A partir de João Batista Figueiredo, o governo brasileiro pretendia uma maior abertura democrática que viesse a oferecer maior liberdade política e um enfoque maior nos direitos humanos. Mas esse período deu início também a uma fase de grande desleixo com a criminalidade no país que tirou a liberdade do cidadão de sair nas ruas e até de ficar em paz na própria casa.
Para entender esse problema, precisamos nos ater ao fato de que a escalada de crime no Brasil, ocorrida entre os anos 1980 até 2017, matou mais pessoas do que a Guerra do Golfo de 1991, a Guerra do Afeganistão e a Guerra do Iraque – somadas. Segundo o Atlas da violência, o Brasil saiu de 13.911 homicídios em 1980 para 65.602 mil homicídios por ano em 2017, um salto de 11,69 para 31,59 homicídios por 100 mil habitantes.
Se considerarmos o número de homicídios entre 1979 e 2017, foram aproximadamente 1,513 milhões de mortes. Se a taxa de homicídios se mantivesse no que estava no final da década de 1970, o número teria ficado por volta de 599 mil mortes, o que já não seria um número baixo.
No entanto, o resultado de uma política lapsa contra o crime por parte dos governos nesses 38 anos teve como resultado aproximadamente 913 mil mortes a mais do que poderia ter havido no período. Foram então quase um milhão de brasileiros mortos de forma sanguinária que poderiam ter sobrevivido se o os governos desse período tivessem mais respeito à vida.
Ainda precisamos considerar que a maior escalada de mortes se deu no período dos governos de social democracia. Se levarmos em conta a taxa de homicídios em 1994, ao final dos seus oito anos de governo, Fernando Henrique Cardoso entregou o país com quase 76 mil mortos a mais do que haveria se não tivesse deixado aumentar o problema. Quando se pensa a taxa de homicídios de 1979, esse número pode ser contabilizado em 219 mil mortos acima do que poderia ter sido.
No período do governo Lula, considerando a taxa de homicídios do ano anterior à sua posse até os seus últimos anos de governo, houve quase 5 mil mortes a menos do que haveria se fosse mantida a proporção do seu antecessor. Só que esse número pode ser enganador, já que essa taxa foi puxada para baixo por conta da redução dos homicídios principalmente na região Sudeste, a mais rica do país.
Se levarmos em conta somente os homicídios na região Nordeste, a política lapsa de Lula contra o crime resultou em torno de 31 mil homicídios a mais do que os seriam contabilizados se a violência tivesse se mantido no nível anterior ao seu governo. Com Dilma, a escalada dos assassinatos nessa região resultou em 14 mil mortes a mais do que se fosse mantida a alta taxa que já havia no governo Lula.
Crime não é desigualdade social
Tal elemento aponta que o crime não é uma questão exatamente de desigualdade social, pois a diferença de renda no Nordeste diminuiu nos anos de governo do PT, enquanto o número de assassinatos por ano nessa região saltou de 10.967 em 2002 para 23.228 em 2015, mais que o dobro. Somando os governos Lula e Dilma, se as taxas de criminalidade já altas do final do governo FHC tivessem sido mantidas, ainda assim poderiam ter sido poupadas 83 mil vidas de nordestinos que foram tiradas pela violência.
A mesma escalada nas mortes se deu também na região Norte do país que também foi bastante beneficiada com as políticas de distribuição de renda. Por outro lado, em 1980 a taxa de homicídios no Nordeste era a menor do país e da região Norte era menor que a do Sudeste, apesar de serem muito mais pobres.
Essa evolução dos homicídios mostra números de um país em guerra civil. Mas ela não existe de fato e se dá mais no campo das visões de mundo que tornam permissivo esse estado de coisas. Os direitos humanos não podem ser instrumentalizados para a beneficiar apenas núcleos ideológicos progressistas. Eles precisam englobar a vida humana como um todo, incluindo a segurança. É inadmissível tolerar uma escalada nos homicídios que resultaram em mais mortes do que em muitas guerras que mundo já viu.
Outro ponto que precisa ser ressaltado é que as estatísticas não mostram a insegurança que o cidadão sente na pele todos os dias, o medo de andar nas ruas, as drogas sendo distribuídas nas escolas e destruindo o futuro de muitos jovens e as famílias sendo dilaceradas pela perda de entes queridos para a violência e para o uso de entorpecentes. Precisamos urgentemente de uma reforma na política de segurança que foque em ações específicas, que choque contra criminosos, mas também que atue nos ramos da cultura, da forma como se concebe a educação e com as estratégias corretas.
No governo do Paraná, quando estava participando na implantação do programa Em Frente, Brasil do Ministro Sérgio Moro duas coisas me chamaram atenção. A primeira era a importância de envolver várias áreas na questão da segurança. No caso, o programa do governo federal me parece programado para funcionar por entender que o problema da criminalidade envolve infraestrutura, educação, saúde e diversos fatores. A segunda era a cultura de permissividade e impunidade que temos no nosso país. O sentimento generalizado da população, especialmente em regiões mais pobres, é o de que o crime não dá em nada. Isso evidentemente incentiva crimes.
Desordem atrai desordem
Um exemplo que podemos apontar é o de Nova York. Nos anos 1980, a cidade estava saindo do controle, mas conseguiu reverter esse cenário. Durante os anos 1990, os crimes na cidade de Nova York baixaram radicalmente. O crime violento caiu em 56% e os crimes contra a propriedade caíram 65%.
Algumas coisas se destacam no período; em primeiro lugar, o aumento do número de policiais em 33%. Isso é uma obviedade da qual, por influência da cultura contra-policial da esquerda, nos esquecemos: os policiais na rua dissuadem ação dos criminosos, assim como a posse de armas dissuade a invasão de casas. Mas a essência da política de combate ao crime foi a adoção da Teoria da Janela Quebrada, que popularmente foi chamada de tolerância zero.
Dois sociólogos conservadores americanos ajudaram a formular a teoria que influenciou o prefeito de Nova York, Rudy Giuliani. James Q. Wilson e George L. Kelling não fizeram nada mais do que imaginar algum experimento científico que mostrasse a relação entre desordem e crime que poderia ser aplicado ao policiamento. Segundo essa teoria, os “pequenos” atos de desordem precisam ser combatidos, o que cria um clima geral de ordem que previne os crimes grandes.
A teoria recebe o nome do famoso experimento dos anos 60 no qual dois carros foram colocados em duas regiões diferentes do país sem placas. O primeiro carro foi atacado em 10 minutos, por uma família que arrancou a bateria e o radiador. Em 24 horas o carro estava destruído com todas as partes de valor removidas e crianças pulando em cima dele, a maioria dos vândalos eram pessoas bem vestidas. O segundo carro permaneceu intocado por semanas. Então o cientista quebrou a janela do carro com um martelo. Em poucas horas o carro estava completamente destruído. Vários experimentos do mesmo tipo foram feitos com um resultado semelhante, provando que a desordem atrai a desordem.
Com a adoção desta teoria, a polícia começou a fortalecer o patrulhamento e os policiais começaram a agir com mais liberdade, sendo incentivados a coibir efetivamente pessoas suspeitas, evitando a cultura da vista grossa. Outro ponto importante foi o uso de inteligência para prevenção e entendimento dos crimes. Esses elementos foram articulados com um policiamento alinhado com as comunidades locais. Com a redução do sentimento de impunidade e segurança de não haver desordem, os criminosos se viram dissuadidos de cometer crimes.
Versão brasileira
O Brasil precisa, urgentemente, de uma versão própria da tolerância zero ao crime. Como dizia o sábio romano Sêneca: “aquele que não previne o crime o incentiva”, e é isso o que foi verificado ao longo de muitos anos nos governos brasileiros. No nosso caso, precisamos também acabar com o sentimento de impunidade nos crimes de corrupção e colarinho branco, nos quais o mesmo princípio da janela quebrada pode ser aplicado. Determinados crimes parecem socialmente aceitáveis no Brasil.
O que os petistas falavam quanto à corrupção nas altas esferas começar com as pequenas corrupções no dia a dia é absolutamente verdadeiro. O que eles fazem, no entanto, é inverter a lógica. Eles querem usar esse argumento para justificar a própria corrupção, sendo que, na verdade, precisamos combater a pequena desordem para impedir que tenhamos políticos lapsos com o crime no poder, como é o caso de muitos políticos do PT.
As pessoas precisam ver policiais andando na rua, sentir a segurança de saber que a desordem em público será coibida. O Brasil não precisa de guardadores de carro, de apologia às drogas por parte de artistas e bailes funks no meio da rua nas madrugadas. Esse tipo de atitude incentiva a glorificação da violação à lei. Se o país permite que drogas sejam vendidas em escolas públicas, como poderá reclamar da baixa qualidade da educação?
A República de Platão coloca os guardiões como os que impedem que vivamos em uma cidade de porcos. Isso significa a proteção de ameaças externas (como a proteção militar) e internas, fundamentalmente a manutenção da ordem. Platão diz que os agentes da ordem precisam ser formados na prudência, na coragem, na justiça e na temperança. Eles precisam ser modelo de vida ordenada. Os brasileiros naturalmente associam o exército ao cumprimento das leis. Isso é um bom sinal.
Qualquer aumento do contingente (muitas vezes indispensável) não pode vir à custa da qualidade. Os policiais novos precisam de uma formação ética e técnica impecável. Se mesmo em tempo de guerra são destinados bons tempos para a formação dos recrutas, precisamos ter a mesma postura na guerra contra o crime. Policiais bem formados se sentem mais seguros para atuar em coordenação. No entanto, não acho que maior integração e coerência se darão com a unificação das polícias. Dos carabinieri da Itália aos agentes da Swat, a diversidade de agências evita que a corrupção da primeira vá para as outras. Ademais, isso permite que se cultivem especialidades diferentes que são salutares, dada a complexidade do crime.
Outros fatores
Obviamente, educação e iluminação são importantes para a prevenção dos crimes. A iluminação entra na própria teoria das janelas quebradas e a educação é sabida desde a época dos romanos. Porém só no sonho idílico da esquerda essas políticas seriam suficientes sem a ampliação da ação policial, o armamento da população honesta ou no mínimo que os culpados apreendidos fossem presos de fato (a última da esquerda é defender nas faculdades de direito que ninguém deve ser preso).
A visão de que riqueza e educação previnem por si negligencia o fato de que vários criminosos têm boa condição social e nível educacional elevado. Contra tudo o que apontavam os “especialistas” da esquerda, apenas a difusão das ideias conservadoras que adotam uma postura de maior valorização do policial e que é menos tolerante com bandidos já deu uma janela de oportunidade para que mesmo em 2018 já houvesse uma redução do número de crimes no país.
Em suma, sem uma cultura de lei e ordem, a segurança não melhora e poucas coisas são tão urgentes para os brasileiros. Um maior investimento em segurança traria ótimos resultados. No entanto, sem boas práticas, sem um combate ideológico também contra a cultura de tolerância ao crime que se dá entre os seguidores da Escola de Frankfurt e contra a cultura hedonista de drogadição que se sustenta no utilitarismo hedonista benthamiano, sem a promoção de uma educação de qualidade que promova a virtude do cidadão, não haverá orçamento público que baste para tentar combater o crime.
Fonte: Artigo Especial do Prof. Guilherme Freire para a Gazeta do Povo.