A Igreja Católica precisa voltar seus olhos para o continente africano a fim de nos guiar pelos desavios atuais e futuros que ameaçam nossa fé. Eis o porquê.
À medida que os cardeais se reúnem em conclave, uma das questões que nos vem à mente é como a Igreja global pode crescer em unidade. O pontificado de Francisco agravou as diferenças profundas entre tradição e progresso, entre o mundo desenvolvido e o sul global, e entre continuidade e inovação.
Além da turbulência na Igreja, as complexidades do século XXI nos lançaram em um turbilhão de mudanças tecnológicas sem precedentes, provocando abalos em nosso entendimento da pessoa humana, e conflitos na política, na economia, na educação e na saúde. No meio desse vendaval e das areias movediças, onde se encontra a rocha sobre a qual construir?
A Igreja Católica ainda pode oferecer essa rocha? Eu acredito que um papa da África pode mostrar o caminho, e aqui está o porquê:
Zelo Jovem
Em primeiro lugar, a Igreja na África é jovem e forte. Há mais de 230 milhões de católicos africanos — representando quase um quinto da população católica mundial; e esta potência de fé é jovem. A África tem uma idade média de apenas 19,7 anos. Diferente da Europa e da América do Norte, onde congregações envelhecidas e o declínio na frequência às missas sinalizam uma crise de fé, as igrejas africanas estão repletas de jovens, piedosos e entusiasmados.
Na Nigéria, no Quênia e na República Democrática do Congo, as Igrejas Católicas estão transbordando de energia. Elas possuem liturgias vibrantes, seminários lotados e um número crescente de vocações ao sacerdócio e à vida religiosa. Só a Nigéria conta com mais de 30 milhões de católicos e produz milhares de padres anualmente.
Este vigor juvenil é tanto espiritual quanto numérico. Os católicos africanos trazem um entusiasmo contagiante à sua fé, caracterizado por um culto animado, profunda devoção aos sacramentos e um forte senso de comunidade. Um papa africano, vindo deste contexto dinâmico, encarnaria essa energia, oferecendo uma visão de esperança e renovação para uma Igreja global que luta contra o secularismo e a apatia.
Perseverança na Perseguição
Por toda a África, especialmente no norte da Nigéria, na Somália e em partes do Sahel, os católicos enfrentam perseguições implacáveis dos extremistas muçulmanos. Grupos como Boko Haram e Al-Shabaab têm comunidades cristãs como alvo, queimando igrejas, sequestrando padres e massacrando fiéis. Somente em 2023, milhares de cristãos foram mortos na Nigéria, e inúmeros outros foram deslocados. Mas mesmo diante de tamanha violência, os católicos africanos têm demonstrado uma extraordinária coragem, e recusam-se a renunciar à sua fé ainda que sob ameaça de morte.
Os católicos africanos de hoje são mártires modernos, cuja fé se fortalece pelo sacrifício e sofrimento. Um papa africano, moldado por esse contexto, traria uma voz profética ao cenário global, lembrando à Igreja o custo do discipulado e o poder da fé inabalável. Tal liderança inspiraria todos os católicos do mundo a se manterem firmes em suas crenças, mesmo diante de pressões culturais ou ideológicas.
Um Cristianismo Radical
Em meu livro Beheading Hydra: A Radical Plan for Christians in an Atheistic Age [Decapitação da Hidra: Um Plano Radical para Cristãos numa Era Ateísta], apresento três respostas históricas aos ataques contra a fé cristã: repressão, acomodação e cristianismo radical. Reprimir os inimigos da fé apenas os transforma em mártires [da revolução] e os leva à clandestinidade, de onde ressurgem mais fortes. Acomodar-se — tentando encontrar um meio-termo com os inimigos da Igreja — enfraquece a Igreja e dilui seu testemunho.
O cristianismo radical é simplesmente um retorno às raízes — não um retorno fantasioso a um mundo tradicional idealizado, nem a um extremismo arrogante e moralista, mas ao fundamento da fé. O cristianismo radical não dialoga, não reprime, nem acomoda os inimigos da fé. Ele simplesmente vive o poder da Ressurreição no dinamismo do Espírito Santo. Nossa Igreja Ocidental, tão entulhada com indiferentismo, materialismo e tédio, precisa de um retorno vibrante à religião radical — uma fé vivida com a simplicidade, o poder e a profundidade que encontramos nas próprias páginas do Novo Testamento.
Cristianismo Descomplicado
A Igreja africana não só é grande, jovem e forte, mas também tem uma razão filosófica mais profunda pela qual um papa africano é o remédio de que precisamos. A Igreja europeia (e incluo aqui a Igreja católica da América do Norte e do Sul, pois somos filhos da Europa) foi moldada por 500 anos de turbulência teológica, filosófica e cultural.
As ideias da Reforma Protestante, do Iluminismo, da Revolução Científica, do Liberalismo, do Modernismo e do Pós-modernismo contaminaram nossa mentalidade, nossa teologia e nossa cultura. Os católicos africanos (em sua maioria) abordam o cristianismo com uma leveza que não está não contaminada por essas batalhas. Muitos convertidos africanos vêm diretamente de religiões tribais tradicionais, trazendo consigo uma visão de mundo que ressoa profundamente com a natureza encarnacional e sobrenatural do catolicismo.
Isso não quer dizer que os cardeais africanos sejam ignorantes ou rústicos. Eles têm uma formação acadêmica tão sólida quanto seus colegas ocidentais (Cardeal Sarah, por exemplo, é um biblista de renome mundial), mas eles chegaram a esse conhecimento sem os preconceitos e pressupostos intelectuais que limitam seus colegas ocidentais.
Como resultado, o catolicismo africano é caracterizado por uma pureza e uma simplicidade que lembram a Igreja primitiva — antes de ser sobrecarregada por disputas teológicas complexas, dúvidas filosóficas modernas e pressupostos de ideologias culturais e políticas.
Os católicos africanos abraçam o sobrenatural com uma naturalidade que contrasta com o ceticismo do Ocidente secular. Milagres, providência divina e batalha espiritual não são conceitos abstratos, mas experiências vivas. Esta fé radical — radical no sentido de retornar às raízes do cristianismo — provê um poderoso antídoto contra a apatia espiritual que aflige partes da Igreja global. Um papa africano, imerso nessa visão de mundo, poderia liderar a Igreja de volta às suas verdades fundamentais, enfatizando a alegria do Evangelho e o poder transformador de Cristo.
Continuidade e Estabilidade
Vindo da América do Sul, o Papa Francisco introduziu uma agenda voltada ao mundo em desenvolvimento. Nossa atenção se voltou para a situação dos pobres, para a necessidade de cuidar dos recursos da terra, para as necessidades dos imigrantes e para a perspectiva da maioria dos católicos no mundo que vivem na pobreza.
Um papa africano daria continuidade às preocupações de Francisco com essas questões globais. Com experiência de primeira mão, um pontífice africano poderia falar com autoridade moral, defendendo a justiça econômica e a solidariedade, enquanto ancora as soluções na Doutrina Social da Igreja.
Imagine, por um momento, como um papa africano poderia navegar entre as guerras litúrgicas dentro da Igreja. De um lado, ele provavelmente seria tolerante ou até mesmo favorável ao culto tradicional; de outro, apoiaria e permitiria o estilo muitas vezes exuberante e alegre da liturgia africana.
Os católicos africanos não têm medo de adorar com entusiasmo, nem de proclamar o Evangelho em sua totalidade, mesmo quando isso contraria a cultura dominante. Questões como a santidade de vida, a dignidade da família e a centralidade de Deus na vida pública são, aos fiéis africanos, inegociáveis.
Esta postura intransigente não nasce da rigidez, mas de um profundo encontro com Cristo e de uma fidelidade à plenitude da fé católica. Os católicos africanos vivem essa fé de forma holística, integrando-a em todos os aspectos de sua vida — família, trabalho e comunidade. Isso é um espelho da Igreja primitiva, onde o cristianismo não era um conjunto de doutrinas, mas uma relação transformadora com o Senhor ressuscitado. Um papa africano poderia inspirar a Igreja global a recuperar essa visão holística, desafiando os católicos a viverem sua fé com ousadia em um mundo que frequentemente exige concessões.
O Futuro é Agora
É comum afirmar que a África é a Igreja do futuro. Na verdade, o futuro é agora. A África é o epicentro do crescimento, da coragem e da fidelidade católicas. Oferecendo um modelo de fé que é, ao mesmo tempo, antigo e profundamente atual, um papa africano poderia dar continuidade aos papados de Bento e Francisco e naturalmente cumpriria a promessa do Concílio Vaticano II. O homem certo encarnaria a universalidade da Igreja, conectando o Norte e o Sul globais e recordando ao mundo que o catolicismo não é uma instituição ocidental, mas uma família global enraizada em Cristo.
Na medida em que a Igreja Católica se encontra em uma encruzilhada, um papa africano poderia guiá-la para uma nova era de evangelização, renovação e testemunho. A juventude, o vigor e a coragem da Igreja africana, combinados com sua fé forte e radical, fariam disso não apenas uma possibilidade, mas uma necessidade. A hora para um papa africano é agora, pelo bem da Igreja e do mundo que ela é chamada a servir.
Fonte: Crisis Magazine