Um amigo perguntou-me se eu iria falar da questão da “conversão” de Pedro Affonseca, ex-presidente do Centro Dom Bosco (CDB) que recentemente fez um “mea culpa” em favor de uma, digamos, vida paroquial mais pacífica. Respondi que não tinha interesse, pois o drama da Igreja pós-conciliar, cujos maus frutos são vistos nas paróquias, e cuja esperança de mudança não são vistas no horizonte quando se está dentro desses muros oficialistas, é realmente causador de dissonâncias cognitivas grandes. Diante da visão tradicional em contraste com os hábitos paroquiais, na impossibilidade de haver harmonia entre ambos, não cabe a mim ser fiscal de sua consciência. Se ele acha que seu tesouro está na paróquia e quer vender todos os bens para estar nesse terreno, que seja.
Em vídeos anteriores, ainda na época de CDB, Pedro Affonseca tinha dito que era continuísta, mas depois, estudando a crise, passou a ser tradicionalista, embora sem querer moralizar os continuístas, respeitando-os. Recentemente se retratou desta sua postura anterior, optando por “ficar em harmonia com a hierarquia da Igreja”, concretamente em sua paróquia. Ok. Minha opinião sobre isso nem é capaz de mudar sua situação, nem é importante. O máximo que fiz foi, no privado com alguns amigos, compartilhar algumas análises de conjunturas e fazer algumas ironias sobre a situação precária da Igreja. É que a repercussão sobre o vídeo do Pedro não é uma causa, mas o efeito de um estado de coisas. Estou mais interessado neste âmbito.
Mas isso é como eu decidi agir diante deste caso. Diferentemente é a mentalidade do influencer que precisa usar o caso para seu benefício. É o que fez o Santa Carona, que em seu Instagram montou todo um carrossel de textos e imagens que vamos analisar. Novamente, não estou interessado no Pedro (como ironizei em meu Facebook, sua retratação em nada impacta a indústria de anime, então, segundo este critério, não é importante), mas no âmbito mais psicológico-sociológico e, por que não, teológico (quando aplicável).
O testemunho de Pedro Affonseca e os perigos da “TENTAÇÃO DE SEMPRE”
Mas que raio de título é esse? Tentação de Sempre? Até onde sei, a tentação de sempre é o “SEREIS COMO DEUSES”, ou seja, o pensamento que, uma vez consentido, causou o Pecado Original. O que isso tem a ver com uma posição diante da crise? Embora possa haver soberba em torno do debate acerca da crise da Igreja, tal vício capital não é exclusividade de uma só corrente. Todos – tradicionalistas, carismáticos, tradismáticos, continuístas, libertários, etc. – podem ter sua posição tanto por soberba (para querer se sentir superior aos outros ou para que suas próprias idiossincrasias estejam acima do bem e da verdade) quanto por humildade (de tudo que sabe e estudou, tem esse opinião).
Este título carrega consigo não só aquele sensacionalismo de que os influencers adoram (ditadura do like, como criticam corretamente os libertários, ainda que por motivos errados), mas também uma sugestão perniciosa, a saber, que a posição tradicionalista é fruto de uma tentação (a de sempre) enquanto que a posição continuísta estaria livre, não em potência, mas em ato, desta tentação.
Ainda bem que se trata de uma carona. Se fosse taxista, só pelo título já suspeitaria de que estaria trapaceando no taxímetro.
A Internet Católica parou hoje com o testemunho de Pedro Affonseca, um dos fundadores do Centro Dom Bosco
Claro, parou.
No vídeo publicado em seu canal, ele compartilha seu testemunho pessoal de conversão e relata como a tentação de combater a teologia da libertação acabou levando-o a uma vida desordenada. Ele reconhece os erros do passado, especialmente na forma de criticar bispos, cardeais e até o Papa, transformando-se em uma espécie de Mark Chapman, que, movido por uma admiração desordenada por John Lennon, acabou ceifando-lhe a vida.
Parece que sentiu peso na consciência por criticar a hierarquia. Bom, isso é problema dele. Como não estou interessado no Pedro, mas na análise influencerística do Santa Carona, sigamos.
Mas o mais interessante desse relato é que essa tentação vivida por Pedro não é nova. O mesmo já ocorria no tempo de Jesus.
Havia um movimento político que buscava a libertação de Israel do domínio romano: eles se chamavam “zelotas”.
O nome desse grupo derivava de uma passagem bíblia que dizia: “(…) o ZELO de vossa casa me consumiu, e os insultos dos que vos ultrajam caíram sobre mim” (Salmo 68,10).
Dominados por esse “zelo” pelo Templo, os zelotas tentavam proteger a fé judaica recorrendo à violência para buscar a libertação do domínio de Roma.
Zelo pelo sagrado é uma virtude. O problema dos zelotas é que trocaram o zelo religioso pela ambição política. O religioso deveria servir aos fins políticos, o que é obviamente uma inversão, o correto é que o poder temporal seja submisso ao poder religioso. Os zelotas inverteram os princípios. Neste sentido, descendente dos zelotas, hoje, seriam os teólogos da libertação ou, em sinal oposto a estes, os conservadores-direitistas, muito afoitos às narrativas ideológicas da política atual, não os tradicionalistas, que por princípio militam pelo Reinado Social de Cristo.
Aliás, o zelo, como dito, é uma virtude, muito em falta em nossos dias. Pecam terrivelmente pela falta de zelo, por exemplo, os laxistas, dentre os quais muito são conservadores-continuístas. É um zelo a mulher usar véu em lugar sagrado, ratificado perenemente por nada mais nada menos que São Paulo, mas os continuístas acham estranho usar véu. É um zelo comungar na boca e de joelhos, mas a maioria dos católicos não o fazem, apegando-se ao argumento do “direito” sobre a piedade. É um zelo o canto gregoriano na Missa, mas os continuístas não fazem questão de militar pela qualidade da música litúrgica… E assim poderíamos seguir passando por vários tópicos. O que quero mostrar é que essa falta de zelo é sempre em favor dos costumes do mundo contra o costumes tradicionais da Igreja (nem vou adentrar na questão doutrinal que fundamentam tais práticas, coloquemos em termo de costume, do jeito que o conservador gosta). Sendo assim, quem é mais zelota, espiritualmente falando, os tradicionalistas ou os continuístas, sobretudo em seu subgrupo laxistas?
Porém, esse “zelo” todo foi responsável por dois episódios trágicos da história judaica:
Um deles foi a batalha que culminou na destruição do Templo de Jerusalém; o outro, a influência que levou Judas Iscariotes a trair Jesus por trinta moedas de prata.
(Sim, o pensamento zelota influenciou Judas a tentar “acelerar” o processo de libertação de Israel vendendo Jesus”)
As consequências do pensamento zelota não podem deixar de ser catastróficas, pois é a inversão da ordem que coloca o religioso a serviço de objetivos políticos.
Agora, o que isso tem a ver com os tradicionalistas? Estes não têm nem estão lutando pelo poder político. Quanto ao poder eclesiástico, eles são perseguidos. Por mais que se diga que se deva acolher a “todos, todos e todos”, sabe-se que, na prática, os tradicionalistas não são bem-vindos nas paróquias. Ademais, é, segundo a quantidade, minoritário. Tudo o que os tradicionalistas têm é a defesa de um conjunto de teses críticas ao Concílio Vaticano II, argumentando que dito Concílio rompeu com a ortodoxia da fé. Ou seja, o âmbito de influencia das correntes tradicionalistas é o campo cultural, sem influência sobre o poder eclesiástico vigente.
O tradicionalismo cresce “por fora” da Igreja, porque “por dentro” são perseguidos.
Ou seja, o zelo exacerbado e desordenado pelo Templo fez com que os zelotas se tornassem inimigos do próprio judaísmo que diziam defender. E esse mesmo fenômeno se repete o catolicismo atual.
A preocupação dos zelotas era terrena. Quem se enquadraria melhor na descrição de “zelo exacerbado e desordenado pelo Templo” é o fariseu, justamente quem mandava no templo, quem detinha o poder espiritual. E precisamente porque não queriam que alguém reinasse acima deles no Templo, mataram o próprio Deus.
Muitos, movidos por um desejo genuíno de zelar pela Igreja, acabam, em seu zelo excessivo, atacando-a, expondo sua fragilidades e causando mais mal do que bem.
Toda uma bizarra analogia com os zelotas para chegar no grosseiro sofisma de que a culpa é do mensageiro?
Se as coisas estão ruins, a culpa não é do reformador e de quem detém o poder da ação concreta, mas de quem denuncia os maus frutos?
Malvados “zelotas” que falam o que estão vendo. Seria melhor que fizesse como o avestruz, que enterra a cabeça na terra para não ver.
A forma mentis do Carona lembra-me uma passagem que escrevi na Apresentação da edição que fizemos das obras morais e pastorais de Santo Agostinho:
Havia na época de Santo Agostinho os hereges priscilianistas que, além de muitas heresias doutrinais, defendiam um método de atuação a partir de um pensamento permissivo à mentira: “pode-se mentir para converter o próximo à nossa religião”. Por conta disso, eles fingiam ser católicos para, quando tivessem oportunidade, convencer os católicos a apostasiarem em favor da heresia de Prisciliano. Consêncio está preocupado com a refutação das heresias, e nisto foi elogiado pelo Doutor da Igreja, e com o desmascaramento dos hereges que se fingem de católicos para enganar os católicos. Neste ponto, consulta Santo Agostinho para saber se seria uma boa ideia imitar o método priscilianista “para o bem”, ou seja, mentir para fazer-se passar por priscilianista a fim de os converter à fé católica, isto é, à Verdade, ou pelo menos, quando isso não fosse possível, os descobrir para que não mais pudessem mais atuar a modo de espião no meio católico.
Eis uma obra obrigatória [A obra Contra a Mentira] para qualquer teólogo pastoralista moderno, incluindo também os defensores do ecumenismo irenista moderno, cuja abordagem pastoral se tornou hegemônica no período após o Concílio Vaticano II. Descobrirão que Santo Agostinho já refutava e previa o fracasso de seus intentos pastoralistas, pois, em relação ao que praticam hoje, no que diferem em essência do método priscilianista?
Em nome de um diálogo ecumênico, por exemplo, os católicos não devem fingir que a devoção aos Santos e a Nossa Senhora não são, assim, tão importantes? Não cedem os bispos as suas igrejas para serem sacrilegamente profanadas pelos cultos de falsas religiões? Não são marginalizados os católicos polemistas, porque supostamente estariam atrapalhando a pastoral da igreja com seus discursos dito rígidos? Na conversão dos próprios jovens, não omitem os padres aqueles preceitos doutrinais que mais contrastam contra o mundo moderno, principalmente os de modéstia e castidade, porque isso supostamente os entristeceria de praticar a religião? E o que dizer dos casados? Estaria a castidade conjugal fora de moda? E para que combater o feminismo em favor dos conselhos do Apóstolo Paulo aos Efésios, se em nome da “adaptação para conversão” a Igreja pode incentivar disciplinas feministas, até chegar ao ponto de aceitar que acessem a Sagrada Comunhão os adúlteros recasados? E o termo empregado para permitir esses e outros desvios escandalosos não é o tal do “discernimento pastoral”?
Em nada ficaria surpreso Santo Agostinho em ver que, diante de tal pastoral enlouquecida, ou mais precisamente, mentirosa, pois não são estas as práticas que a Igreja crê e defende, mesmo os católicos supostamente convertidos seriam mais mundanos do que católicos, uma espécie de pagão batizado:
“Ficaria, pois, muito claro que não hesitamos em condenar, com toda a sinceridade de nossa piedade, os perversos erros da heresia priscilianista acerca de Deus, da alma, do corpo e de outros temas; porém, no que se refere a mentir para ocultar a verdade, admitiríamos (Deus nos livre!) um dogma comum com eles? Ora, este é um mal tão grande, que mesmo se nosso empenho de os capturar e os mudar por meio da mentira prosperasse, de modo que fossem conquistados e mudados, nenhum ganho compensaria o dano que resultou disso: nós mesmos nos corrompemos ao buscar sua correção. De fato, ao utilizar este embuste, perverteríamos a nós mesmos em parte, e eles seriam corrigidos pela metade, visto que não corrigiríamos neles a opinião errônea de que se pode mentir em prol da verdade, pois seria o que lhes ensinaríamos e lhes mandaríamos pôr em prática a fim de poder capturá-los. E assim, não os emendaríamos ao não lhes arrancar essa patranha pela qual creem que se possa camuflar a verdade, e, além disso, enganaríamos a nós mesmos ao lhes buscar por meio dessa falsidade. Ademais, nunca poderemos saber a sinceridade da conversão daqueles aos quais mentimos quando estavam na perversão, pois provavelmente farão, uma vez capturados, o que fizemos para capturá-los, e não só porque estavam acostumados a fazê-lo, mas também porque encontraram o mesmo comportamento conosco” (Santo Agostinho, Contra a Mentira, 6)
Em essência, a pastoral moderna, que é permissiva com os pecados do mundo, e, por isso, favorece a corrupção dos costumes, junto com seu ecumenismo moderno, que pratica o relativismo religioso e favorece a difusão de heresias e erros doutrinais, já nasceram para fracassar. Não tinha como dar certo.
É verdade que Santa Carona não chega ao absurdo de propor a mentira, mas a simples omissão para “não expor” as fragilidades. Todavia, tais fragilidades são fruto de má doutrina e, portanto, expô-las não é zelo excessivo, mas zelo.
Estão errados os tradicionalistas em seus argumentos? Denunciam erros que não são erros? Que sejam refutados ou contrapostos. Rotulá-los de “zelotas”, porém, é desonesto.
O problema é que fazer isso significa adentrar no mérito de questões sensíveis. E para o Santa Carona, fazer isso não é zelo, mas “expor a fragilidade da Igreja”, como se a Igreja estivesse fragilizada por causa de seus críticos, e não por causa de heresias que obscurecem a sua pureza doutrinal…
É arriscado pegar carona com esse tipo de miopia.
Foi exatamente isso que o Pedro Affonseca percebeu, e não espanta que ele relate que o auge dessa desordem em sua vida ocorreu quando estava à frente do Centro Dom Bosco.
Também não me espanta, ainda que por motivos diferentes do Carona. De fato, a dinâmica hodierna das paróquias modernas não são harmonizáveis com o conhecimento da Crise da Igreja à luz da Tradição. É um contraste muito grande que vai desde a música litúrgica (normalização do violão) até conteúdo catequético.
Movimentos assim, mesmo com a melhor das intenções, enfraquecem a Igreja por dentro, escarnecendo do Santo Padre, atacando a própria instituição e escandalizando muitos fiéis que, sem instrução, não sabem lidar com os fatos por eles expostos.
Novamente demonstração da miopia do Carona. Mas antes, vamos colocar um pingo no i.
É um elemento desonesto da retórica na internet chamar de ataque o que é crítica. Santa Carona faz isso. Espero que o faça por vício inconsciente de influencers, que por usar muito a internet acaba pegando, sem notar, muitos cacoetes. Mas ataque é diferente de crítica. Quem ataca a Igreja é, doutrinalmente, a heresia, e, moralmente, os pecados públicos, que, por causa de seu mau exemplo, induzindo outros ao pecado e ao erro, se chamam escândalos.
Quem refuta uma heresia ou critica escândalos pratica um ato de zelo, na esteia de como disse Santo Agostinho: “Ficaria, pois, muito claro que não hesitamos em condenar, com toda a sinceridade de nossa piedade, os perversos erros da heresia“.
Os apostolados tradicionais não são um tabloide ou mídia de fofoca, senão que seus discursos, em sua atuação polêmica-intraeclesiástica – versam sobre a crise e/ou sobre os efeitos gerados por ela.
Ademais, os escândalos e heresias são tanto mais graves quanto mais alta é a hierarquia de quem cai neles. Assim, por ser maior os escândalos causados por prelados, maior a necessidade de corrigi-lo, sob risco de outras almas – sobretudo as sem instrução – perecerem juntas.
Tudo isso vem acompanhado de um afastamento da vida paroquial, num catolicismo que se distancia da vida comunitária e se refugia em centros ideológicos.
Outros artigos [aqui e aqui] já lidaram recentemente sobre essa questão do tradicionalista e a vida paroquial. Mas volto a repetir: Se a vida paroquial é nociva ao progresso espiritual [por causa do tal aggiornamento pós-conciliar que impregnou na pastoralidade moderna], é prudente o afastamento (que não necessariamente significa isolamento).
Sobre “se refugiar em centros ideológicos”, aqui já saímos da miopia para adentrar na absurdidade.
O “Maledicente Carona” sugere que a vida paroquial não é ideológica enquanto que os centros – associações civis criadas por católicos – o são. Primeiramente, não é porque uma associação de leigos católicos não está sob jurisdição paroquial que ela é ideológica. Segundo, sobre ideologia nas paróquias, basta voltar ao que escrevi na Apresentação que reuniu algumas obras de Santo Agostinho.
A coisa é absurda, porque é uma completa inversão. Centros como o Dom Bosco buscam ter uma forte base tomista, cuja característica é não ser ideológica. As paróquias, em geral, estão mais ou menos contaminadas por uma corrente teológico-ideológica chamada “Nova Teologia”.
Ok, talvez eu esteja sendo injusto com o Santa Carona. Ele toma paróquia em seu sentido ideal, que significa “estabelecimento no estrangeiro”. Seria o local onde os leigos, após seu período de trabalho no mundo, mas não sendo do mundo, iriam para poder estar em casa, ou seja, seguros quanto aos ensinos e atividades, todos eles iluminados pela fé e aquecidos pela caridade.
Ó Carona, pretensamente Santa, que imagem fazes da paróquia? Medita, recomendo, a passagem de São Lucas 18,1: “Acaso quando o filho homem voltar achará a fé na terra?”. Medita o que o Catecismo atual da Igreja (não vou recomendar o Catecismo Romano de Trento, para não soar ideológico) em seu n. 675: “Antes da vinda de Cristo, a Igreja deverá passar por uma prova final, que abalará a fé de numerosos crentes. A perseguição, que acompanha a sua peregrinação na Terra, porá a descoberto o «mistério da iniquidade», sob a forma duma impostura religiosa, que trará aos homens uma solução aparente para os seus problemas, à custa da apostasia da verdade. A suprema impostura religiosa é a do Anticristo, isto é, dum pseudo-messianismo em que o homem se glorifica a si mesmo, substituindo-se a Deus e ao Messias Encarnado“.
Medita e depois responde: Estão as paróquias blindadas da impostura religiosa? Coloque os óculos para não ver miopemente, e responde: A substituição do canto gregoriano por ritmos mais sentimentais, o padre rezando de frente ao povo, o leigo leitor em substituição às ordens menores, o não-uso do véu, a comunhão na mão, a imodéstia feminina, o dialoguismo, a escassez de parresia, etc., está mais próximo do homem que glorifica a Deus ou do homem que glorifica a si mesmo?
Responde Carona, quem é o responsável por esse estado de coisas? Todo esse turbilhão humanista (humanismo será a religião do Anticristo, isto é, o homem que se glorifica a si mesmo) propicia ou atrapalha o progresso na santidade?
Não é na Eucaristia onde mais gloriamos a Deus? Então por que a liturgia é onde a coisa está mais avacalhada? Por que é tão difícil achar um lugar onde a Adoração Eucarística seja feita de maneira recolhida, sem o barulho dos instrumentos e dos ritmos mundanos?
A realidade paroquial está ruim. E o que você faz? Culpa quem é vítima desse estado de coisas!
Honestamente, quem tu achas que causa mais mal do que bem às almas sem instrução, quem denuncia esse estado de coisas, mostrando que há uma riqueza que as próprias autoridades atuais estão escondendo, ou quem, devendo instruir as almas na ortodoxia da Fé, não só não o faz, como ainda o faz ensinando ao modo hegemônico, isto é, humanista?
Carona, para que a Igreja não fosse considerada machista, mudaram a tradução de São Paulo! Não é mais submissão (sede submissas a seus maridos), mas solicitude (sede solícitas). Isto é lido em plena missa, em determinado domingo!
Continuas tankando o que sugeriste? Não há ideologia nas paróquias?
É verdade que dirás, mais a frente, que há muito modernismo nas paróquias. Mas por que deixar vago demais? Por que, não mais sendo míope, mas se cegando, criticas aqueles que com palavras condenam os erros que a hierarquia pratica com ação?
O mais difícil nisso tudo talvez seja compreender que a fé católica só está verdadeiramente viva quando há comunhão com a Igreja. E essa comunhão tem um preço.
Só pode haver comunhão na verdade. Na Igreja, a comunhão significa, efetivamente, concórdia na Fé. Ou seja, além do batismo (que nos dá a vida sobrenatural) é necessário a integridade da fé.
Aqui evidenciamos novamente a miopia de Carona. Ele inverteu a lógica. diz que “a fé católica só está verdadeiramente viva quando há comunhão com a Igreja”, quando na realidade só há comunhão com a Igreja quando a fé católica está verdadeiramente viva.
A régua não é a comunhão, mas a ortodoxia da fé. Xô fraternidade humanista!
Assim, quando o Papa Francisco mina a ortodoxia, gera escândalo. E criticar – filialmente, claro – o escândalo não será “ferir” a comunhão ou “expor fragilidade”, mas zelo.
As paróquias, sim, têm problemas; o modernismo, de fato, invadiu as sacristias do país. Mas é inocência acreditar que a revolta resultando disso não seriam também usada para perder as almas. Essa tentação acompanha a Igreja há dois mil anos.
A forma mentis continuísta é uma bagunça mesmo.
Ele admite, corretamente, uma heresia em roga: o modernismo. Admite que o modernismo é canal para perdição das almas. Admite que invadiu as paróquias. MAS AÍ DE TI SE NÃO FREQUENTAR AS PARÓQUIAS E TENTAR FAZER APOSTOLADO PRESCINDINDO DELAS! Acima de tudo, é preciso a comunhão, embora a heresia não seja fonte de comunhão. Mas estar em comunhão é estar próximo da heresia, de outro modo, seria melhor afastar-se da vida paroquial. Mas se afastar da vida paroquial é não querer pagar o preço da comunhão. E o preço da comunhão é uma vida lado a lado com a heresia, em pleno ambiente paroquial, que é fonte de descomunhão.
Parece contraditório. Mas só o é do ponto de vista Tradicional. Do ponto de vista humanista, é perfeitamente possível conciliar esse estado de coisas. Basta colocar a “paz com o irmão” acima da ortodoxia da fé, e chamar isso de caridade ou prudência. Aos críticos desse estado de coisa – desse “fingimento pastoral-paroquial”, de fingir por exemplo, que comunhão na mão e tão piedoso quanto comunhão na boca, ou que o véu é mera questão de gosto, quando não esquesitice reacionária – basta chamá-los de “revoltosos” que lançam “ataques”. Jogo de linguagem, sim, mas a “comunhão” tem seus preços a pagar…
O Carona mira numa coisa e acerta noutra. De fato, é próprio da estratégia diabólica trabalhar com opostos igualmente errôneos (os revolucionários chamam de dialética e tomam isso como método de vida válido. Sim, os revolucionários pensam segundo a lógica dialética, ou seja, demoníaca). Diante de um problema real, sugerirá o demônio duas soluções falsas, ou se preferir, uma falsa solução à esquerda e uma falsa solução à direita. Em última instância, a nota para discernir se a solução é falsa ou não reside no que eu chamo de “critério do Anticristo”. Se a solução está baseada em humanismo, é falsa; se está baseada na glória de Deus e defesa da fé em sua integralidade, é provavelmente verdadeira.
De fato, diante do modernismo reinante, que atualmente obscurece a verdadeira Igreja, escondendo seus tesouros e combatendo sua Tradição, duas são as atitudes erradas. À esquerda, promover ou ser conivente com a heresia. À direita, revoltar-se contra a autoridade.
Em relação à autoridade, devemos ser dóceis sempre. Porém, não somos kantianos. Não pensamos segundo imperativos categóricos. O princípio da docilidade à autoridade existe porque é obrigação desta zelar (olha o termo de novo) pela verdade e pela retidão. Ora, se a autoridade é pela verdade e pelo bem, é insensatez revoltar-se contra ela. Contudo, quando o que está em jogo é a própria verdade e o próprio bem, a autoridade descumpre seu papel, então, neste caso, é lícito que o inferior não obedeça ao superior (Cf. Suma Teológica, II-II, q. 105, art. 5).
Mas como explicar essas nuances para quem confunde crítica com ataque e revolta?
Os tradicionalistas rezam pelo Papa. Suas adorações, muito mais sóbrias e solenes do que vemos nas paróquias diocesanas, suplicam a Deus a favor do Papa e a favor das autoridades.
Então, sim, a revolta é uma atitude errônea (é por isso que os tradicionalistas não passam pano para os sedevacantistas, senão que os desprezam). Mas também o é a condescendência e a omissão. Em termos de espiritualidade: a mornidão.
É fake news atrelar as críticas à Igreja pós-conciliar a uma atitude, em si, revoltosa. É pelos frutos que conhecereis. Os frutos dos modernismo são maus. Não dá para tapar o sol com a peneira do fingimento nem com truques linguísticos (rotulagem barata, chamar a crítica de ataque, falar de “comunhão” na paróquia num contexto de hegemonia herética, etc).
É também um erro pensar que a tentação que levou os zelotas ao desvio e que hoje assola o Centro Dom Bosco não poderá nos atingir em algum momento. Por isso devemos sempre ter em mente que nosso zelo pela Igreja não pode ser maior do que nossa obediência a ela.
Deve ser fantástico dirigir-se ao grupo mais perseguido atualmente e, ao mesmo tempo, o mais doutrinalmente correto – os tradicionalistas – para difamá-lo chamando de ideológico e revoltado e, não obstante, crendo-se ser obediente e uma arauto da comunhão. É a receita para praticar o mal em ato, imaginando-se estar fazendo o bem. Cuidemos para não cair na tentação do “Santa” Carona.
Por mais difícil que isso seja de compreender, é fundamental lembrar que, independente de qualquer pecado, quem ouve a Igreja, ouve a Cristo, pois “quem vos ouve, a mim ouve” (Lc 10, 6).
Nominalismo nas alturas.
Ao contrário das ideias soltas do Carona, cuja forma mentis já criticamos (mas que ele, se ler, vai entender como um ataque), os católicos tradicionalistas, por sua base tomista, preferem discernir não com base em canetada ou carteiraço, nem surfar em modas doutrinais ou fazer malabarismo com costumes mundanos, mas com base na Tradição Magisterial, uma vez que a Verdade não se contradiz.
Enfim, está batendo num espantalho.
Deixo aqui meus parabéns a Pedro Affonseca pela coragem de dar esse testemunho e revelar aquilo que muitos já percebiam, mas que talvez não tivesse claro para tantos outros.
Já nós, cabe vigiar e orar (Mt 26:41).
Quanta coragem! Curvar-se, na prática, ao status quo do conservadorismo católico e tornar vago problemas graves concretos no dia a dia paroquial, tudo em nome da “comunhão”, da “obediência” e, claro, implicitamente, da fraternidade #CNBB.
Novamente, não está nem no Catecismo Romano, mas no Catecismo atual (n. 675), “A perseguição (…) porá a descoberto o «mistério da iniquidade», sob a forma duma impostura religiosa, que trará aos homens uma solução aparente para os seus problemas, à custa da apostasia da verdade“.
Não é uma impostura religiosa como o modernismo, que é o responsável pelas desordens na vida da Igreja (embora o Carona atribua a culpa aos tradicionalistas por uma inversão que é típica da mentalidade revolucionária), mas está mitigada nas posturas conservadoras e continuístas, onde a defesa da Tradição jamais deve cobrar o preço de descontentar o irmão ou criticar – sem revolta ou ódio, é claro – a má autoridade. Não deixa de ser um apreço por uma falsa paz à custa da apostasia da verdade.
Não se assuste o leitor. Chesterton já via essa marcha revolucionária no espírito conservador: “O mundo está dividido entre conservadores e progressistas. O negócio dos progressistas é continuar cometendo erros. O negócio dos conservadores é evitar que erros sejam corrigidos“. Os católicos tradicionais têm o hábito de denunciar essa dialética hegeliana que faz avançar a Crise da Igreja. Naturalmente, isso causa raiva e unem sinistramente libertários e conservadores em ataque contra os tradicionalistas. Que coisa, não? #quico #chaves
Mas, claro, é sempre possível optar pela “obediência” e pela “comunhão”. Sendo assim, não esqueçamos! Se houver escândalo, ignore, pois, ignorando-o, não irá expor nenhuma fragilidade. Se for criticar, ainda que seja o modernismo, que seja de forma vaga; colocar as coisas em termos concretos pode ofender a sensibilidade dos sem instrução. E se for criticar os tradicionalistas, faça através de um espantalho sem nunca entrar no mérito de suas teses; para isso, chame-os de desobedientes e revoltosos, se eles têm razão ou não, é secundário, que tudo fique de forma vaga. Mais genialmente humanista que isso é impossível.