revogar a missa em latim , mas ele não tem a autoridade.
Devemos sempre ter em mente essa distinção entre poder e autoridade. O ex-Cardeal Theodore McCarrick teve por décadas o apoio de altos funcionários da Igreja, ainda que muitos soubessem de seus atos monstruosos. Por quê? Porque ele tinha um imenso poder na Igreja, mesmo depois de se aposentar e ter pouca ou nenhuma autoridade. Se o cardeal Cupich proibi a adoração ad orientem, ele pode não ter essa autoridade sob a lei da Igreja (ou divina), mas ele pode tornar miserável a vida de qualquer padre que ouse desobedecer. Isso é poder.
O poder vem de baixo – só é possível se tiver o consentimento (forçado ou dado gratuitamente) das pessoas sob controle. Joseph Stalin tinha poder na União Soviética porque ninguém abaixo dele ousava resistir a ele. Mikhail Gorbachev também tinha poder, até que o povo da União Soviética não o deu mais.
A autoridade, por outro lado, vem de cima, em última análise, de Deus. Um pai ou um bispo ou mesmo um monarca católico tem autoridade nas suas respectivas esferas, sendo dada a ele por Deus para o bem comum de sua família, diocese ou reino, respectivamente. Aqueles que estão sob autoridade são obrigados a seguir as ordens do superior, não por causa de seu consentimento, mas porque a autoridade, em última análise, vem d’Aquele que tem verdadeira autoridade sobre todos.
Devido à Queda, o poder pode se tornar virtualmente ilimitado neste mundo, por meio da força ou s influência. O que Stalin não pôde fazer durante seu reinado? Uma pessoa com poder também geralmente deseja adquirir mais poder. Como observou Lorde Acton, “o poder corrompe; o poder absoluto corrompe absolutamente”. Ser capaz de dizer às pessoas o que fazer pode ser intoxicante.
A autoridade, por outro lado, é sempre limitada ao escopo. Somente Deus tem autoridade ilimitada, e só delega aspectos de sua autoridade a indivíduos conforme a necessidade de trazer pessoas para mais próximo d’Ele.
E é importante notar que esta limitação se aplica a todos com autoridade terrena – inclusive eclesial –, pois somente o próprio Deus tem autoridade plena sobre o homem, como observa Santo Tomás de Aquino: “O homem está sujeito a Deus simplesmente no que diz respeito a todas as coisas, tanto internas como externas, por isso é obrigado a obedecê-Lo em todas as coisas. Por outro lado, os inferiores não estão sujeitos aos seus superiores em tudo, mas só em certas coisas e de uma maneira particular ”(ST Pt. II-II, Q 105, Art. 5).
O Vaticano I também reconheceu essas limitações no cargo de papado. Ele afirma,
Pois o Espírito Santo foi prometido aos sucessores de Pedro não para que eles pudessem, por sua revelação, tornar conhecida alguma nova doutrina, mas para que, com sua ajuda, eles pudessem guardar religiosamente e expor fielmente a revelação ou depósito de fé transmitido pelos apóstolos.
A autoridade papal legítima, em outras palavras, é exercida quando o papa “guarda religiosamente e expõe fielmente a revelação ou o depósito da fé transmitido pelos apóstolos”. Mas é um exercício ilegítimo de poder quando ele tenta “divulgar uma nova doutrina”. Até mesmo um papa tem autoridade limitada na Igreja, apesar de na prática moderna ele ter um poder quase ilimitado. E se um papa só tem autoridade limitada, então certamente o mesmo ocorre com os bispos e padres.
Os problemas surgem quando os líderes confundem sua autoridade concedida por Deus com poder. Eles abusam de sua autoridade porque têm o poder de escapar impunes. Portanto, o pai abusivo é capaz de comandar seus filhos para além de sua autoridade, porque seus filhos são incapazes de resistir a ele. Ele tem poder sobre eles. Um bispo decide que pode fazer o que quiser – transferir padres de quem não gosta, usar fundos diocesanos para viagens em jatos particulares – porque tem o poder para fazer isso.
Nosso Senhor condenou veementemente esse abuso de autoridade através do ilegítimo exercício de poder bruto:
Jesus, porém, os chamou e lhes disse: “Sabeis que os príncipes dos gentios os subjugam, e que os grandes exercem poder sobre eles. Não seja assim entre vós. Todo aquele que quiser tornar-se grande entre vós, se faça vosso ministro. E o que quiser tornar-se entre vós o primeiro, se faça vosso servo (Mateus 20, 25-27).
A verdadeira autoridade, a que vem de Deus, é sempre colocada a serviço daqueles que estão sob o governante. São Gregório Magno entendeu bem isso, dizendo que “quem se denomina bispo universal, ou deseja este título, é, por causa de seu orgulho, o precursor do Anticristo” e, em vez disso, chamou seu papel de papa de “o Servo dos Servos de Deus . ”
É também a falta de distinção entre poder e autoridade que muitas vezes confunde os debates atuais sobre obediência. A maioria dos católicos fiéis sabe instintivamente que a obediência é uma virtude importante e necessária. Mas quando um líder da Igreja emite uma diretiva questionável, todo o foco da discussão parece ser acerca dos que estão sob sua autoridade e a necessidade deles obedecerem. Mas há pouca ou nenhuma discussão sobre se o líder da Igreja está exercendo sua autoridade ou simplesmente exercendo seu poder bruto. E, com efeito, a obediência silenciosa às falsas diretivas aumenta seu poder, incentivando mais diretivas falsas no futuro. (Um próximo livro de Peter Kwasniewski explorará esse tópico da obediência com mais detalhes.)
Como podemos distinguir entre comandos dados pela autoridade legítima dos comandos feitos por meio do exercício do poder? A linha entre autoridade e poder vem na natureza do comando dado. O pai que diz ao filho de seis anos para comer vegetais está exercendo sua autoridade legítima como provedor de sua família. Mas o pai que diz ao filho que ele é na verdade uma menina porque gosta de dançar está forçando seu poder sobre ele. O primeiro mandamento é para o bem do filho, mas o segundo é prejudicial.
Assim, as ordens legítimas são aquelas que estão dentro da esfera de autoridade do governante e são dados para o bem daqueles sob seu comando. Qualquer outra coisa é um exercício de poder.
A Igreja Católica está sofrendo uma crise de autoridade hoje, não porque ela não tenha autoridade legítima, mas porque muitos de seus líderes estão embriagados de poder. Em vez de usar a autoridade dada por Deus para o bem comum – nossa salvação – eles estão impondo sua vontade por meio de poder bruto. Os católicos precisam aceitar a autoridade da hierarquia enquanto rejeitam seu uso indevido de poder. Só então o desequilíbrio clericalista de hoje será restaurado para algo mais alinhado com o desejo de Nosso Senhor, de que nossos líderes sejam servos que nos inspirem e liderem, não ditadores que se deleitam em seu próprio poder.
Fonte: Crisis Magazine