«Na sua marcha para o bem moral, o homem defronta dois inimigos: o sofrimento e o prazer. O sofrimento amedronta e o prazer atrai. A fortaleza domina o temor e a temperança modera o prazer; duas virtudes cardeais que preparam o desabrochar de várias virtudes.»
«O temor é um sentimento muito natural e, em si, legítimo. A alma humana, a vista dos males que a ameaçam, não pode deixar de temer. Mas, se estes males são males inferiores que, suportados, proporcionam um bem muito mais apreciável, a razão proclama que devem ser aceitos e não se deve renunciar ao bem que só com este preço se pode comprar. Não só cumpre suportá-los, como também, correr corajosamente adiante do obstáculo, atacá-lo e destruí-lo com nobre audácia.» Na luta moral, como em outra qualquer boa peleja, nunca se consegue a vitória senão tomando a ofensiva. Se a aquisição dos bens naturais exige esta fortaleza, com maioria de razão, a conquista dos espirituais, incomparavelmente mais nobres e preciosos, a que se opõem mais inimigos e obstáculos, reclama ainda maior energia, valor e constância.
Infelizmente! Quantos cristãos, bons e inclinados à piedade, não progridem, ou pouco progridem, porque não querem usar de energia e coragem. «Um grande número, diz a Imitação, não se adianta ou deixa de trabalhar com fervor para sua emenda, pelo horror que tem ao sofrimento que acompanha a luta.» Convida-os a graça; pois, graças são os anélos de bem que eles sentem; mas, não querem sacudir sua pusilanimidade e ficam medíocres; sua vontade permanece muito mole quando eles têm de praticar grandes virtudes e endurece como o ferro quando se trata de contrariar seus gostos, renunciar a seu modo de pensar, privar-se do que lhes agrada. Muitos há, também, que, não resta dúvida, fazem alguns esforços, mas, não os sustentam, cansam e recaem na sua inércia e indolência.
Outros, ainda, ficam sem energia por serem muito impressionáveis e reagirem muito pouco contra suas impressões. Estas pessoas experimentam, na sua sensibilidade, vivas emoções que lhes apertam o coração e – assim o pensam – as reduzem à impotência; outras vezes, movimentos de impaciência, repulsas, impulsos violentos a que se dizem incapazes de resistir. Tal susceptibilidade nervosa torna-se tanto mais tirânica quanto mais- se lhe cede. A vontade assim dominada pela sensibilidade, atrofia-se cada vez mais e torna-se incapaz de praticar qualquer virtude sólida. Na hora de prestarem contas de toda sua vida, os que assim tolamente houverem obedecido aos impulsos de seus nervos, receberão as exprobações do grande Juiz; forçoso será reconhecerem que foram culpados por não haverem sabido governar-se e por não haverem querido adquirir uma posse completa de si próprios.
Nada mais belo do que a força de caráter que domina as emoções, contém todo e qualquer medo, não recua diante de trabalho algum, de perigo algum, prossegue até o fim, apesar de todos os obstáculos e aborrecimentos, a obra sabiamente empreendida. Os soldados destemidos, tenazes, inabaláveis é que são a honra e a força de uma nação. Viram-se marinheiros de certa expedição polar permanecerem por vários anos naquelas regiões onde o frio, às vezes, descia abaixo de 50 graus. O gelo formava-lhes sobre as roupas uma como que couraça que se derretia de noite para de novo se congelar nas horas do despertar. Durante muito tempo, foram impossibilitados de se despir e lavar; sua comida era intragável. Ficando o navio bloqueado, precisaram procurar salvação errando sobre gelos flutuantes: suportaram todos os males sem nunca desanimarem sem perderem seu entusiasmo, sua jovialidade.
Os santos e os pregadores têm, muitas vezes, apresentado aos cristãos, como modelos de coragem e constância, estas pessoas do mundo que, ou por uma glória efêmera, ou para conquistar as riquezas e as honras, afrontam tantas fadigas e suportam alegres tantos males. E sofrem ao verem que os filhos de Deus, aos quais são oferecidos bens eternos incomparavelmente mais preciosos, são, às vezes, menos corajosos, desanimam e não prosseguem, cedendo a ligeiros contratempos, ao receio de qualquer privação, contrariedade, motejo ou humilhação.
Como importa, pois, a quem sinceramente almeja uma piedade sólida, dar à sua vontade a têmpera mais enérgica de que é capaz! Esta energia, antes de tudo, faz-se de mister pedi-la a Deus; e, como os combates se prolongam pela vida toda, como à natureza repugna sempre o que a molesta, convém fazer sempre esta oração: «Senhor, fortalecei a minha vontade; aumentai a minha coragem.»
O esforço deve juntar-se à oração. Deus não atende o pedido da alma que pretende conseguir uma virtude mantendo-se na inércia. «O homem espiritual incrementa a perfeição de sua fortaleza pelo exercício cujo fito é vencer os movimentos da alma.» Sim, incrementa-se a fortaleza pelos esforços; e quanto mais enérgicos estes são, tanto mais forte se torna a alma. Desenvolve-se pela violência que se emprega em dominar os nervos, conter as emoções, repelir as tentações, praticar as virtudes difíceis. Desenvolve-se, sobretudo, quando se persevera muito tempo sustentando as mesmas lutas. Para realizar generosamente estes esforços, é preciso ponderar a pequenez dos males recebidos, males que duram tão pouco, e a grandeza dos bens prometidos, bens inapreciáveis e eternos.
Quantas pessoas não exclamam sem cessar: «Oh! como é custosa esta virtude!… não posso; é impossível!… etc.» Palavras deprimentes, covardes, mentirosas! Pode-se quando se quer, porque Deus nada nos pede acima das nossas forças. Muito mais acertado e mais consolador é dizer «Oh! quão bela é esta virtude! quanto agrada! Deus há de me ajudar; tudo posso n’Aquele que me fortalece.» É confortador, sobretudo, agir por puro amor: tudo o que excita o amor, aumenta a coragem. «A fortaleza, assevera santo Agostinho, é o amor que suporta tudo pelo objeto amado.» Se o ato de virtude que a graça sugere, se afigura muito duro, façamos um ato de amor e, sem mais cogitações, atiremo-nos ao sacrifício, como o soldado que quer tomar de assalto a posição adversa, se precipita sobre o inimigo, sem hesitar sem olhar para trás.
Custa pouco um esforço passageiro: prova-se a verdadeira fortaleza da alma pela constância. A versatilidade provém de uma falta de juízo e de prudência, quando, após justas ponderações, o espírito não se atém invariavelmente às conclusões que sabiamente deduziu. A maioria das vezes, todavia, provém de uma falta de firmeza, abandonando a vontade suas resoluções por frouxidão ou tibieza. É ainda o amor que dá a perseverança, porque quem age por amor, nunca se cansa de se sacrificar por aquele que ama, e longe de esmorecer, torna-se cada vez mais ardente. «Considerai, dizia santo Atanásio, fazendo o elogio de santo Antão, que grande servo de Deus foi Antão que, da adolescência até a velhice mais avançada – morreu com cento e cinco anos – conservou sempre o mesmo ardor na vida espiritual, sem nunca desejar uma comida mais conveniente para sua idade, nem outras roupas para seu corpo extenuado.» Assim procedem todos os santos, todos os verdadeiros amigos de Deus.