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Tomás de Aquino: o rebelde

Santo Tomás de Aquino - discurso
Por Antonio López Pardo

É bastante comum ver como Santo Tomás de Aquino e seus pensamentos são considerados o arquétipo das ideias “medievais”, “conservadoras” ou, inclusive, “retrógradas”. Nada mais longe da realidade. Uma simples passagem pela biografia de Tomás de Aquino nos mostra que, no fundo, ele foi um livre-pensador, um buscador incessante da verdade e, por conseguinte, um rebelde permanente e um verdadeiro revolucionário.

Mesmo que não creiam nisso, Tomás de Aquino foi um rebelde. Rebelou-se contra sua própria família, contra seus professores, contra seus colegas e contra a sociedade inteira.

Já em jovem idade, Tomás de Aquino deu mostras dessa rebeldia. Em primeiro lugar, em relação à sua própria família. Conhecidíssimo é o episódio em que, tendo aproximadamente 18 anos, foi trancado por seus próprios irmãos, dentro do castelo familiar, junto com uma mulher de má reputação, com o objetivo de fazê-lo cair em tentação e desistir de sua vocação religiosa. Este episódio teve sua origem na decisão de Tomás de Aquino de ingressar na recentemente criada Ordem dos Pregadores, fundada por São Domingos de Gusmão (conhecidos como “padres dominicanos”). O plano familiar era outro, pois supunha convertê-lo em religioso clerical para ser abade de Montecassino (localidade da família Aquino) e, desde aí, prosseguir com segurança numa “carreira religiosa” cheia de posses e prestígio.

Contudo, a decisão de Tomás de Aquino foi outra. Atraído pelo carisma dos frades dominicanos, seu espírito de liberdade e de preeminência para o estudo fez a opção pelo ingresso nessa ordem sem consultar sua família, a qual com certeza se oporia por dita ordem ter pouco renome e influência. Com efeito, a ordem dos “frades pregadores” nasceu como uma ordem “medicante” (assim como os franciscanos, cuja origem é bastante contemporânea), ou seja, viviam de esmolas, diferentemente dos sacerdotes seculares (que desempenhavam papeis mais administrativos ou de poder e tinham influência política) e dos monges propriamente tais (que deviam inclusive trabalhar em suas próprias terras para buscar sua subsistência).

Posteriormente, tendo ingressado na universidade, Tomás de Aquino continuou mostrando sinais de sua rebeldia. Também é chamativo o episódio em que, sendo estudante da Universidade de Colônia, “enfrentou” um de seus grandes professores: Santo Alberto Magno. Este notou quão brilhante era seu aluno, razão pela qual lhe pediu a preparação de um difícil tema para um ato acadêmico. Na exposição solicitada, não só se referiu com maestria às fontes previamente conhecidas, mas também expôs ideias e doutrinas próprias. O professor Alberto Magno – com verdadeiro ânimo socrático – replicava todas as teses do aluno Tomás, quem as resolvia uma a uma, até que aquele lhe teria dito: “Frade Tomás, não pareces um estudante que pergunta, mas um mestre que define e determina”, e em seguida este respondeu: “Desculpe, mestre, mas não vejo outra maneira de resolver a questão”.

Assim era Tomás de Aquino na vida universitária e de estudo, conhecido do pensamento e da metodologia que lhe antecediam, mas nunca prisioneiro deles, sempre disposto a romper esses moldes se lhe impediam de alcançar a única coisa importante, a saber, um conhecimento verdadeiro.

A própria “Suma Teológica” tem por origem esse espírito livre, pois ele via que o modo como era ensinada a teologia não era o adequado. A metodologia até então consistia em ensinar as “sentenças” de mestres prévios, sendo as mais famosas e usadas as de Pedro Lombardo. O mesmo Tomás de Aquino foi “mestre sentenciário” e, de fato, ele também escreveu seus “Comentários às Sentenças de Pedro Lombardo”. Contudo, no parágrafo segundo (de tão somente três) do prólogo de sua maior obra, aponta as dificuldades que notava no ensino da teologia, o que vale a pena transcrever:

Detectamos, com efeito, que os noviços nesta doutrina se encontram com sérias dificuldades na hora de compreender o que alguns escreveram até hoje. Algumas vezes, pelo número excessivo de questões, artigos e argumentos inúteis. Outras, pelo mau método com que se lhes apresenta o que é chave para seu saber, pois, em vez da ordem da disciplina, se segue simplesmente a exposição do livro que se comenta ou a disputa que surge de tal ou qual problema concreto. Outras vezes, pela confusão e aborrecimento que, nos ouvintes, geram as constantes repetições.

Dentro da vida universitária como professor e da própria Igreja, Tomás de Aquino também teve que se confrontar com aqueles que eram seus irmãos e colegas. Assim, na Universidade de Paris (a mais importante do mundo na época), esteve envolto em uma polêmica dos professores do claustro universitário, suscitada entre mestres seculares e mestres regulares, onde os primeiros criticavam a presença de professores de ordens medicantes (dominicanos e franciscanos) porque, na sua opinião, deveriam estar reclusos em conventos e viver como monges. Tomás de Aquino defendeu o direito dos frades (que não são monges nem clérigos) de educar-se, ensinar e pertencer ao colégio de professores, sem ter que trabalhar manualmente, senão vivendo das esmolas.

Também esteve em controvérsia com a própria escolástica. Ainda que pareça contraintuitivo, aquele que hoje é considerado uma das principais referências da escola medieval também esteve em disputa com essa mesma escola. Isso porque, até então, a escolástica tinha por principal referência da antiguidade a Platão, recebido desde Santo Agostinho e, ao contrário, rejeitava consistentemente a filosofia de Aristóteles para as explicações teológicas. De fato, Aristóteles era quase exclusivamente aceito em Lógica, mas não em Antropologia, Ética e Política.

Isso, em parte, era devido ao pouco conhecimento que a Europa tinha de Aristóteles, identificando-o com o estudo desenvolvido pelos filósofos muçulmanos, e em parte porque importantes heresias ou doutrinas contrárias ao catolicismo se baseavam no aristetolismo, como o averroísmo ou o arianismo.

Sabemos que o Liceu aristotélico não teve um grande impacto nem subsistência no tempo posterior à morte de seu fundador, por isso as obras aristotélicas tiveram um azara do devir que as tornou praticamente inexistentes na Europa. Depois de terem sido guardadas na Biblioteca de Alexandria no século I a.C, foram traduzidas ao siríaco e, desde aí, ao árabe. Para o século X, faziam parte do pensamento aristotélico em Bagdad, enquanto que no século XIII eram estudadas em Constantinopla e na Espanha muçulmana.

Deste modo, na época de Tomás de Aquino, a obra de Aristóteles estava sob uma dupla suspeita. Não só correspondia ao fruto de um “pagão” que não conheceu o cristianismo e nem sequer pertenceu à tradição judaica, senão que, além disso, era o autor que os “ímpios” muçulmanos liam. Dentro deste contexto, por exemplo, no ano de 1210 o concílio provincial de Paris proibiu o ensinamento de Aristóteles na universidade desse lugar.

Tomás de Aquino rebelou-se contra todos esses preconceitos (seguindo o caminho iniciado por seu mestre Alberto Magno) e, em virtude de uma dispensa especial em favor dos dominicanos, se dedicou ao estudo Aristóteles com profundidade, como ninguém havia feito desde então em todo Ocidente. Assim, Tomás de Aquino conseguiu algo que não parecia possível. Conseguiu “cristianizar” um sistema filosófico que antes parecia ser o fundamento das maiores heresias, empresa que alcançou depois de comprovar que os postulados de Aristóteles eram verdadeiros e seu método o adequado. Em suas obras, Tomás de Aquino refere-se ao Estagirita simplesmente como “o Filósofo”, mostrando sua admiração e clara posição aristotélica (sem preconceito para também reconhecer muitos ensinamentos platônicos, como a doutrina da participação).

Em parte, sua posição decididamente aristotélica pode ser explicada porque, com ela, pôde dar uma sustentação natural e racional às verdades reveladas pela fé. O melhor exemplo disso é sua “Suma contra os gentios”, preparada com o expresso propósito de colaborar na conversão dos não-cristãos (na época, principalmente os muçulmanos), o que não poderia ser feito pela força, senão com um diálogo alicerçado na razão natural. Nesse caminho, não resta dúvida de que o suporte de Aristóteles foi determinante.

Finalmente, Tomás de Aquino foi um rebelde em relação à sociedade inteira. Como foi apontado, não só estava convencido do diálogo pela conversão dos não-cristãos mediante o uso da razão (em uma época em que reis e papas organizavam cruzadas armadas), senão que, além disso, teve tal nível de dedicação ao estudo, que durante sua vida rejeitou toda honra e designação a qualquer dignidade ou cargo que o pudesse desviar do que cria ser sua verdadeira vocação. Tanto na época como hoje, todos buscam coisas como reconhecimento social, prestígio e ascensão profissional. Tomás de Aquino foi reconhecido em seu tempo como um espírito brilhante, e por isso recebeu muitas ofertas e nomeações que permanentemente recusou.

Seu único propósito vital foi a busca da Verdade, apoiado na razão natural e muito especialmente no auxílio sobrenatural, sempre corajoso em defendê-la, seja contra quem fosse.

Recentemente, numa prova de Direito Natural na universidade, um aluno a quem eu aplicava a prova abordou a explicação filosófica para defender a tese da vida humana desde o momento da concepção (com base no hilemorfismo aristotélico), depois disso lhe consultei para saber se, de acordo com isso, poderia então ser dito que as clínicas de fertilização in vitro que armazenam “óvulos fundados” têm “pessoas no refrigerador”. O aluno, depois de uma reflexão, afirmou que sim, mas que era muito “forte” ou “chocante” expressá-lo desse modo. Em um mundo como o atual, com muitíssimo acesso ao conhecimento e à informação, podemos tomar de Santo Tomás de Aquino a sua bravura e seu espírito rebelde para não duvidar nem temer em afirmar coisas como a anterior.

Fonte: Revista Suroeste

Sobre Antonio López Pardo

Professor de Direito Civil, Universidade Finis Terrae

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