“Deus não pouparia a sua criatura, preservando-a de errar longe d’Ele e se sujeitar a coisas que, em si, nada são? Tanto mais que tal erro causaria a ruína e a perda dos homens! Contudo, não deve perecer algo que uma vez já tivesse participado da imagem de Deus. Que haveria, pois, de fazer o Senhor, senão renovar aquilo que, nos homens, era a imagem divina, a fim de, por ela, chegarem ao conhecimento d’Ele? Mas como se realizaria isto senão pela presença da própria Imagem de Deus, nosso Salvador Jesus Cristo? […]
Veio, pois, o próprio Verbo de Deus, Imagem do Pai, a fim de recriar o homem segundo a divina imagem. E se esta obra não se podia fazer sem a destruição da corrupção e da morte, convinha que Ele assumisse um corpo mortal, para nele aniquilar a morte e renovar os homens segundo a imagem divina. Com vistas a tal obra, nenhum outro se credenciava mais do que a própria Imagem do Pai.
Se aos poucos se apaga uma efígie impressa na madeira pelo acúmulo de manchas e matéria exterior, pode acontecer que sua renovação só se torne possível, ali no mesmo material, pela presença do modelo cujos traços se desfiguraram. […]
Da mesma forma, o Filho santíssimo do Pai celeste, sendo a imagem do Pai, veio à terra visando renovar o homem criado segundo o Seu modelo, visando remir os pecados daquele que estava perdido, a fim de reencontrá-lo; conforme as palavras da Escritura: “Eu vim procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10). […]
Considerando que os homens se haviam afastado da contemplação de Deus e de certo modo mergulhado em profundo abismo, tinham eles os olhos dirigidos para baixo, procurando a Deus na criação e nas realidades sensíveis, fazendo de homens mortais e de demônios os seus deuses.
Por isso o Verbo de Deus, amigo do gênero humano e Salvador comum de todos, assumiu um corpo e viveu como Homem no meio dos homens, atraindo a Si todos os sentidos humanos, a fim de que aqueles que incluíam Deus entre os seres corporais pudessem, através das obras que o Senhor realizou corporalmente, conhecer a Verdade e, por intermédio d’Ele, pensassem no Pai. […]
Para isso Ele nasceu, manifestou-se como homem, morreu e ressuscitou. Por Suas obras, diminuiu e obscureceu tudo o que os homens jamais fizeram, para que, de todos os lugares aonde os homens se sentissem chamados, Ele os ensinasse qual o verdadeiro Pai e os reconduzisse, conforme Ele mesmo disse: ‘Vim procurar e salvar o que estava perdido’.
Uma vez que o espírito dos homens havia caído no domínio do sensível, o Verbo se abaixou até se tornar corporalmente visível, a fim de atrair a si os homens enquanto Homem e fazer com que a sensibilidade humana se inclinasse para Ele. Dali em diante, vê-Lo-iam como homem, porém Suas obras os persuadiriam de que Ele não é apenas um homem, mas o próprio Deus, o Verbo, Sabedoria do Deus verdadeiro.”
(Do Tratado Sobre a Encarnação do Verbo, de Santo Atanásio de Alexandria.)