Transcrição do Primeiro Fruto do Mistério da Origem do livro A Árvore da Vida – Escritos Espirituais de São Boaventura.
Jesus gerado por Deus
Quando ouves que Jesus é gerado por Deus, guarda-te bem de apresentar aos olhos de tua alma qualquer coisa de vil que te provoque pensamentos carnais; antes, com olhar de pomba e de águia, crê simplesmente e contempla sutilmente como daquela eterna Luz, imensa e simplíssima, fulgentíssima e sumamente misteriosa, nasce coeterno, coigual e consubstancial esplendor, Aquele que é virtude e sabedoria do Pai, em que o Pai dispôs todas as coisas desde a eternidade, por quem também fez os séculos (Hb 1,2), governando e dirigindo todas as coisas à sua glória, parte por natureza, parte por graça, parte por justiça, parte por misericórdia, de maneira que não deixa no mundo coisa alguma sem ordem.
Já no princípio da criação da natureza, colocados no paraíso os primeiros pais, e dele expulsos pela severidade do decreto divino por haverem comido do fruto vedado, a soberana misericórdia não diferiu reconduzir ao caminho da penitência o homem extraviado, dando-lhe esperança de perdão na promessa de um Salvador futuro. E afim de que nem a ignorância ou a ingratidão tornassem ineficaz tamanha condescendência de Deus à nossa salvação, não cessou nas cinco idades deste mundo, de anunciar, prometer, revelar e prefigurar a vinda de seu Filho, por meio dos patriarcas, juízes, sacerdotes, reis e profetas, desde o justo Abel até João Batista, afim de que, multiplicados no decurso de muitos milhares de tempos e anos os grandes e maravilhosos oráculos se elevassem as nossas inteligências à fé e se inflamassem os nossos corações em ardentes desejos.
Jesus enviado do céu
Finalmente, chegada a plenitude dos tempos, assim como no sexto dia o homem foi plasmado de terra pelo poder e sabedoria de Deus, assim também no começo da sexta idade, enviado o arcanjo Gabriel à Virgem e dado pela Virgem o consentimento, desceu sobre ela o Espírito Santo qual fogo divino, inflamando-lhe a mente e santificando sua carne com perfeitíssima pureza. Obumbrou-a também a virtude do Altíssimo, afim que pudesse suportar tamanho ardor. E, imediatamente, foi formado o corpo e criada a alma, e um e outra juntamente unidos à Divindade na pessoa do Filho, de maneira que o mesmo fosse Deus e homem, salvas as propriedades de uma e de outra natureza.
Oh, se puderas sentir, de alguma maneira, a qualidade e grandeza daquele incêndio, daquele refrigério e daquele deleite infuso do céu! Quão enaltecida foi a Virgem Mãe, quão enobrecido o gênero humano; quanto foi a condescendência da Majestade divina!
Oh, se puderas ouvir os cânticos de júbilo da Virgem, subir com a tua Senhora à montanha e contemplar o abraço suavíssimo da estéril Isabel e da Virgem e aquela íntima saudação em que o pequeno servo reconheceu o Senhor, o arauto, o juiz, a voz, o Verbo!… Oh, com suavidade e doçura havias de entoar, junto com a santíssima Virgem, o cântico sagrado do Magnificat e, exultando e jubilando, havias de adorar, como o menino profeta, a maravilhosa Conceição da Virgem!
Jesus Nascido de Maria
Quando o quieto silêncio da paz universal, sob o império de Cesar Augusto, veio, enfim, serenar os séculos, antes alterados, e por edito do mesmo se fez o alistamento de todo o orbe, dispôs a divina Providência que José, esposo da Virgem, conduzisse à cidade de Belém a donzela grávida, oriunda de sangue real. E cumpridos já os nove meses da conceição, o Rei pacífico, como esposo do seu tálamo, saiu do seio virginal sem sombra de natural injúria, como havia sido concebido sem mácula.
Ele, sendo grande e rico, por amor de nós se fez pequeno e pobre, quis nascer fora de casa num estábulo, ser envolto em faixas, amamentado com o leite da Virgem e reclinado numa manjedoura entre o boi e o jumento. Então “alvoreceu para nós o dia da redenção nova, da reparação antiga, da felicidade eterna; então destilaram mel os céus por todo o mundo”.
E agora abraça, minha alma, aquele divino presépio; põe teus lábios nos pés do menino e beija-os com amor. Medita, em seguida, a vigília dos pastores; admira o inúmero exército dos anjos, junta tua voz às celestes melodias, cantando com o coração e com a boca: Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens de boa vontade! (Lc 2, 14).