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Suma Teológica: a virtude moral pode existir sem a intelectual? E a virtude intelectual pode existir sem a virtude moral?

Aula sobre a vida intelectual no Instituto Santo Atanásio com o professor Daniel Scherer, recomendação de estudo sobre virtude moral e virtude intelectual
Aula sobre a vida intelectual no Instituto Santo Atanásio com o professor Daniel Scherer

Na última aula do curso Pedagogia Cristã: A Vida Intelectual, o professor Daniel Scherer recomendou a leitura dos seguintes artigos da Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino:

  • Summ. theol. I-II q. 88 a. 4: Se a virtude moral pode existir sem a intelectual.
  • Summ. theol. I-II q. 88 a. 5: Se a virtude intelectual pode existir sem a moral.

Abaixo transcrevemos então os referidos artigos, retirados do site da Permanência. (Obs: os grifos e algumas mudanças na estrutura do texto são nossas)

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O quarto discute-se assim. — Parece que a virtude moral pode existir sem a intelectual.

1. — Pois, a virtude moral, como diz Túlio, é um hábito a modo de natureza, consentâneo com a razão [1]. Ora, não é necessário a razão da natureza existir em todos os seres, só porque a natureza é consentânea com uma razão movente superior, como bem o deixam ver os seres naturais privados de razão. Logo, pode haver em nós uma virtude moral, a modo de natureza, que nos incline a nos submeter à razão, embora esta não seja perfeita pela virtude intelectual.

2. Demais. — Pela virtude intelectual conseguimos o uso perfeito da razão. Ora, dá-se às vezes que certos, em que não impera o uso da razão, são virtuosos e amados de Deus. Logo, a virtude moral pode existir sem a intelectual.

3. Demais. — A virtude moral nos inclina a agir retamente. Ora, muitos têm tal inclinação, mesmo sem o juízo da razão. Logo, as virtudes morais podem existir sem as intelectuais.

Mas, em contrário, diz Gregório, que as outras virtudes não podem de nenhum modo ser tais, sem que pratiquem prudentemente o que desejam [2]. Ora, a prudência é uma virtude intelectual, como já se disse [3]. Logo, as virtudes morais não podem existir sem as intelectuais.

SOLUÇÃO. — Não há dúvida que as virtudes morais podem existir sem certas virtudes intelectuais, como a sabedoria, a ciência e a arte; não o podem porém sem o intelecto e a prudência. — Assim, não podem existir sem a prudência, por ser a virtude moral um hábito eletivo, i. é, que torna boa a eleição. Ora, para esta ser boa se exigem duas condições.

  1. A primeira é haver a devida intenção do fim; e isto se dá pela virtude moral, que inclina a potência apetitiva ao bem conveniente com a razão, que é o fim devido.
  2. A segunda é que nos sirvamos retamente dos meios, o que se não pode dar senão pela razão, que aconselha retamente, no julgar e no ordenar, o que pertence à prudência e às virtudes anexas, como já dissemos [4].

Por onde, a virtude moral não pode existir sem a prudência. — E por conseqüência, sem o intelecto. Pois, por este é que conhecemos os princípios evidentes, tanto na ordem especulativa como na operativa. Por onde, assim como a razão reta, na ordem especulativa, enquanto procede de princípios naturalmente conhecidos, pressupõe o intelecto dos princípios, assim também a prudência, que é a razão reta dos atos.

Donde a resposta à primeira objeção. — A inclinação da natureza, nos seres privados de razão, não inclui a eleição, e portanto essa inclinação não é necessariamente racional. Ao passo que a inclinação da virtude moral é eletiva e, portanto, necessita, para ser perfeita, que a razão o seja, por meio da virtude intelectual.

Resposta à segunda. — Não é necessário, no homem virtuoso, o uso da razão imperar em universal, mas só em relação ao que ele deve praticar virtuosamente. E assim o uso da razão impera em todas as pessoas virtuosas. Por onde, mesmo aqueles que parecem simples, por destituídos da astúcia mundana, podem ser prudentes, conforme aquilo da Escritura (Mt 10, 16): Sede prudentes como as serpentes, e simples como as pombas.

Resposta à terceira. — A inclinação natural para o bem da virtude é um certo começo desta, embora não seja virtude perfeita. Pois, quanto mais perfeita essa inclinação, tanto mais perigosa pode ser, se não se lhe acrescentar a razão reta, pela qual se faz a reta eleição dos meios convenientes ao fim devido; assim como um cavalo cego, que corre, tanto mais dará encontrões e se ferirá, quanto mais impetuosamente correr. E portanto, embora a virtude moral não seja a razão reta, como dizia Sócrates, também não é somente segundo a razão reta, no sentido em que inclina para o que é conforme a essa razão, como ensinavam os Platônicos [5]; mas também é necessário seja acompanhada da razão reta, segundo Aristóteles dizia [6].

Notas:
[1] II De invent., cap. LIII.
[2] XXII Moral. (cap. I).
[3] Q. 58, a. 3, ad 1; q. 57, a. 5.
[4] Q. 57, a. 5, 6.
[5] Cf. Platon, Menon., cap. XLI.
[6] VI Ethic. (lect. XI).

O quinto discute-se assim. — Parece que a virtude intelectual pode existir sem a moral.
 
1. — Pois, a perfeição do que vem antes não depende da do que vem depois. Ora, a razão é anterior ao apetite sensitivo e o move. Logo, a virtude intelectual, que é a perfeição da razão, não depende da moral, que é a perfeição da parte apetitiva. Logo, pode existir sem ela.

2. Demais. — Os atos morais são matéria da prudência, assim como o que podemos produzir constitui a matéria da arte. Ora, esta pode existir sem a matéria própria, como o ferreiro pode existir sem o ferro. Logo, também a prudência o pode sem as virtudes morais, que contudo, entre todas as virtudes intelectuais, é a mais unida com as morais.

3. Demais. — A prudência é uma virtude que nos faz aconselhar retamente, como já se disse [1]. Ora, muitos aconselham retamente, que entretanto são desprovidos das virtudes morais. Logo, a prudência pode existir sem estas.

Mas, em contrário. — Querer fazer o mal opõe-se diretamente à virtude moral, mas não, a alguma virtude capaz de existir sem ela. Ora, pecar voluntariamente opõe-se à prudência, como se disse [2]. Logo, a prudência não pode existir sem a virtude moral.

SOLUÇÃO.Todas as virtudes intelectuais, menos a prudência, podem existir sem as virtudes morais. E a razão é que a prudência é a razão reta dos nossos atos, e não só universalmente, mas também na ordem particular a que pertencem os atos. Ora, a razão reta supõe princípios donde parta. Logo, em relação ao particular, é necessário a razão proceder de princípios, não só universais, mas também particulares. Ora, em relação aos princípios universais reguladores dos seus atos o homem se comporta retamente pelo intelecto natural dos princípios, pelo qual sabe que não deve praticar nenhum mal; ou ainda por alguma ciência prática. Isto porém, não basta para raciocinar sobre casos particulares. Pois acontece às vezes, que o princípio universal, de que agora tratamos, conhecido pelo intelecto ou pela ciência, oblitera-se num caso particular, por influência de alguma paixão. Assim, ao vencido pela concupiscência parece-lhe bem o que deseja, embora vá contra o juízo universal da razão. E portanto, assim como nos dispomos, para proceder retamente, em relação aos princípios universais, pelo intelecto natural ou pelo hábito da ciência; assim também, para procedermos retamente, em relação aos princípios particulares reguladores dos nossos atos, que são os fins, é necessário sejamos aperfeiçoados por certos hábitos, que, de certo modo, nos tornam conatural o julgamento reto do fim. E isto se dá pela virtude moral. Pois, o virtuoso julga retamente do fim da virtude, porque, tal como somos, tal se nos afigura o fim, como já se disse [3]. Logo, a razão reta dos nossos atos, que é a prudência exige tenhamos a virtude moral.

Donde a resposta à primeira objeção. — A razão, enquanto apreensiva do fim, precede o apetite deste. Mas o apetite do fim, por sua vez, precede a razão que raciocina para escolher os meios, o que pertence à prudência, assim como, na ordem especulativa, o intelecto dos princípios é o princípio da razão raciocinante.

Resposta à segunda. — Os princípios das coisas artificiais não os julgamos nós bem ou mal, por uma disposição do nosso apetite, como julgamos dos fins, que são os princípios na ordem moral; mas os julgamos só pela consideração racional. E por isso, a arte não exige, como a prudência, a virtude, que aperfeiçoa o apetite.

Resposta à terceira. — A prudência não só aconselha mas também julga e ordena com acerto. O que não poderia ser sem a remoção dos impedimentos das paixões, corruptoras do juízo e da ordenação da prudência; e essa remoção se dá pela virtude moral.

Notas:
[1] VI Ethic. (lect. IV-VIII).
[2] IV Ethic. (lect. IV).
[3] III Ethic. (lect. XIII).

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