Não é a primeira vez que o povo fica sem reação. Desta vez os fiéis estão quebrando a cabeça tentando encontrar as insondáveis razões por trás da postura de uma boa parte do clero que, sabe Deus porquê, tem olhado para a Quaresma de São Miguel com grande suspeita e até mesmo repulsa.
Verdade seja dita, não é totalmente novo que alguém considere São Miguel uma ameaça: nunca foi do feitio do Arcanjo fugir de uma briga; não é novidade também que ele tenha arrumado bem mais que um ou dois inimigos no caminho, ossos do ofício. Mas pondo à parte o antigo ódio espiritual – sem dúvidas sempre presente e marcando ponto também em nossa questão –, fica difícil imaginar uma outra razão para problematizar algo tão natural, tão normal, tão simples quanto a ação devocional ao anjo.
De fato, a implicância em relação a uma oração – assim como vários outros fenômenos que vemos despontando com cada vez mais frequência em nossa vivência eclesial –, não parece corresponder exatamente ao que seria uma reação espontânea da cabeça, me perdoem, de gente normal. É uma oração, meu Deus! Qual seria problema? Mas aqui é Brasil. Estamos nesse admirável ambiente no qual os fatos mais disparatados não cansam de surgir, exibindo uma bela cara-de-pau ao lado desse quê de irracionalidade opaca que nos desafia, pela milésima vez, a desfiar cada uma das linhas que compõe a malha do mais novo absurdo da moda.
A pouco tempo atrás era a bendita comunhão na boca. Prática simples, prescrita, de direito. Sem nenhum segredo. Nada difícil de entender. O que poderia dar errado? Ah… santa ingenuidade. Aqui é Brasil. É claro que vai surgir um dito-cujo para arrumar problema. Dito e feito, eis que surge o iluminado do bispo e resolve – sem necessidade nenhuma – inventar de achar defeito, problematizar e recusar a comunhão na boca. Por quê, meu Deus? Aparentemente “porque sim”, e acabou.
Perdoem-me o tom meio indignado, mas acredito que vocês entendem. Pessoalmente, não estou fazendo a Quaresma de São Miguel. Também nunca acordei às três da madrugada para rezar o Rosário. Mas quando descobri o tamanho desse fenômeno não pude deixar de ficar feliz; é um evidente sinal de revitalização espiritual. É impossível não se alegrar: nossa Igreja parece, pouco a pouco, ganhar ânimo vendo muitos de seus filhos voltarem a respirar a fé, voltarem a se encontrar.
É bem verdade que não é de todo descabida a acusação de “modismo”. Há, de fato, um crescente clubismo sempre meio reticente que têm insistido em adotar cada “antiga” novidade como quem escolhe o novo tênis da moda, obviamente milimetricamente combinado com a patota da vez. Que los hay, los hay. E, nesse sentido, é sempre bom lembrar o velho conselho evangélico que nos manda se trancar no quarto, ao invés de sair exibindo orgulhosamente nossa cara-de-pau, em busca do novo “aplauso espiritual” do momento.
Agora – calma lá! – será que talvez não haja algum exagero, feito em nome do sempre atento sindicato de fiscais do farisaísmo alheio, em criticar com tanta veemência a simples prática da oração do terço? Pelos frutos os conhecereis, certo? Pois como não ver então que esse fenômeno tão grandioso se define não por mesquinharias de adolescentes, mas sim por essas milhares de pessoas que estão realmente se reencontrando com a fé, se reaproximando de Deus e dando, talvez, seus primeiros passos mais firmes na vida espiritual? Como não ver que a promoção da oração é também, afinal, espírito missionário – e, nesse caso, certamente muito mais efetivo do que o falatório histérico sobre missão promovido pela legião de nossos missiólogos de gabinete?
Não quer rezar, não reza. Agora, vir aqui de graça perturbar… por quê?
Artigo completo em CEHIC – Centro de Estudos da História das Ideias do Clero