Sermão para o 8º Domingo depois de Pentecostes
Caros católicos, suponho que a maioria de vocês tenha tomado conhecimento do novo Motu Proprio do Papa Francisco, Custodes Traditionis, que abole o Motu Proprio anterior de Bento XVI, o Motu Proprio Summorum Pontificum, que dava maior liberdade à Missa Tridentina, quer dizer, à Missa no Rito Romano tradicional. O Motu Proprio de Bento XVI dava maior liberdade, embora não a justa liberdade, que deveria ser uma liberdade inteira para a Missa Tridentina e para cada padre poder celebrá-la. Objetivamente, o novo Motu Proprio do Santo Padre, o Papa Francisco, impede que surjam novas Missas Tridentinas pelo mundo e coloca sob séria ameaça aquelas que já existem. Nós devemos, então, caros católicos, como temos dito recentemente e insistido, nós devemos pensar e, consequentemente, agir a partir de princípios não somente nessa situação, mas em qualquer situação que possa aparecer. São princípios que derivam da razão natural e da revelação divina. Devemos, portanto, ter como regra de ação aquilo que a Igreja Católica, única verdadeira Igreja de Cristo, sempre ensinou e sempre fez.
Um primeiro princípio que devemos ter sempre em mente é que o Papa é o sucessor de São Pedro, que ele é o vigário de Cristo na Terra. Sendo assim, devemos, de nossa parte, todo respeito, amor e obediência ao Santo Padre. E aproveitamos a ocasião para reafirmar que o Papa atual é o Papa Francisco. Devemos, assim, afastar qualquer tentação de negar isso. Seria um erro grave. Porém, devemos nos lembrar de que o Papa, de acordo com o ensinamento constante da Igreja expresso de maneira clara no Concílio Vaticano primeiro, recebeu a jurisdição suprema não para ensinar novidades, mas para guardar, transmitir, explicar, explicitar, aprofundar aquilo que Nosso Senhor Jesus Cristo e o Espírito Santo ensinaram aos apóstolos. O Papa não pode, portanto, mudar o ensinamento doutrinário e moral da Igreja. Atrelado a isso, e de acordo com a teologia católica, o Papa não pode, por exemplo, proibir ou praticamente proibir uma liturgia que se desenvolveu harmonicamente desde o tempo dos apóstolos expressando perfeitamente o ensinamento da Igreja, formando a fé de inúmeras almas bem como a vida espiritual delas. Abolir ou restringir violentamente uma liturgia assim provada pelo tempo e aprovada pela Igreja durante 2000 anos foge completamente da prerrogativa papal. O cardeal Ratzinger, que viria a se tornar depois Bento XVI, resumia assim essa verdade: uma instituição que proibisse aquilo que foi a norma de culto durante séculos terminaria perdendo a sua credibilidade. Foi por isso que o Papa São Pio V, ao obrigar o rito romano em toda a parte latina da Igreja Católica em 1570 com a Bula Quo primum tempore, assegurou de maneira clara que os ritos com mais de duzentos anos de existência poderiam continuar sendo celebrados. Isso é a aplicação perfeita da teologia católica. De fato, desde esse documento de São Pio V, continuaram existindo o rito dominicano, o rito carmelita, o rito ambrosiano, o rito de Lyon, entre outros. Se é assim para esses outros ritos latinos, quanto mais para a liturgia no rito romano tradicional. Entendendo isso, podemos afirmar, com toda a tranquilidade, que a Missa no Rito Romano tradicional não pode ser abolida nem restringida. E isso não por causa de um documento papal, como a Bula Quo Primum Tempore de São Pio V, mas pelos próprios princípios da doutrina católica, em razão da própria natureza da coisa. Essa liberdade para um Padre celebrar a Missa no Rito Romano Tradicional, no chamado Rito Tridentino, vem da própria natureza da coisa.
Devemos, caros católicos, nos lembrar de que o Papa é infalível apenas em algumas condições definidas no Concílio Vaticano primeiro (sobre os graus de magistério, ver estudo a respeito). E o mesmo se aplica a um Concílio Ecumênico. Fora dessas condições, o Papa, ou o Concílio sob o Papa, tem uma autoridade, sim, que vem de Cristo, mas que não está garantida absolutamente na verdade pela assistência divina. Nesse caso, a autoridade papal dever ser respeitada e acatada, mas existe a possibilidade de erro, de imprudência em um ensinamento, em uma ordem, em uma lei. Se o erro se verifica em um ensinamento concreto não infalível, se a imprudência se verifica em um ensinamento concreto não infalível, e esse erro ou imprudência são constatados não por capricho de alguém, mas por verdadeira oposição à razão natural ou por oposição a um ensinamento constante da Igreja, a própria doutrina da Igreja sempre reconheceu a possibilidade de não acatar esse ensinamento pontual, guardando todo o respeito devido ao Vigário de Cristo. Dentro dessa situação, não estaríamos sendo filhos rebeldes da Igreja, mas seus filhos fiéis, e estaríamos plenamente no sentire cum Ecclesia de que nos fala Santo Inácio de Loyola. Tampouco estaríamos fazendo livre exame do Magistério, mas estaríamos usando bem o maior dom natural que Deus nos deu, a inteligência, que não pode aceitar que sejam verdade dois ensinamentos contraditórios.
Devemos, caros católicos, também nos lembrar de outro princípio da doutrina católica. Uma lei é a ordenação da razão ao bem comum promulgada pela autoridade legítima. Portanto, uma lei, para ser uma lei, deve ser feita pela autoridade legítima. O Papa Francisco é uma autoridade legítima. A lei para ser lei deve ser também promulgada. Porém, a lei para ser lei deve ser também uma ordenação da razão ao bem comum. Portanto, uma lei para ser lei não pode ser contrária à razão, contrária à revelação divina ou à doutrina católica. A lei também não pode ir contra o bem comum. Uma lei, para ser uma lei, não pode ir contra a lei suprema, que é a salvação das almas. A Missa Tridentina é arma potentíssima para a salvação das almas.
Devemos, ainda, caros católicos, nos lembrar de outro princípio da doutrina católica. A obediência é uma virtude excelente, pois nos leva à negação da nossa própria vontade para nos conformarmos à vontade de Deus por meio da submissão às ordens de nossos superiores. Todavia, a obediência tem um limite bastante claro. Não se deve obedecer quando a obediência se opõe à fé ou à moral. Obedecer a uma ordem contrária à fé ou à moral não seria uma virtude, mas um vício que se chama servilismo. Por exemplo, se um pai mandasse o filho pegar algo escondido no supermercado, esse filho teria o dever de não lhe obedecer nesse ponto, embora deva continuar guardando a obediência às ordens legítimas que vierem do pai. Em um caso assim, não se desobedece propriamente ao pai, mas se obedece a Deus. É preciso obedecer a Deus antes que aos homens, como diz a Sagrada Escritura. O filho, em uma situação dessa, ao não obedecer ao pai, o respeita e continua unido ao pai. Uma ordem dada contra Deus deixa de ser uma ordem e deixa de obrigar à obediência. Uma ordem assim está cortada da fonte de toda autoridade, que é Deus.
Todos esses princípios não podem ser negados por um católico em sã consciência, e a nossa inteligência, a nossa consciência e a nossa conduta, com o auxílio da graça, não devem se afastar desses princípios. Não devemos agir pelas paixões nem somente pela simples razão natural, mas pela fé católica, pelos princípios que derivam da fé, e sempre animados pela caridade.
Um católico não pode abandonar aquilo que a Igreja sempre ensinou e sempre fez. Não pode tampouco abandonar uma liturgia que remonta aos apóstolos, que se desenvolveu organicamente, sob a autoridade de tantos e tantos Papas, que se baseia de maneira límpida na natureza humana, para bem ordenar a nossa natureza ferida pelo pecado original. Um católico não pode abandonar uma liturgia que expressa de maneira clara, sem ambiguidades, sem respeito humano, sem equívocos, o ensinamento imutável de Cristo. As circunstâncias de tempo e de lugar, e as ideias dominantes em um determinado momento, não podem influenciar a liturgia, que se tornaria, assim, algo meramente humano, um produto fabricado pelas mãos dos homens, como dizia o Cardeal Ratzinger.
Nosso propósito, como católicos, é seguir o mandamento de São Paulo na 2ª Epístola aos Tessalonicenses, capítulo 2, versículos 14 e 15: state et tenete traditiones, ficai firmes e guardai as tradições que de nós aprendestes, seja por palavras seja por cartas nossas. Isso nos diz São Paulo: state et tenete traditiones, ficai firmes e guardai as tradições, tradições católicas, evidentemente. Nosso propósito, como católicos, é seguir também o exemplo de São Paulo, que nos diz na 1ª Epístola aos Coríntios, capítulo 15, versículo 3: tradidi quod et accepi, transmiti o que recebi. Nosso propósito é transmitir o que recebemos, em particular em nossa ordenação: o rito romano tradicional. Nosso propósito é transmitir o que recebemos dos apóstolos e que a Igreja sempre transmitiu sem contradições, sem ambiguidades. E como também diz São Paulo: se mesmo um anjo baixado do Céu anunciar um evangelho diferente do que nos foi transmitido, não devemos dar ouvidos.
É um mandamento divino ficar firme e guardar as tradições que recebemos desde os apóstolos na liturgia, na doutrina e na moral, sempre tendo em vista que a lei suprema é a salvação das almas, e que a liturgia, a doutrina e a moral, sem novidades, são indispensáveis para isso, para a salvação das almas. Esse é o nosso propósito porque deve ser o propósito de todo católico, ainda que sofra injustiças em razão disso. E devemos fazer isso, caros católicos, guardar aquilo que recebemos, guardar as tradições católicas, por amor à Igreja, por amor ao Papa, por amor ao nosso Bispo.
Em momentos de confusão, é preciso manter extrema serenidade com extrema firmeza baseadas, ambas, sólida e profundamente, nos princípios da doutrina católica. Lembremo-nos da regra que nos dá Santo Inácio de Loyola: em tempo de tribulação e desolação, não devemos mudar os nossos propósitos. Não tenhamos medo, confiemos em Deus e, apoiados n’Ele, permaneçamos fiéis ao que sempre nos foi ensinado e ao que a Igreja sempre fez na liturgia, na doutrina, na moral. Ajamos assim com caridade fraterna e humildade. Se aqui entrar o orgulho, estaremos perdidos. Continuemos a obra de nossa santificação com a vida de oração, com a frequência aos sacramentos e à Santa Missa, com o cumprimento dos mandamentos e de nossos deveres de estado. Uma tribulação, uma confusão, por mais séria que seja, não deve nos tirar dos princípios católicos. Uma tribulação, uma confusão, por mais séria que seja, não pode, não deve nos atrapalhar em nossa santificação. State et tenete traditiones. Ficai firmes e guardai as tradições católicas. E que Nossa Senhora das Dores nos ajude!
Padre Daniel Pinheiro, IBP (18/07/2021)
Vídeo da homilia
Fonte: Missa Tridentina em Brasília