O maior mal que o bolsonarismo fez ao Brasil não tem nada a ver com a gestão da Covid, a proliferação das fake news ou quaisquer outras artificialidades dolosas que a grande mídia queira lhe imputar.
A pior herança bolsonarista, na verdade, foi transformar pessoas boas e honestas – muitas delas cristãs sinceras e capazes de realmente gerar um novo Brasil através da difusão da fé, das virtudes, de ideias sensatas e da formação das novas gerações – em alienados e fanáticos cultuadores da política partidária, do que entendem por “liberdade” (num sentido estritamente político-econômico e moderno), da lisura do “Estado democrático” e da representatividade das instituições, como se a política partidária fosse a coisa mais importante do mundo.
Alguém precisava ter-lhes dito que as tais “instituições” raramente representam de fato o povo, que a democracia liberal sempre foi uma balela, um engodo, que a política moderna consiste, universalmente, em inventar nomes oficiais e projetos bonitinhos para legitimar a perpetuação do poder das oligarquias locais e globais e, last but not least, que os generais do Exército positivista que nos impôs esse regime sifilítico em 1889, assim como o Sr. Jair Bolsonaro, são uns picaretas bravateiros, uns covardes que se fantasiam de herois da pátria quando lhes é oportuno, mas que são interessados, acima de tudo, em conservar os seus próprios poderes e privilégios.
Sim, é justo, importante e necessário que participemos criteriosamente da política, inclusive da política partidária. A participação política está contemplada entre os princípios da DSI – Doutrina Social da Igreja. Mas devemos fazê-lo sem colocar todas as nossas esperanças nessa dimensão e sem perder de vista o sentido mais abrangente e extensivo da política, que diz respeito a todos os tipos de relações que estabelecemos e cultivamos na polis. Catequizar bem um filho, participar de um projeto caritativo e ter um bom relacionamento com os seus vizinhos também são atos políticos, que podem inclusive ajudar as pessoas a entender que o projeto do PT é inerenetemente perverso e condenável.
E sim, o povo que foi ocupar Brasília tinha e tem razões justíssimas para estar revoltado. Afinal, as oligarquias tiraram da cadeia um criminoso comunista triplamente condenado, com fartura de provas, e o alçaram à presidência da República mediante uma série de parcialidades jurídicas, favorecimentos e vieses que tornaram o último pleito um jogo de cartas marcadas como não se via, talvez, desde a velha República do Café-com-leite.
No entanto, é triste dizê-lo, mas o tal “manifestante patriota” está fazendo tudo do jeito errado e com uma hierarquia de fins errada. Sua causa é sem dúvida justa, mas seus métodos são equívocos e estultos, assim como as suas prioridades.
O que fizeram no domingo foi dar aos que controlam o Estado mil e um pretextos para transformarem isso aqui, de uma vez por todas, num regime de controle aos moldes venezuelanos ou chineses! A tendência, agora, é que o aparato repressivo do regime juristocrático-petista seja aumentado e intensificado, não reduzido! Todos nós, que não rezamos pela cartilha desse regime, podemos esperar por mais censura, mais autoritarismo e mais instrumentos de sujeição e controle.
Lula já decretou Intervenção Federal (o que os pobres patriotas tanto esperavam que o Birolauro fizesse, o Lula fez), Xandão chamou de “ataques terroristas” e prometeu caçar até os “instigadores” dos atos, enquanto o PT do Paraná criou um Disk Denúncia para os amigos do regime delatarem “terroristas” que estiveram no ato em Brasília.
A escalada de perseguição poderá fazer do “patriota” o novo inimigo do Estado a ser escondido no armário ou no porão de casa por quem tiver um pouco de caridade. Mesmo que ele não tenha participado diretamente dos atos em Brasília.
É claro que o sistema previa que as invasões iriam acontecer, que havia esquerdistas baderneiros infiltrados entre os patriotas e que uma hora teria revolta popular e quebra-quebra em protesto contra a ditadura da toga, mas o sistema, mesmo sendo disso informado com antecedência, deixou rolar para depois ter mais pretexto para fazer o que sempre quis: resetar o Brasil ao seu status político de 2003, com um aparato repressivo da China de 2023. E os patriotas caíram na armadilha.
Não é possível que acharam que Lula, Pacheco e o STF iriam pedir arrego só porque o povo depredou os prédios onde eles fingem que trabalham em Brasília. Ou que tenham acreditado que as santas e salvadoras Forças Armadas iriam finalmente mexer-se a favor do povo depois de um quebra-quebra nos prédios que apenas representam (mas não concentram de fato) o poder dos oligarcas.
A única explicação é que esse povo foi lobotomizado a tal ponto pelas crenças do seu próprio movimento que parou de raciocinar com clareza, deixando de atinar com um mínimo de lógica para as mais certas e previsíveis consequências desses atos.
É o que acontece com a inteligência humana quando achamos que as coisas mais importantes da vida têm a ver com política, democracia e “poder popular”.
Os patriotas temem a volta da roubalheira, da crise econômica e a perda das liberdades civis mais do que temem ofender a Deus e perdê-Lo para sempre indo para o inferno.
Acham que vão dominar o poderoso Leviatã – que só o próprio Deus pode abater – sem que tenham, antes, dominado sequer as próprias paixões.
Imaginam que uma revolução popular mudará tudo e trará um novo paraíso no qual o Estado é realmente democrático e representativo do povo, mas isso nunca aconteceu na História. Todas as revoluções que foram historicamente bem sucedidas eram de esquerda, trouxeram mais despotismo do que liberdades e tinham velhas elites por trás delas, com as massas servindo apenas de bucha de canhão.
Além do mais, os servos de Cristo nunca tomaram o poder por essa via, mas sempre pela via da santificação pessoal, da Evangelização dos povos, da criação de comunidades virtuosas, das missões e do testemunho até o martírio!
No crepúsculo da idade antiga e ao longo da era medieval foram os mosteiros, os abnegados missionários e os santos que conquistaram a Europa pagã para Cristo, não os revolucionários.
Deus não é revolucionário. Não toma o poder, de praxe, com quebradeiras e precipitações, mas pelo suave influxo do Bem e da Verdade. Não há um único caso na História em que uma nação tenha se tornado mais católica, virtuosa e próspera depois de uma sequência de sublevações revolucionárias. Estes não são os Seus métodos, mas os de Satanás.
O auge da civilização católica europeia só veio com a paciente difusão e sedimentação da fé e da sabedoria cristã no espírito dos povos, num processo que levou séculos para impregnar as leis e instituições políticas com os ensinamentos do Evangelho, mas que também durou séculos até se desestruturar, na modernidade, com o avanço da secularização.
Tudo o que há de ser duradouro se constrói lentamente, disse-me certa vez o amigo e confrade Prof. Luiz Otávio Naufel.
Precipitação e violência costumam dar menos e piores frutos que o esforço suave, constante e paciente.
Aqui alguns objetariam, talvez, que estou desconsiderando a bíblica Tomada de Jericó, a Batalha da Ponte Mílvia em que Constantino, futuro protetor dos cristãos, venceria Maxêncio, as vitoriosas e benditas batalhas que os exércitos da Cristandade travaram contra os bárbaros e mouros.
Bem, acontece que os guerreiros destes episódios tinham, em geral, causas sobrenaturais profundas que os impeliam ao combate, quando não um chamado do próprio Deus ao campo de batalha. Eles lutavam pela glória do Deus de Israel, pela defesa da civilização católica, pela propagação da Fé em Cristo, enfim, por causas muito mais nobres e santas que a nossa preciosa propriedade privada, o preço da gasolina, a suspensão da elevação de impostos, o impeachment do ladrão (Deus o julgará um dia, estejamos muito tranquilos quanto a isso) ou a liberdade de escrever o que eu quiser no Zapzap ou de falar de urnas marotas no Instagrão.
Tudo isso é vaidade e vento que passa, diria o Eclesiastes. Voltemos, portanto, as nossas preocupações mais para os bens da eternidade, que não passam, e que podemos perder facilmente quando mergulhamos nas ingratas efemérides da política e nos enfurecemos com os abusos dos poderosos.
Outro dia ouvi uma frase num programa de humor inteligente que me pareceu insofismavelmente verdadeira:
“Onde a religião não é a luz pela qual a política se guia, a política vira a religião. E uma religião de trevas.” (João Rasta)
Sei que há patriotas que afirmam estar lutando também pela vida das crianças em gestação, pelos direitos das famílias e pela sanidade da cultura e da educação escolar dos jovens. Mas quantos deles já lutaram por essas causas em seus próprios lares e comunidades? Será que nós, às vezes, não supervalorizamos demais a luta para que o Estado defenda o que é certo, quando, estando o Estado já todo corrompido, faríamos melhor promovendo nós mesmos o que é bom e justo nas nossas esferas de influência mais próximas?
Não estou pregando aqui uma omissão na participação política nem nada disso, mas cabe a nós lembrar também que toda mudança política começa nas bases da sociedade, e que se pode fazer boa política em qualquer lugar, não apenas através dos maquinários burocráticos do Estado. Depois, se este não nos quer ouvir, devemos ir a quem nos queira dar ouvidos, como fez Santo Antônio quando foi pregar aos peixes.
Nós, católicos, não somos apolíticos como os testemunhas de Jeová ou pacifistas como os adventistas do sétimo dia. Sabemos da importância de estender o reinado de N. S. Jesus Cristo também às esferas políticas e reconhecemos que medidas mais extremas podem ser, às vezes, necessárias. Mas nós não colocamos na política a nossa esperança e prioridade máximas e tampouco ignoramos a análise fria e sensata das circunstâncias que nos dizem quais brigas valem e quais não valem a pena.
Como está a nossa relação com Deus, nosso testemunho de vida, nossa frequência aos sacramentos, nossa vida de oração, nossa caridade para com os outros, nossas obras de apostolado, nosso adiantamento espiritual? Convém muito cuidar dessas prioridades antes de querer consertar o Brasil na base de pauladas e pedradas.
A coisa mais urgente é santificarmos a nós mesmos, às nossas famílias, aos nossos amigos e vizinhos, a fim de que, com isso, possamos ir vencendo o mal com o bem.
Formar bem os filhos, pela palavra e pelo exemplo, é uma das maiores prioridades. Filhos bem formados na Sã Doutrina não se tornam juízes iníquos, políticos ladrões, militantes esquerdopatas, líderes de direita embusteiros, generais covardes ou patriotas impulsivos.
Um dia eles poderão fazer toda a diferença e suplantar todo o lixo acumulado nas instituições do poder público, nas mídias, nas faculdades de Direito, nos partidos políticos…
O Dr. Ives Gandra Martins Filhos não chegou ao STF (graças, inclusive, ao nosso ex-“mito”); o máximo que alcançou foi o posto de presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho). Mas, graças às verdades que ele suavemente defende, já tem a honra de ser censurado com shadowbans pelas mídias do Sr. Zuckerberg e, dentro das suas possibilidades, tem procurado fazer a diferença como exemplo de bom juiz e jurista, nos passos de seu pai.
Ora, se Barroso, Fachin, Gilmar e Xandão tivessem sido educados como ele, nós certamente não estaríamos vivendo hoje em um tal regime de exceção e corrupção. Por isso, busque a santidade, dê bom testemunho e eduque bem os seus filhos!
Diversos personagens no Novo Testemunho manifestavam certa expectativa de que Nosso Senhor fosse restaurar o reino de Israel e livrá-lo da opressiva dominação romana. Ele, contudo, dizia: “o meu Reino não é deste mundo” (Jo XVIII, 36). No entanto, acabou conquistando, no final das contas, não apenas Roma, mas a Europa inteira.
“Mire no Céu que a Terra vem de brinde; mire na Terra e fique sem ambos.”, afirmava C. S. Lewis.
E Nosso Senhor nos interpela: “Buscai primeiro o Reino de Deus e a Sua Justiça e tudo o mais vos será acrescentado.” (Mt VI, 33)
Porque apostar tudo na política e dar o sangue pela regeneração do Estado é dar murro em ponta de faca, plantar no deserto, edificar sobre a areia… é pura loucura aos olhos dos santos.